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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Moderna - II (Século XVII) 

O Problema das Crianças Abandonados

Numa perspectiva mercantilista todos os recursos naturais e humanos devem ser aproveitados e colocados ao serviço a produção. Um dos problemas que se colocam com grande acuidade no século XVIII é o elevadíssimo número de crianças deixadas pelos pais nas rodas abandonadas ou até vendidas na fronteira aos espanhóis, para já não falar dos orfãos.

Marques de Pombal, como vimos, desenvolveu uma política de fomento industrial que fez um uso massivo destas crianças como força produtiva. No reinado de D. Maria I serão também envolvidas neste processo de aproveitamento de recursos, entre outras, as prostitutas.

Misericórdias, Orfanatos e Colégios Religiosos

A Misericórdia de Lisboa criada pela rainha dona Leonor, em 1498, quando exercia as funções de regente de Portugal. Esta irmandade assistencial tinha como objectivos:1) remir cativos; 2) visitar os presos, confortando-os; 3) cobrir os nus; 4) dar de comer aos famintos; 5) curar os enfermos; 6) dar pousada aos peregrinos pobres; 7) dar assistência aos condenados e enterrar os mortos. Estas misericórdias, como ficaram conhecidas, rapidamente se espalharam não apenas por  Portugal, mas também por todas as suas possessões além mar. 

No século XVII algumas misericórdias, em especial a de Lisboa, passaram a ter como também como missão cuidarem das crianças enjeitadas e desamparadas. Milhares de crianças eram todos os anos abandonadas nas Roda dos Expostos ou dos Enjeitados. As crianças recém nascidas eram dadas a amas para as amamentar, após este período devolviam-nas à misericórdia. A taxa de mortalidade era elevadíssima.

Um dos problemas que se colocou desde logo foi o que fazer com estas crianças. Dar-lhe comida não chegava, era preciso dar-lhes também uma formação num ofício que lhes permitisse mais tarde sobreviverem e serem úteis à sociedade. A Real Casa dos Expostos de Lisboa no século XVIII tinha em funcionamento um sistema de formação para estas crianças, baseado em contratos de aprendizagem com as mais diversas entidades externas, desde as pequenas oficinas particulares às grandes fábricas os Arsenais do Exercito e da Marinha ou a Real Cordoaria Nacional. As crianças eram entregues a estas entidades, as quais em troca do trabalho que as mesmas  lhes prestavam, deviam dar-lhes alimentação, comida, roupa e formação num dado ofício. A duração da aprendizagem era variável conforme os ofícios, o tempo médio era de seis anos. O início da formação, na maior parte do casos, começou as doze anos (7).

No final do século XVIII as tradicionais casas para orfãos e expostos, sob a administração de ordens religiosas, começam a ministrar também formação profissional, ainda que em moldes muito rudimentares. O processo não foi linear, mas acabou por tornar obsoleto o modelo dos antigos colégios ou orfanatos, como meros depósitos de crianças.  

Alguns exemplos do novo tipo de estabelecimentos:

1. O Colégio dos Meninos Orfãos da N. S. Da Graça no Porto, é bem ilustrativo do modelo mais avançado do colégio dos séculos XVII e XVIII, em Portugal. A sua construção teve inicio em 25 de Março de 1651, por iniciativa do Padre Baltazar Guedes[1], que o governou até 1715. A primeira condição para admissão no mesmo, mais do que ser pobre ou orfão era estar limpo de sangue: 

"Como estes meninos se criarão em comunidade, e em colégio fechado, parece justo, serão limpos de toda a raça de judeus, mouros, mulatos ou outra qualquer infecta nação"[2]

A Idade e o conhecimentos dos rudimentos da leitura eram outras das grandes condicionantes, não podendo ter menos de 7 anos, nem mais doze ou treze, "porque sendo de mais idade, não são tão bons de domar". Qual o destino destas crianças quando entravam nesta Colégio ? Os Estatutos a este respeito são muito minuciosos: "Os que até á idade de quinze anos não tiverem habilidade para o estudo, ou o canto, os porão a ofício limpo (?), ou mandarão para o mar, os demais , que estudarem, os farão aprender a cantar, a tanger (?), para que por esta parte se aproveitem, e havendo algum, aquém dotem de património pelo amor de Deus, estará neste Colégio até á idade de vinte e um para vinte e dois anos, para aí ser ordenado". 

Estes Colégios, como outras instituições similares, eram habitualmente meios de recrutamento e de formação de futuros padres ou membros de Ordens Religiosas. Os restantes eram mandados para o mar, feitos missionários forçados no Brasil, ou entregues a mestres particulares para que aprendessem um oficio, situação mais rara.

Os que fugissem ou fossem expulsos sofriam pesadas sanções, desde a expulsão da cidade do Porto ao degredo para as possessões ultramarinas, para aí servirem o rei. Nas instituições similares para raparigas, a situação era idêntica[3].

O Ensino ministrado no Colégio reduzia-se á leitura e escrita, como ao latim, e pouco mais.

O Colégio, apesar das sucessivas mudanças, persistiu sempre desligado de qualquer instrução profissional. Mas nos seus edifícios foram mais tarde instaladas sucessivamente a Aula Nautica, Aula de Desenho, Academia Real da Marinha e Comercio, Academia Politécnica, o Instituto Industrial do Porto, a Escola de Engenharia, Faculdade de Ciencias, e actualmente a Reitoria da Universidade do Porto, que compensaram largamente este facto.

    Nestes Colégios de Orfãos um numero crescente de rapazes e raparigas recusa-se a seguir uma vida religiosa, e pretendem seguir uma profissão e casarem. A incompatibilidade com os objectivos de fundo destes Colégios aumentou de tal modo, que no final do século XVIII começam já a aparecer alguns que ministram também a formação profissional.

3. O Seminário dos Orfãos e Expostos de S. Caetano, depois Seminário de Meninos Orfãos, instalado na Rua de S. Bento, em  Lisboa foi criado em 17 de Janeiro de 1778, pelo Padre António Luiz de Carvalho, e apresentou desde logo uma nova concepção de ensino. Para além da instrução elementar, dos estudos literários que conduziam á carreira eclesiástica, as crianças aprendiam também diversos ofícios mecanicos[4].

4. O Seminário dos Orfãos de S. Caetano em Braga, criado pelo Arcediago D. Frei Caetano Brandão[5], em 1770, constituiu um caso excepcional longevidade que chegou até aos nossos dias. Neste Seminário, o ensino revelou-se desde logo muito multifacetado, pois para além da aprendizagem da leitura, escrita, canto, latim e filosofia, ministrava-se aulas também de musica, pintura, escultura, arquitectura e artes mecânicas. Na parte de baixo do edificio do Seminário, existia também uma Farmácia que funcionava como local de ensino. Um Cirurgião do Hospital de S. Marcos também aí deu aulas de anatomia e cirurgia[6].

Ao longo do século XIX a Igreja desenvolve esta tendência já aqui verificada de introduzir a f.p. em Colégios para orfãos e outras crianças abandonadas.  

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

 [1] Baltazar Guedes, Breve Relação da Fundação do Colégio dos Meninos Orfãos de N. S. da Graça. Porto.CMP.1951

[2]Estatutos do Real Colégio de N.S.da Graça dos Meninos Orfãos da Cidade do Porto.1739

[3]A Misericordia de Lisboa, em 1594, por exemplo enviava para Angola, as primeiras doze raparigas orfãs para aí casarem com colonos brancos, tendo aí chegado a 1 de Agosto, outras lhe seguiram do Recolhimento desta Misericórdia.

[4]Padre António Luis de Carvalho, Breve Noticia da Erecção do Seminário da Caridade dos Meninos Orfãos, no Principio da Vida do Glorioso S. José Calans da Mãe de Deus, Fundador da Sagrada Religião das Escolas Pias. Lisboa.1794. Manuel Agostinho Madeira Torres, Descrição Histórica e Económica da Vila de Torres Vedras. Coimbra.1861. J.S.Ribeiro, T.II, pag.128; T.III, pag.417.

[5] Este Arcediago foi igualmente fundador outras instituições de beneficência e instrução, como o Conservatório dos Orfãos de Tamanca e o Asilo dos Inválidos da Cidade de Brga.

[6] A. Caetano do Amaral, Memórias Para a História da Vida de Frei Caetano Brandão, T.II, pag.95 e segs.; B.J. da Serra Freitas, Memórias de Braga, T.III, T.V,; J.S. Ribeiro, T.IV, pag.4 e segs.; José Augusto Ferreira, Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Brga. Tomo III, 1932.pag.410 -417.

(7) Alves, Milene Loirinho Gonçalves - A Real Casa dos Expostos de Lisboa. Aprendizagem dos Ofícios (1777- 1812). UL. Tese. Um trabalho fundamental