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1. Experiência Moral
Quotidianamente somos confrontados com situações em que temos
que decidir sobre coisas que interferem na liberdade de outros. A
simples coexistência coloca a questão da necessidade de cumprir
normas. É por isso que nas
nossas decisões temos em conta valores, princípios, normas ou
regras de conduta que impomos a nós mesmos, mas também
esperamos que os outros as sigam ou pelo menos as aceitem. Se os
outros manifestam um comportamento diverso daquele que à luz destes
ideais julgamos que deveriam ter, afirmamos que não agiram
correctamente, não têm valores, princípios ou mesmo "moral".
Há situações-limite em que revelamos profundas
dúvidas sobre a opção mais correcta que devemos tomar. Estão neste caso as situações
que envolvem dilemas de difícil resolução, como a droga, o aborto,
a clonagem, eutanásia, o roubo ou a fecundação in vitrio.
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O Dilema de
Henrique
Numa cidade da Europa, uma mulher
estava a morrer de cancro. Um medicamento descoberto
recentemente por uma farmacêutico dessa cidade podia
salvar-lhe a vida. A descoberta desse medicamento tinha
custado muito dinheiro ao farmacêutico, que agora pedia dez
vezes mais por uma pequena porção desse remédio. Henrique
(Heinz), o marido da mulher que estava a morrer, foi ter com as pessoas
suas conhecidas para lhe emprestarem dinheiro e,
assim, poder comprar o medicamento. Apenas conseguiu juntar
metade do dinheiro pedido pelo farmacêutico . Foi,
ter, então, com ele, contou-lhe que a sua mulher estava a
morrer e pediu-lhe para lhe vender o medicamento mais
barato. O farmacêutico respondeu que não, que tinha
descoberto o medicamento e que queria ganhar o dinheiro com
a sua descoberta. O Henrique, que tinha feito tudo ao seu
alcance para comprar o medicamento, ficou desesperado e
estava a pensar assaltar a farmácia e roubar o medicamento
para a sua mulher", L.Kohlberg, Tradução de.O.M. Lourenço.
Deve o não Henrique assaltar a
farmácia e roubar o medicamento? Justifica a resposta.
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2. Moral e Ética
Embora este dois conceitos andem
associados, em termos filosóficos, tem sido feita a seguinte distinção.
- Ética. Trata-se de uma disciplina
normativa que tem como objectivo estabelecer os princípios, regras e
valores que devem regular a acção humana, tendo em vista a sua
harmonia. Num grande número de filosofias estes princípios, regras e
valores aspiram a afirmarem-se como "imperativos" da
consciência como valor universal. A ética preocupa-se não como os homens são, mas como devem
ser. Em qualquer caso o homem é entendido como a autoridade última das suas decisões.
- Moral. Trata-se do conjunto de valores que uma dada sociedade ao
longo dos tempos foi formando e que os indivíduos tendem a
sentir como uma obrigação que lhes é exterior.
Esta distinção está longe de ser consensual. Para alguns
filósofos trata-se apenas de dois aspectos de uma só coisa. A ética
é a teoria e a moral é a sua realização prática.
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3. Nós e os Outros
O homem vive em sociedade. Viver
é, não apenas estar no mundo, mas relacionar-se com outros,
conviver. A multiplicidade destas relações (de coexistência, de
convivência, de colaboração, de conflito, de confronto, etc), permanentemente
faz emergir a necessidade de se estabelecerem e acatarem normas,
padrões e valores que possibilitem harmonizar acções
muito distintas.
O Outro foi durante muito tempo entendido como o "próximo",
aquele sobre o qual recaíam as nossas acções. Hoje o Outro é também a
própria Humanidade, dadas as consequências globais que as nossas acções
quotidianas podem assumir.
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4. A Liberdade e Responsabilidade como fundamento da moralidade
A maioria das teorias éticas pressupõem que todos nós,
enquanto agentes morais:
a) Temos liberdade de escolha das nossas
acções. Liberdade implica não apenas sabermos distinguir o bem do
mal, o justo do injusto, mas sobretudo de agir em função de valores que nós
próprios escolhemos. Não há comportamento moral sem certa
liberdade.
b) Somos responsáveis pelas nossas decisões, e portanto pelas
consequências das mesmas. A responsabilidade implica, em sentido
global, sermos responsáveis por nós próprios, mas também pelas
outras pessoas.
.5. A Consciência Moral. Origem e Desenvolvimento.
Um acto moral pressupõe um sujeito dotado de uma consciência
moral, isto é, uma pessoa cuja consciência é capaz de distinguir o bem do mal, de
orientar os seus actos e julgá-los segundo o seu valor.
.5.1.Origem
A consciência moral é inata ou adquirida? Esta questão tem
dividido os filósofos ao longos dos tempos.
Até ao século XVIII predominaram as teorias morais que defendem que esta consciência é
inata, sendo portanto anterior a qualquer experiência.
Na época contemporânea, predominam as teorias que afirmam que a mesma adquirida em
sociedade na nossa relação com os outros. Estas teorias foram defendidas por
pensadores tão diversos como K.Marx, F.Engels, F. Nietzsche, E. Durkheim ou S.
Freud.
.5.2.Formação e Desenvolvimento
A formação e desenvolvimento da consciência moral, foi objecto
no século XX, de importantes estudos, nomeadamente por Jean Piaget e
Lawrence Kohlberg.
Jean Piaget
A moralidade desenvolve-se
paralelamente à inteligência, e há um progresso que vai da heteronomia à autonomia moral. |
1ª.Etapa: Moral de Obrigação-heteronomia
(entre os 2 e os 6 anos): a criança vive numa atitude
unilateral de respeito absoluto com os mais velhos .As normas são
totalmente exteriores à criança.
2ª. Etapa: Moral da Solidariedade entre
iguais (entre os 7 e os 11 anos): O respeito unilateral é
substituído pelo mútuo e a noção de igualdade entre todos. As normas
aplicam-se de uma forma rígida. 3ª. Etapa: Moral de equidade-autonomia
( a partir dos 12 anos): aparece o altruísmo, o interesse pelo outro e
a compaixão. A moral torna-se autónoma. O respeito pelas normas
colectivas faz-se de um modo pessoal. |
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L. Kohlberg
A consciência moral forma-se através de sucessivas adaptações do conhecimento às
fases da aprendizagem social. Este filósofo e psicólogo
identificou três níveis de desenvolvimento moral, sendo cada
um deles caracterizado pelas considerações que o sujeito faz sobre questões no âmbito da justiça, tais como:
a) a igualdade em termos de direitos e deveres e a extensão dos mesmos; b) a
relatividade ou universalidade da justiça; c) as atenuantes ou
agravantes em relação na concretização destes direitos e
deveres; etc. |
Níveis de Desenvolvimento Moral
Nível Pré-convencional (pré-moral):
As normas sobre o que é bom ou mau são respeitadas atendendo
às suas consequências(prémio ou castigo) e ao poder físico dos que as
estabelecem. Nível Convencional:
Vive-se identificado com um grupo e procura-se cumprir bem o
próprio papel, respondendo às expectativas dos outros, mantendo a ordem
estabelecida (a ordem convencional).
Nível Pós-convencional
(autónomo ou de princípios): Há um esforço para definir
valores e princípios de validade universal, isto é, acima das
convenções sociais e das pessoas que são autoridade nos grupos. O valor
moral reside na conformidade com esses princípios, direitos e deveres que
podem ser universais. |
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6. Princípios e Dever
Moral
A consciência moral implica que o
homem ultrapasse uma dimensão meramente egoísta na sua conduta. O Outro deve
ser tido sempre em conta na sua acção moral. Os princípios morais são normas
que orientam e fundamentam a sua conduta, pois são assumidos como os mais
adequados para a harmonia global e a felicidade individual.
Exemplo
de um princípio moral: "Não faças aos outros aquilo que não queres que
te façam a ti".
Uma vez definidos livremente estes
princípios, por respeito e coerência com os mesmos, certos actos passam a ser assumidos como obrigações
interiores, isto é, como deveres morais. Se não os fizermos sentimos que
estamos a trair as nossas convicções, aquilo em que acreditamos.
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