Raízes Africanas e Orientais da Filosofia Religião e Filosofia Mesopotâmia . Egipto . China . India . Judeia . Pérsia
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1. A filosofia surgiu nos séculos VII -VI a.C. nas cidades gregas situadas na Ásia Menor. Começa por ser uma interpretação des-sacralizada dos mitos cosmogónicos difundidos pelas religiões do tempo. Não apenas de mitos gregos, mas dos mitos de todas as religiões que influenciavam a Ásia menor. Os mitos foram segundo Platão e Aristóteles a matéria inicial de reflexão dos filósofos. Eles tornaram-se num campo comum da religião e da filosofia, revelando que a pretensa separação entre estes dois modos do homem interpretar a realidade não é tão nítida como aparentemente se julga.
2. Nas religiões que existiam nesta altura, Rodolfo Mondolfo afirma que é possível determinar alguns pontos comuns que seriam facilmente apreensíveis pelos primeiros filósofos:
3. A emergência da filosofia surge numa altura em que as religiões desde a Grécia à China atravessavam uma fase de enorme turbulência, assistindo-se ao aparecimento de movimentos reformadores que conduziram à criação de novas religiões. Nestes movimentos é nítido um processo de progressiva abstracção das concepções religiosas: os deuses tornam-se em princípios ou ideias abstractas, e assumem uma vocação cada vez mais universal, sendo secundarizadas as suas raízes étnicas ou nacionais.
Alguns autores, como Karl Jaspers, e mais recentemente Mauritio Adriani integram a aparecimento da filósofia no âmbito de um movimento renovação do pensamento religioso, marcado pela universalização e a procura de uma razão comum a todas as coisas. Certas figuras históricas que surgem em meados do Iº. milênio corporizaram de modo especial este movimento:
Todos proclamam uma concepção universal do divino ou um forma global de encarar a realidade que ultrapassava as perspectivas particulares das sociedades em que viviam.
4.1.Os Sumérios foram entre cerca de 3.000 e meados do 2000 a.C os criadores da matriz das cosmologias e cosmogonias dos povos que habitaram a região da mesopotâmia, sendo também notória a sua influencia nas cosmogonias judaicas e cristãs.
Cosmologia: A Terra é um disco chato. O céu, um espaço vazio, fechado na parte superior e na parte inferior por uma superfície sólida com a forma de uma abobada. O material desta abobada seria provavelmente estanho, metal designado por "metal-do-céu".Entre o céu e a terra existia uma substância chamada lil, o "vento"(ar, sopro, espírito).Da mesma matéria "vento" eram constituídos o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas, possuindo a propriedade da luminosidade. Rodeando o cosmos(céu-terra) por todos os lados, existia o oceano, no seu seio do qual este se encontrava. A manutenção, o controlo e o funcionamento do cosmos era assegurado por uma multiplicidade de seres sobrenaturais. Os deuses viviam numa montanha onde o sol nascia.
Cosmogonia: Ao princípio havia apenas o mar primordial. A matéria era concebida como eterna. Este mar primordial produziu a montanha cósmica, composta do céu e da Terra ainda unidos. Personificados e concebidos como deuses de forma humana, o céu, ou seja o Deus An, desempenhou o papel de macho e a Terra, isto é, Ki, o de fêmea. Da sua união nasceu o deus do ar, Enlil, o qual acabou por separar o céu da Terra. Enquanto seu pai, An, levava o céu, Enlil levava a Terra, sua mãe. Da união entre Enlil e sua mãe, a Terra, foi gerado o cosmos, os homens, os animais, plantas, etc. (Descrição a partir de Samuel Kramer).
4.2.Babilónia e Assírios A primeira aparição dos babilónios deu-se por volta do ano 2000 a.C, quando Hammurabi conquistou a Babilónia e a tornou na principal cidade do próximo oriente. Estabeleceu também o culto de Marduk. O poder na mesopotâmia revelou-se sempre muito precário, diversos povos lutam pela conquista desta rica região. Os assírios dominaram-na com extrema crueldade entre o século XI o ano 612 a.C., quando foram praticamente exterminados pelos babilónios e pelos medos. O seu poder foi todavia dos mais duradouros, tendo-se estendido a outras regiões como a Síria, Palestina e por um breve período ao egípto. A sua religião pouco deferia da seguida pelos babilónios, as principais diferenças residiam na importância relativa dos deuses. O povo que detinha o poder na região impunha a supremacia dos deuses com que mais se identificava.
Cosmologia: O universo compõe-se de duas partes, uma celeste, outra terrena. O céu é um hemisfério fixo que cobre o mundo e divide-se em três partes: o céu de Anu, o de Igigi (determinados deuses), no qual vive Bel-Marduk, e o das Estrelas. Uma base sustém o céu como uma casa. Cavilhas prendem-no ao oceano celeste e um dique protege-o das águas. A Terra fica sob a abóbada celeste. Também ela se divide em três partes: a terra dos humanos, reino de Enlil por debaixo da terra, Ea, o deus da água, e ainda mais abaixo a terra dos deuses inferiores, dos Anunnaki. A terra está ligada ao céu por um cabo. Tem no centro uma grande montanha. Um lugar serve de morada aos deuses. O oceano que cerca a Terra e o céu é a origem de todos os rios e mares.
5.Egipto A partir do século XI a.C o egipto entra numa fase de progressiva decadência. Retira-se do Eufrates, abandona a Síria, e é conquistado por sucessivas povos (líbios, etíopes, assírios, persas, etc).A cosmologia e cosmogonia egipcia não parece ter-se alterado substancialmente, apenas se tornou mais abstracta. Cosmologia: O céu (de natureza feminina) era considerado um oceano sobre o qual o sol, a lua e as estrelas navegavam nos seus barcos. O reaparecimento do sol pela manhã era explicado com a existência dum rio subterrâneo sobre o qual o sol atravessava de noite os infernos, de que Osíris era o deus.
6. India No século VI a.C a Indía estava dividida em vários estados que permanentemente estavam à guerra entre si. É neste contexto político que ocorre quer a reforma do Hinduísmo ou bramanismo(a religião tradicional), quer se assiste ao nascimento de duas importantes religiões o Jainismo e o Budismo.
6.1.Hinduísmo. O Hinduísmo não se trata propriamente de uma religião, mas de um conjunto de crenças religiosas, entre as quais se destaca o bramanismo. Esta religião começa a formar-se por volta do ano 1.500 a.C, quando os arianos conquistam o Panjabe no subcontinente indiano. Os textos mais antigos do bramanismo, os Vedas datam da época de conquista dos arianos, e foram escritos em sanscrito. Trata-se de uma colecção de cânticos e sentenças onde está presente uma concepção marcadamente politeísta e sacrificial da religião. Por volta do ano 1000 a.C. os sacerdotes (bramanes) começam a produzir importantes textos sagrados, os brãhmana.. Descendentes dos antigos conquistadores arianos são agora a casta mais elevada na sociedade indiana. Formam um grupo muito fechado, cujos cargos são hereditários, sendo proibidos, sob pena de repúdio, o casamento do seus membros com indivíduos de outra casta. A mistura de sangues é declarada o crime dos crimes. Toda a religião passa a concentra-se em torno de um tríada de deuses: Brama, o criador do mundo, Vishnu, o deus do bem, e Shiva o deus do mal . O grande objectivo da vida dos indivíduos é a libertação do ciclo das reencarnações. As variações no bramanismo, são sobretudo no modo como o indivíduo pode atingir esta libertação. No século VII a.C., numa altura de intensas discussões teológicas, começam a ser redigidos os Upanishad ("comunicações confidenciais"), onde surge uma concepção filosófica da religião. Os Upanishad rompem com as ideias originais da divindade e vêem em o brâman como espírito da realidade presente em tudo. Cada homem devia purificar a sua alma (Atmã) para se identificar com o absoluto, o Brahman, dissolvendo-se na sua força que opera nos indivíduos, como no universo. Estabelece-se então o princípio da libertação do ciclo das reencarnações, através das boas acções. Cosmogonia:O cosmos é concebido como eterno, embora esteja em evolução. Os muitos mundos que o compõem (ovos de brahmã) estão sujeitos a ciclos periódicos de nascimento, existência e morte. A forma como esta criação se processa varia conforme a corrente religiosa. Cosmologia: O mundo é formado por um terra, onde vive os homens e os animais. Esta está rodeada pelo mar. Por debaixo de tudo encontra-se o mundo subterrâneo, onde moram os demónios e existem os infernos. É aqui aqui que os maus expiam temporariamente os seus pecados. Por cima da terra encontram-se sobrepostas as diversas moradas celestiais dos seres divinos. Todos os seres vivos possuem almas imortais, que estão obrigadas a vaguear de uma existência para outra.
6.2.Jainismo. Fundado por Mahavira (c.599-527 a.C).Despreza a importância das práticas rituais, fazendo depender a salvação individual no abandono do ego e a dissolução na essência do cosmos.
6.3.O Budismo. Fundado por Siddhartha Gautama (c.563 -483 a.C). Defende o abandono dos desejos, das ilusões e do individualismo de modo a chegar-se ao Nirvana, cortando desta forma com o ciclo das reencarnações.
7. China. Na concepção chinesa do cosmos o imperador desempenhava um papel fundamental. Ele era o intermediário entre o homem e Shang-ti, a dividade celeste. Cabia-lhe a missão de harmonizava os vários elementos pondo-os em consonância com o cosmos, de modo a conseguir a felicidade das pessoas. Cada homem, por sua vez, devia viver em função do ciclo anual da natureza e em harmonia com o cosmos. A procura da harmonia global era o princípio que devia comandar o comportamento ético de todos de acordo com o seu estatuto social.
Sob a dinastia Chou (1122-771 a.C) o estado chinês mostra-se extremamente centralizado. Os imperadores eram venerados como deuses, tendo títulos como "filho dos céus" ou "representante dos céus". Apesar da aparente bondade da ideologia oficial, a população chinesa estava submetida a uma tal exploração que conduziu em 842 a.C à queda do rei, desmembrando-se o país dividido em vários principados. No século VII a.C a China está dividida em cinco Estados que se guerreiam entre si até século III a.C. É neste caos que surgem duas personagens lendárias, Lao-Tsé e Confúcio que irão influenciar as concepções religiosas e éticas dos chineses até aos nossos dias.
7.1.Lao-Tsé (604-517a.C), em chinês "velho mestre". Teria sido arquivista e astrónomo na corte dos reis da dinastia Zhu. Os seus ensinamentos foram transmitidos oralmente, até serem escritos pelos seus discípulos. O taoísmo foi a religião popular dos chineses à margem do Estado. A palavra Tao possui um significado muito abrangente: Princípio, Fim, Todo. O taoismo despreza os valores sociais, a família ou o governo. Era o indivíduo que contemplando o curso natural das coisas, devia saber por si próprio quando convinha agir ou abster-se. Cosmogonia: O caos primordial é descrito como uma vasta esfera, uma matriz, ou um odre, que contém no seu seio todo o universo no estado difuso e indiferenciado. Este caos é constituído por energias em estado de mistura (sopros). Aquando da criação estes sopros separam-se e formam as "dez mil coisas". A matriz original é eterna mas está sujeita à acção espontânea e ciclica de Tao. Estabelece-se então uma dualidade cósmica. Os sopros transparentes sobem e formam os céus. Os pesados e opacos descem e transformam-se na terra. O sol e a lua são a melhor manifestação da dualidade complementar que atravessa toda a criação, expressa pelo Yin (a sombra. o duplo, o negativo, etc) e pelo yang ( a luz, o principal, o positivo, etc). Yin e Yang opõem-se continuamente. Da sua dinâmica dual resultam todas as transformações da criação: o dia e a noite, os ciclos lunares, as estações, a vida e a morte. A sua acção é ciclica: quando o Yin atinge o seu apogeu, transforma-se em yang, e vice-versa. Esta alternância é a primeira das leis cósmicas.
7.2.Confúcio (c.551-c.479 a.C). Filósofo e alto funcionário também conhecido como Kong-zi, ou Kong-fu-zi. Ao longo dos anos seleccionou e classificou o textos que considerava mais significativos da sabedoria chinesa. Os seus ensinamentos, os Lun Yú, vulgarmente conhecidos por "Anacletos" foram compilados pelos seus discípulos após a sua morte. O objectivo essencial da vida humana é segundo Confúcio a perfeição, partindo do desenvolvimento da natureza individual e culminando num Estado bem ordenado, e num mundo pacífico. Esta ideia é o "jen", a palavra que significa "benevolência", "bondade", "verdadeira humanidade". Confúcio pretendia criar uma sociedade ideal assente na harmonização de "cinco relacionamentos" que considerava fundamentais: entre o marido e a mulher, o soberano e ministro, pai e filho, irmão mais velho e irmão mais novo, amigo amigo. O inferior deve obedecer. O superior deve ser justo, mas benevolente. A lealdade á tradição e aos costumes dos antigos, desconfiando de tudo o que podia significar inovação. As fronteiras entre a religião e a ética são aqui indistintas.
8. Persia Os persas, oriundos do actual Irão, conquistam a ásia menor em meados do século VI a.C., formando um vasto Império, implantando também uma nova religião, o zaroastrismo. O seu fundador, Zaratustra (ou zaroastro) terá vivido algures entre o ano 1000 e o ano 500 a.C.. Depurou de deuses a religião tradicional. Ensinou que existia apenas um único deus, Ahura Mazda, o princípio do bem. Presente na mente de cada homem luta constantemente contra Arimã, o princípio do mal, cabendo a cada uma agir de forma a dar o poder ao princípio do bem. Cosmologia: O universo é formado pelo ultra-luminoso, pela terra dividida em sete zonas e pelo tenebroso mundo. O universo é encarado como um vasto campo de batalha, onde lutam entre si o princípio bem (Ahura Mazda) e o princípio do mal (Arimã). Desta luta resulta não apenas a criação das coisas, mas a própria sucessão dos acontecimentos.
9.Judeia e Israel O reino unificado de Judeia e de Israel teve o seu último período de esplendor com Salomão (século X a.C), após a sua morte foi o mesmo dividido. No final do século VIII a.C Israel foi conquistada pela assíria, sendo muitos dos seus habitantes levados para a Assíria, tendo aí desaparecido, sendo hoje conhecidos como as dez tribos perdidas de Israel. O reino da Judeia manteve a sua independência a troco de um pesado tributo. Cerca de 150 anos mais tarde, os babilónios tomam a sua capital - Jerusalém -, e arrasam-na (586 a.C), levando consigo grande número de prisioneiros. No seu cativeiro na Babilónia os judeus absorveram aí muitos conceitos novos que vieram a incorporar no judaísmo: Ressurreição dos Mortos, Inferno, Demónios, Apocalipse, etc. Como dissemos, a partir de meados do séc.VIII a.C o judaísmo entra num período de grande produção doutrinária, conhecido pela " tempo dos profetas". Estes afirmam de forma clara a universalidade e unicidade de Deus.
Cosmologia: Por cima da abóbada estrelada encontra-se o céu com o oceano celeste. Deste oceano caí a chuva quando Deus abre as janelas. Por baixo está a terra que flutua sobre oceano terrestre. Os infernos encontram-se numa cavidade sob a crosta, para onde caiem os pecadores.
Cosmogonia: O mundo foi criado por Deus no dia 7 de Dezembro de 3761 a.C.. Esta data marca o inicio do calendário judaico.
10. Uma longa tradição ocidental tem sistematicamente cortado as raízes orientais e africanas da filosofia e da ciência grega. O que curiosamente para os próprios gregos eram um absurdo. Platão, Aristóteles, Eudemo e Estrabão, por exemplo, fazem provir dos caldeus, egípcios e fenícios a ciência cultivada pelos gregos, como a astronomia, a geometria ou a aritmética. Não se trata de atribuir ao oriente, aquilo que o ocidente reclamou como seu, mas de encarar a questão origem da filosofia numa perspectiva mais global, o mesmo é dizer, sem os preconceitos que alimentaram durante séculos o europocentrismo.
Carlos Fontes
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