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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - (Séc.XIX)

Introdução

Era Industrial

O Século XIX olhado em relance é um desfiar de tentativas sempre renovadas de ultrapassar o atraso em que o pais se encontra mergulhado, mas cujas soluções propostas acabam todas por ficar em medidas efémeras. No entanto o século XIX produziu uma revolução silenciosa no campo da formação profissional cujas bases ainda hoje persistem.       

Mudanças

Apesar das inúmeras persistências que são bem visíveis ao longo do século, podemos entre 1820 e 1910 individualizar três grandes períodos que marcam fases distintas de uma dada evolução, e que tem na Republica não o seu fim, mas a consagração[1].

    1. O período entre 1815 e 1849, destaca-se facilmente do seguinte. Mas não é fácil descortinar medidas coerentes e com continuidade. A revolução liberal, a contra-revolução absolutista, a predominância dos militares na sociedade estavam na ordem do dia.

Entre 1813 e 1819 o pais está mergulhado no caos. A dominação inglesa, traduz-se em algumas medidas interessantes no campo militar e civil: As experiencias de ensino mutuo pelo método de Lencaster[2];  As Escolas Femininas ( 1815); O Ensino de Surdos-Mudos; Pouco mais há a assinalar.

A revolução liberal de 1820 foi marcada desde logo pelo desejo profundo de retomar as ideias sobre instrução da Revolução Francesa . Malgrado a destruição do pais pelas invasões, e o rasto de miséria e de mortes que arrastaram, a  legislação francesa era o modelo de todos os políticos, quando falavam de reforma do ensino até meados do século XIX.

     "De resto , quando algum escritor português desse tempo abordava nos seus escritos qualquer problema da instrução publica, tinha sempre o cuidado de valorizar os pontos que defendia , citando para esse efeito trechos das obras dos sociólogos ou dos relatórios dos legisladores franceses;"  

     "Tornaram-se por este meio bem conhecidos em Portugal, a propósito das suas opiniões sobre a instrução , os nomes de LaKanal, de Condorcet, de Talleyrand, de Giraud d Ande, etc. de quem se citavam e repetiam pequenas frases, algumas vezes simplesmente retóricas, mas onde também outras vezes estes homens apontavam as razões que faziam do ensino publico um problema fundamental das sociedades modernas, e ocasionalmente indicavam a melhor via para lhes dada uma solução , definitiva  e geral, de acordo com a ideologia de cada um"[3]

Estas raízes francófonas da Revolução de 1820 marcaram muitas das medidas que foram preconizadas e algumas tomadas, no periodo entre 1820 e 1823, tudo se fez para alterar o quadro do ensino :

A medida mais radical foi desde logo a constante  no artigo 239, da Constituição de 1922, onde se proclama que todo o cidadão é livre de abrir aulas para o ensino publico, contando que respondesse pelo abuso desta liberdade, nos casos em que a lei o determinar,

  Procurou-se relançar o ensino artístico, com a criação de uma Academia e um Atheneo.

Para a promoção e divulgação dos novos progressos cientificos e técnicos aplicados ás diferentes artes, criou-se  em 1822 a Sociedade Promotora da Industria Nacional. Era sua missão também promover exposições Industriais e outras iniciativas similares, destinadas a mostrar estes novos progressos.

A  reacção absolutista que se lhe seguiu, e que havia de conduzir o pais a uma penosa Guerra Civil de 1823 a 1834, lançou novamente tudo no caos. Tudo ou quase tudo o que se havia decidido foi abolido. Mas não se suprimiu o projecto liberal do pais. Neste período conturbado pela guerra, surge apenas uma iniciativa de realce: a Escola de Veterinária.

As reformas de 1836 e 1837 empreendidas por Manuel da Silva Passos são ainda o eco das aspirações de 1820. Este Secretario de Estado dos Negocios do Reino empreendeu a criação de novos estabelecimentos de ensino, ou mesmo novos ramos de formação. Tais como:

    - Os Conservatório de Artes e Oficios de Lisboa e Porto.  

    - A Academias de Belas Artes de Lisboa e a do Porto.

    - O Conservatório de Arte Dramática

    - A Academia Politecnica no Porto  e a Escola Politecnica de Lisboa.

    - O Ensino Liceal que passou a constituir a a etapa natural de preparação para as universidades.

    - As Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto.

    - As Escolas de Farmácias e que funcionaram em anexo ás Escolas Médico- Cirurgicas de Lisboa e Porto.

    - As Escolas de Parteiras , que como as anteriores, funcionaram em anexo ás Escolas Medico- Cirurgicas.

    Todas estas medidas procuraram por os nossos estabelecimentos de ensino dos existentes em França, o grande modelo para os legisladores da época.

2. A partir de 1837 a 1849 nova fase de crise, provocadas pela reacção ás mudanças que tinham sido introduzidas. Pouco depois o governo de Costa Cabral parece querer por tudo em causa, mas afinal ficou-se apenas por abolir os Conservatórios de Lisboa e Porto, que de resto nunca tinham cumprido a sua missão. Malgrado estas medidas, outras que foram tomadas, revelaram-se mais úteis, tais como a criação do ensino Comercial anexo aos Liceus e a criação da Escola  Naval e a Escola do Exercito.

Nesta primeira metade do século XIX as estruturas  sociais e económicas do pais continuavam a ser essencialmente rurais. O campo, como escreve Vitorino Magalhães Godinho, continua a ser o grande cenário em que os portugueses vivem, sendo a vida urbana quase inexistente[4]. Muitos dos liberais, como Almeida Garret, ainda estão ligados ao mundo nostálgico do antigo regime. As estruturas e mentalidade do antigo regime continuavam aliás muito vivas na sociedade do tempo.  Os contactos do pais com o exterior eram dificeis. As marcas das Guerras, como a das invasões francesas e ou a entre liberais e absolutistas continuavam ainda a dividir a sociedade e a estarem sempre omnipresentes.

A grande tarefa, nem sempre coerente de reformadores como Passos Manuel foi nos condicionalismo do tempo criar as condições para adaptar o pais aos  novos ventos que corriam pela Europa. Pouco mais se podiam fazer.

Os estabelecimentos de ensino que criados neste período curiosamente continuam ao longo do século XIX, com marcas profundas do contexto histórico em que surgiram.

Uma análise dos autores que se pronunciaram mais vivamente sobre a questão da instrução e da formação profissional na primeira metade deste século é possível notar que ainda se movem nos quadros da produção artesanal dos anteriores, e não dos engenheiros industriais do século XIX:

Borges Carneiro, figura activa na na elaboração da Constituição de 1822, se defende a instrução primária, ataca as novas ciencias e os novos sabios[5], protestando contra o desvio do "subsidio literário" para uma instituição de elite como era a Academias das Ciencias.

Gama de Castro, em O Novo Príncipe (1841), opõe-se á difusão do ensino superior: "Nestes últimos tempos em que os governos da Europa parecem como que apostados a fazer de cada nação um povo de bacharéis, tem-se atribuído todos os males da sociedade á ignorância das massas; e, partindo deste principio que ainda ninguém demonstrou, pretende-se que, para transformar o mundo num paraíso, não se trata senão de fazer chegar a instrução e a ciência até ás ultimas classes do povo".

Almeida Garrett se defende a difusão da instrução publica, reserva o ensino secundário e superior para a burguesia endinheirada. Mas prescreve um ensino onde dificilmente cabem as novas técnicas. A sua oposição á introdução dos comboios em Portugal é a este respeito um dado significativo.

Alexandre Herculano , se tem uma concepção mais ampla e positiva da instrução e da formação profissional, não se afasta do quadro de uma sociedade agrária e comercial, dominada pelos antigos oficios mecânicos que tão bem descreveu. Dificilmente os comboios teriam lugar nas suas utopias, mas apenas as estradas dos almocreves.

3. Se as reformas do ensino e formação profissional no periodo anterior traduziam uma influencia profunda da revolução francesa, as que lhe seguiram na segunda metade deste século eram orientadas pelas exigências do sistema produtivo do pais e no final do século também pela pressão de republicanos, anarquistas e socialistas sobre o poder.

O Pais saíra de um turbulento período de conflitos políticos, que tiveram na Patuleia ( 1849), o seu epilogo. Internacionalmente as luzes do novo mundo faziam-se  como nunca sentir: a Exposição Universal de Londres ( 1851) era a confirmação que o progresso dos povos era a marca do seu próprio poder. O estado lastimoso do pais impunha um rápido desenvolvimento a todo o custo: havia que abrir estradas, instalar caminhos de ferro, promover a agricultura, a industria e o comercio. Com

O primeiro grande sinal de mudança ocorreu em 1852, quando foi desmembrado o antigo Ministério dos Negócios do Reino, e criado o Ministério das Obras Publicas, Comércio e Industria, á frente do qual ficará ficou o engenheiro Fontes Pereira de Melo. o recurso a empréstimos externos, este Ministério desenvolveu em quarenta anos uma obra notável de realizações:  2.000 Km de vias férreas e 10.000 Km de estradas.

No novo Ministério para além dos Departamentos executivos, ficaram também integrados uma Direção do Comercio, Agricultura e Manufacturas ,e pelo decreto de 30 de Agosto de 1852, era-lhe incumbido a formação profissional no pais.

A partir daqui, a f.p. passará a andar articulada com as diversas medidas de fomento económico do pais com especial relevância as que envolviam campanhas de obras publicas.

As medidas tomadas por Fontes Pereira de Melo pretenderam claramente pôr todas as instituições de ensino aos serviço da obra de fomento industrial e agricola que encetara no pais. Entre as resoluções tomadas sobressaem desde logo as que conduziram á criação de novos estabelecimentos de formação:

     - o  Instituto Agrícola de Lisboa

     - o Instituto Industrial de Lisboa e a Escola Industrial do Porto, com objectivos idênticos.

Algumas opções de fundo que foram tomadas são importantes para se perceber a evolução ulterior do processo. Entre elas destacamos duas:  Esta reforma não pretendeu criar um sistema de ensino profissional apoiado na iniciativa privada, como existia na Inglaterra, mas no próprio Estado, como ocorria na França, Alemanha e na Espanha desde 1851.  Esta opção rapidamente revelará as suas fragilidades, pois por mais decretos que fossem saindo dos diversos governos criando redes de escolas técnicas, muito poucas o foram efectivamente, devido a cortes orçamentais sucessivos. A outra opção era do foro pedagógico: em vez de lançar escolas com cursos específicos, para artes ou profissões, preferiu-se estabelecer uma instrução de base pretensamente comum a todas as artes e oficios. Cedo se revelará a improficuidade deste ensino generalista

     Em 1864, o Ministério das Obras Publicas, Comercio e Industria demonstrava já sinais de desajustamentos face ás tarefas que lhe estavam incumbidas, procedendo-se á sua reorganização. Neste processo o ensino profissional é igualmente reformado, sob a direcção do general João Crisóstemo de Abreu e Sousa.  Desde logo começou por se uniformizar as designações dos estabelecimentos de Lisboa e Porto. Mas a grande medida de fundo foi sobretudo acentuar a necessidade de especializar a formação:

     As escolas industriais a criar  segundo o decreto de 20 de Dezembro de 1864, teriam um ensino especifico para as diferentes artes e oficios. Afim de dar corpo a esta ideia, o decreto estabelece para as novas escolas dois tipos de ensino: um geral  elementar, constituído disciplinas como Aritmética, Algebra e Contabilidade, Geometria elementar, Principios de Quimica e Fisica, Noções de Mecânica, Desenho e que seria professado nas escolas; e um ensino especial de caracter pratico ou manual, e que corresponderia á industria ou industrias predominantes na região, e que seria dado nas fábricas ou oficinas do estado ou de particulares. Embora, como muitos outros, o diploma não tenha sido levado á pratica, não deixou de constituir uma preocupação que irá nortear as reformas posteriores.   

Nos Institutos alargou-se o leque da formação ministrada abrangendo agora directores de fabricas e oficinas industriais, mestres, contramestres e condutores de trabalhos de minas, de máquinas e Obras Publicas. Nos cursos especiais, surgiram os de fogueiros, telegrafistas, mestres de obras, faroleiros, mestres de quimicas e tintureiros. Os institutos passaram a possuir autonomia para criarem novos cursos.

As Reformas de Lobo de Avila em 1869, traduzem apenas uma unica preocupação: reduzir despesas. Reconhecendo-se, pelo decreto de 30 de Dezembro de 1869, que não se dispunha de verbas para criar as novas escolas industriais que o pais carecia. 

Quando Hintze Ribeiro assume a presidencia do governo, entre 1883 e 1884, chama para seu ministro das Obras Publicas, Comércio e Industria, um futuro grão- Mestre da Maçonaria ( 1886), com um curriculum já reconhecido no ensino técnico, e com conhecimento preciso das necessidades de formação do pais. Essa figura cimeira, chamava-se  Antònio Augusto Aguiar, e será responsável por uma reforma efectiva no ensino tecnico entre nós, criando-se duas importantes redes de escolas:

   - As escolas Industriais

   - As Escolas de Desenho Industrial

A esta rede devemos justamente associar igualmente uma outra de Museus Industriais e Comerciais

Se até aí se privilegiara a formação de quadros médios era agora a vez de atender ás necessidades da industria em termos de operários qualificados para as diferentes artes e oficios.. Este ministro tinha um profundo conhecimento do assunto: presidira em 1881, ao Inquárito Industrial ordenado pelo governo em Julho desse ano. As conclusões publicadas mais tarde, chamavam a atenção para a necessidade imperiosa de se desenvolver a formação de operários qualificados para as fábricas. As medidas que irá tomar em 1884 reflectem naturalmente estas ideias. António Augusto Aguiar, desde 1864 fora igualmente professor do Instituto Industrial de Lisboa, de que alias será eleito director em 1871, e onde também promovera cursos práticos de quimica.

A reforma de António Augusto Aguiar decretada em 1884, vieram fazer aquilo que antes nunca tinha passado do papel: criar uma rede efectiva de escolas industriais e escolas de desenho industrial, que alargaram o ensino para além de

Lisboa e Porto onde havia desde o seu inicio estado confinado.

  Em 1886 Emidio Navarro, empreende uma nova reforma no ensino profissional. No Ministério das Obras Publicas estabelece um Conselho de Instrução ndustrial e Comercial procurando deste modo a nível ministrial conseguir uma maior coordenação. Uma das novidades essenciais deste ministro foi a criação do Ensino Profissional Feminino, de resto apenas se ficou por medidas que visaram sobretudo o conteúdo do que era ensinado.

Entre 1891 e 1893 processam-se várias reformas, cujo mentor foi Bernardino Machado ,o qual em 1893 assumirá mesmo a pasta das Obras Publicas.

O regime monárquico atravessava uma crise politica profunda na sequencia do Ultimatum; o "orgulho nacional" fora ferido por uma potencia aliada. Os recursos financeiros do Estado estavam debilitados. A nova politica económica assentava agora em medidas proteccionistas: nas colónias procurava-se salvaguardar o mercado para os produtos originários de Portugal, afim de relançar industrias precárias, como a textil.

As politicas de f.p. orientaram-se em duas direcções:

          a) descentralizar a formação, e chamando á sua promoção os municípios, Associações Patronais, Empresas e Particulares. Datam mesmo da década de 90 algumas das experiencias mais interessantes neste campo, embora muito limitadas, e quase sempre com o apoio financeiro do próprio Estado.

         b) racionalizar as estruturas formativas  criadas: unificou-se as Escolas Industriais e as de Desenho Industrial, e introduziu-se em 1893 a instrução primária nestes estabelecimentos.

     As reformas de Augusto José da Cunha ,em 1897 , pouco mais são do que o enunciar do colapso de um regime que estava em coma profundo  e não consegue inovar, mas apenas regredir: as escolas Industriais e de Desenho Industrial voltam a separarem-se.

As Reformas de Elvino de Brito em 1898 sob a inspiração de António Arroio, prosseguem o trabalho de regressão, após uma critica mordaz ao sistema formativo que fora criado: os museus industriais e comerciais são extintos ; A grande inovação foi a remodelação da Inspecção do Ensino Tecnico e Industrial e Comercial do MOPCI , pelo decreto de 23 de Dezembro de 189O, que passa a ser dirigida por um Inspector-Geral. Este Inspector tem como auxiliar um engenheiro -adjunto do quadro das Obras Publicas, e a quem cabe de futuro o serviço dos antigos inspectores das circunscrições das Escolas do Norte e do Sul, que são então extintos.

A ultima década do Regime monárquico parece orientar-se para o ensino colonial e o superior, desvalorizando o ensino elementar e médio. A 24 de Dezembro de 1901 Manuel Francisco Vargas, então á frente do MOPCI, no novo governo de Hintze Ribeiro, enceta uma nova reforma no ensino elementar e industrial e comercial, mas sem resultados significativos. O aspecto mais relevante foi ter procurado constituir num mesmo corpo doutrinário, toda a legislação existente sobre o assunto, que já então constituía uma verdadeira floresta de diplomas.  Apenas em 1903 se criou uma nova e importante escola: a Escola Auxiliar da Marinha, a futura Escola Nautica.

  Em 1905, D. João de Almeida á frente do MOPCI, no governo presidido por José Luciano, decreta a 3 de Novembro uma nova Reforma do ensino industrial e comercial, mas de consequências muito reduzidas. Em construção!

  Carlos Fontes

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Notas:

[1] Joel Serrão, Sebastianismo, Liberalismo e Republicanismo

 [2]. Candido Xavier, Dos Progressos do Ensino Mutuo em 1818 nos Paizes das differentes partes dio mundo; e das novas escholas de Ensino Mutuo em Portugal, in, "Annaes", t.VI.Paris.1819.

[3]. . Luis Mendonça de Albuquerque, Um Projecto de 1835 para a  Reforma da Instrução Publica em Portugal. Coimbra.1960.

[4]. Vitorino Magalhães Godinho, As Estruturas da Antiga Sociedade Portuguesa. Arcadia.1971.

[5]. cf. Diario das Cortes, 2. Legislatura. T.I, Sessão de 9 de Janeiro de 1823.pag.399,