Navegando de Filosofia - Carlos Fontes

Dimensão ética do agir

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Textos

 

Ter ética - reflectir eticamente- consiste em decidir através de razões o que em cada momento é preferível fazer, Fernando Salvater, O Conteúdo da Felicidade.

 

Síntese

Dimensão Ética do Agir

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1. Experiência Moral

Quotidianamente somos confrontados com situações em que temos que decidir sobre coisas que interferem na liberdade de outros. A simples coexistência coloca a questão da necessidade de cumprir normas. É por isso que nas nossas decisões temos em conta valores, princípios, normas ou regras de conduta que impomos a nós mesmos, mas também esperamos que os outros as sigam ou pelo menos as aceitem. Se os outros manifestam um comportamento diverso daquele que à luz destes ideais julgamos que deveriam ter, afirmamos que não agiram correctamente, não têm valores, princípios ou mesmo "moral". 

Há situações-limite em que revelamos profundas dúvidas sobre a opção mais correcta que devemos tomar. Estão neste caso as situações que envolvem dilemas de difícil resolução, como a droga, o aborto, a clonagem, eutanásia, o roubo ou a fecundação in vitrio.

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O Dilema de Henrique

Numa cidade da Europa, uma mulher estava a morrer de cancro. Um medicamento descoberto recentemente por uma farmacêutico dessa cidade podia salvar-lhe a vida. A descoberta desse medicamento tinha custado muito dinheiro ao farmacêutico, que agora pedia dez vezes mais por uma pequena porção desse remédio. Henrique (Heinz), o marido da mulher que estava a morrer, foi ter com as pessoas suas conhecidas para lhe emprestarem  dinheiro e, assim, poder comprar o medicamento. Apenas conseguiu juntar metade do dinheiro pedido pelo farmacêutico . Foi, ter, então, com ele, contou-lhe que a sua mulher estava a morrer e pediu-lhe para lhe vender o medicamento mais barato. O farmacêutico respondeu que não, que tinha descoberto o medicamento e que queria ganhar o dinheiro com a sua descoberta. O Henrique, que tinha feito tudo ao seu alcance para comprar o medicamento, ficou desesperado e estava a pensar assaltar a farmácia e roubar o medicamento para a sua mulher", L.Kohlberg, Tradução de.O.M. Lourenço.

Deve o não Henrique assaltar a farmácia e roubar o medicamento? Justifica a resposta.

 

2. Moral e Ética

Embora este dois conceitos andem associados, em termos filosóficos, tem sido feita a seguinte distinção. 

- Ética. Trata-se de uma disciplina normativa que tem como objectivo estabelecer os princípios, regras e valores que devem regular a acção humana, tendo em vista a sua harmonia. Num grande número de filosofias estes princípios, regras e valores aspiram a afirmarem-se como "imperativos" da consciência como valor universal. A ética preocupa-se não como os homens são, mas como devem ser. Em qualquer  caso o homem é entendido como a autoridade última das suas decisões.

- Moral. Trata-se do conjunto de valores que uma dada sociedade ao longo dos tempos foi formando e que os indivíduos tendem  a sentir como uma obrigação que lhes é exterior.  

Esta distinção está longe de ser consensual. Para alguns filósofos trata-se apenas de dois aspectos de uma só coisa. A ética é a teoria e a moral é a sua realização prática. 

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3. Nós e os Outros

O homem vive em sociedade. Viver é, não apenas estar no mundo, mas relacionar-se com outros, conviver. A multiplicidade destas relações (de coexistência, de convivência, de colaboração, de conflito, de confronto, etc), permanentemente faz emergir a necessidade de se estabelecerem e acatarem normas, padrões e valores que possibilitem harmonizar acções muito distintas.

O Outro foi durante muito tempo entendido como o "próximo", aquele sobre o qual recaíam as nossas acções. Hoje o Outro é também a própria Humanidade, dadas as consequências globais que as nossas acções quotidianas podem assumir.

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4. A Liberdade e Responsabilidade como fundamento da moralidade

A maioria das  teorias éticas pressupõem que todos nós, enquanto agentes morais:

 a) Temos liberdade de escolha das nossas acções. Liberdade implica não apenas sabermos distinguir o bem do mal, o justo do injusto, mas sobretudo de agir em função de valores que nós próprios escolhemos. Não há comportamento moral sem certa liberdade.

b) Somos responsáveis pelas nossas decisões, e portanto pelas consequências das mesmas. A responsabilidade implica, em sentido global, sermos responsáveis por nós próprios, mas também pelas outras pessoas.

.5. A Consciência Moral. Origem e Desenvolvimento.

Um acto moral pressupõe um sujeito dotado de uma consciência moral, isto é, uma pessoa cuja consciência é capaz de distinguir o bem do mal, de orientar os seus actos e julgá-los segundo o seu valor.

.5.1.Origem

A consciência moral é inata ou adquirida? Esta questão tem dividido os filósofos ao longos dos tempos. 

Até ao século XVIII predominaram as teorias morais que defendem que esta consciência é inata, sendo portanto anterior a qualquer experiência. 

Na época contemporânea, predominam as teorias que afirmam que a mesma adquirida em sociedade na nossa relação com os outros. Estas teorias foram defendidas por pensadores tão diversos como K.Marx, F.Engels, F. Nietzsche, E. Durkheim ou S. Freud. 

.5.2.Formação e Desenvolvimento

A formação e desenvolvimento da consciência moral, foi objecto no século XX, de importantes estudos, nomeadamente por Jean Piaget e Lawrence Kohlberg.

Jean Piaget 

A moralidade desenvolve-se paralelamente à inteligência, e há um progresso que vai da heteronomia à autonomia moral.

 

1ª.Etapa: Moral de Obrigação-heteronomia (entre os 2 e os 6 anos): a criança vive numa atitude unilateral de respeito absoluto com os mais velhos .As normas são totalmente exteriores à criança.

2ª. Etapa: Moral da Solidariedade entre iguais (entre os 7 e os 11 anos): O respeito unilateral é substituído pelo mútuo e a noção de igualdade entre todos. As normas aplicam-se de uma forma rígida. 

3ª. Etapa: Moral de equidade-autonomia ( a partir dos 12 anos): aparece o altruísmo, o interesse pelo outro e a compaixão. A moral torna-se autónoma. O respeito pelas normas colectivas faz-se de um modo pessoal.

 

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L. Kohlberg

A consciência moral forma-se através de sucessivas adaptações do conhecimento às fases da aprendizagem social. Este filósofo e psicólogo identificou três níveis de desenvolvimento  moral, sendo cada um deles caracterizado pelas considerações que o sujeito faz sobre questões no âmbito da justiça, tais como: a) a igualdade em termos de direitos e deveres e a extensão dos mesmos; b) a relatividade ou universalidade da justiça; c) as atenuantes ou agravantes em relação na concretização destes direitos e deveres; etc.   

 

Níveis de Desenvolvimento Moral 

Nível Pré-convencional (pré-moral): As normas sobre o que é bom ou mau são respeitadas atendendo às suas consequências(prémio ou castigo) e ao poder físico dos que as estabelecem.

Nível Convencional: Vive-se identificado com um grupo e procura-se cumprir bem o próprio papel, respondendo às expectativas dos outros, mantendo a ordem estabelecida (a ordem convencional).

Nível Pós-convencional (autónomo ou de princípios): Há um esforço para definir valores e princípios de validade universal, isto é, acima das convenções sociais e das pessoas que são autoridade nos grupos. O valor moral reside na conformidade com esses princípios, direitos e deveres que podem ser universais.

 

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6. Princípios e Dever Moral 

A consciência moral implica  que o homem ultrapasse uma dimensão meramente egoísta na sua conduta. O Outro deve ser tido sempre em conta na sua acção moral. Os princípios morais são normas que orientam e fundamentam a sua conduta, pois são assumidos como os mais adequados para a harmonia global e a felicidade individual. 

Exemplo de um princípio moral: "Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti".

Uma vez definidos livremente estes princípios, por respeito e coerência com os mesmos,  certos actos passam a ser assumidos como obrigações interiores, isto é, como deveres morais. Se não os fizermos sentimos que estamos a trair as nossas convicções, aquilo em que acreditamos. 

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        Carlos Fontes

Moisés recebendo os Dez Mandamentos (1900), pintura de Gebhard Fugel

 

Carlos Fontes

10º. Ano - Programa de Filosofia

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