.

História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

Inicio .AnteriorPróximo

Idade Moderna- II (século XVIII)

Ensino Militar

O ensino militar possui em Portugal uma longa tradição. Um aspecto marcante deste ensino foi ao longo dos séculos ter fornecido técnicos para outras áreas, com especial destaque para a arquitectura desde o século XVI. Inúmeros arquitectos de renome nacional eram-no militares, ou possuíam patentes militares: Fillipo Terzi, Juan de  Herrera, Mateus Vicente de Oliveira ( sargento- Mor ) , Eugénio dos Santos ( Capitão );Carlos Mardel (Coronel ), Miguel Angelo de Blasco (General de Infantaria); Manuel da Maia ( Mestre de Campo General ); José Monteiro de Carvalho ( sargento -Mor de Infantaria ); Manuel Caetano de Sousa ( Coronel ), e tantos outros. 

Ao longo do século XIX, na série de ministros militares , destacam-se três que estiveram na base de muitos estabelecimentos públicos de formação e em diversas reformas: o Marchal Sá da Bandeira, Fontes Pereira de Melo e João Crisóstemo.

Este simples exemplo, não pode ser remetido para uma época histórica precisa, pois até aos nossos dias encontramos uma interpenetração muito forte entre os modelos usados na f.p. e os já ensaiados pelos militares, ou em situações de guerra.  Alguns dos mais importantes estabelecimentos de ensino técnico do século XIX , estiveram inicialmente ao serviço dos militares, e só depois se autonomizaram num processo muito longo, como ocorreu em ramos como engenharia e a marinha mercante.

Ao longo do século XVIII, podemos encontrar algumas preocupações bem distintas em volta do ensino militar que nos ajudam a periodizá-lo. Podemos afirmar, que até ao inicio do consulado de Marques de Pombal é o exercito que domina as iniciativas em termos de formação: fortificações e a artilharia

 exigiram um enorme  esforço formativo e que sempre esbarrou com a falta de professores á altura, nomeadamente em matemática. Depois, inflecte-se a tendência, e atribui-se ao ensino da marinha de guerra uma redobrada atenção, de que não será alheio uma politica comercial marítima muito activa. A  construção do Arsenal reflecte esta prioridade.

No periodo de D. Maria I, consolidam-se as estruturas criadas, surgindo também duas importantes instituições: A Academia Real dos Guarda-Marinha e a Academia de Fortificações, Artilharia e Desenho que estiveram na base das escolas militares do século XIX.

      

1.O Arsenal da Marinha mandado construir por Marques de Pombal em 1755, na sequencia da reconstrução da cidade de Lisboa, desde há muito que era um local central da actividade  fabril da cidade. O novo Arsenal da Marinha foi concebido para o fabrico , reparação e aprovisionamento de navios. Desde logo, foi projectado para o mesmo ,uma escola de ensino de formação profissional: A "Sala de Risco", onde se fazia e aprendia o desenho de navios. A partir de 1845 será aqui instalada a Escola Naval, constituída por salas de aula, arquivos, biblioteca, museu, observatório e uma sala de risco.

O novo arsenal veio permitir que se começa-se a desenvolver um amplo programa de construções de navios de guerra. Mas isso só  foi possivel no reinado de D. Maria. O ministro da marinha Martinho de Melo e Castro, foi o impulsionador destas construções:

Em sete anos de administração  fez construir no Arsenal dezoito navios de guerra, entre os quais se contaram quatro naus, assim como muitas outras importantes medidas.

É Neste clima, que em 26 de Outubro de 1796, fundava neste Arsenal, a Escola de Engenheiros Construtores Navais. Admitiam-se então dois tipos de alunos: os que se destinavam a engenheiros navais e os para contramestres e mestres da Ribeira. Após a invasões francesas, e a partida da Corte para o Brasil  pouco havia para fazer. Em 1813 por decreto de Dezembro, a escola é extinta por se reconhecer então que já não havia construção naval.

3. Formação de Oficiais. Um dos graves problemas da marinha de guerra  foi sempre a sua deficiente preparação dos seus oficiais, recrutados entre a nobreza. A primeira tentativa para acabar  com a grave situação deveu-se a Marques de Pombal. 

Em 1761 funda a Companhia dos  Guarda - Marinha á semelhança dos "Gard-Marine" de Colbert, procurando seleccionar mais adequadamente os novos oficiais. Mas em 1774 reconhecia-se que a medida não fora eficaz, devido aos fracos resultados obtidos e a Companhia foi extinta.

 A 15 de Agosto de 1779, já  no reinado de D. Maria, era dado um novo passo, ao criar-se a Academia Real da Marinha, com um plano de estudos que permitia habilitar os novos oficiais a dirigir tecnicamente o navio. Este facto exigia pela primeira vez uma qualificação de base muito ampla para os novos oficiais, que continuavam a ser recrutados na sua maioria entre a nobreza ou nos filhos dos oficiais superiores. A entrada da Academia fazia-se aos 14 anos, tendo os candidatos de prestar provas de conhecimento de que sabiam ler e escrever, e conheciam as operações de calculo elementar. O curso tinha a duração de 3 anos, seguindo a estrutura dos cursos de engenharia militar, apenas complementado com matérias especificas á marinha de guerra. 

Os professores gozavam então de todos os privilégios que eram atribuídos aos lentes da Universidade de Coimbra. Em 14 de Dezembro de 1782, è a vez do ministro Martinho de Melo, introduzir uma nova modificação no sistema: restaura a antiga Companhia dos Guarda -Marinha, composta por 48 alunos entre os 14 e os 18 anos., que desde logo ficaram aquartelados no Arsenal.

Na Sala do Risco e na Academia recebiam uma instrução prática e teórica adequada. Deste modo procurava-se de novo através de um recrutamento e enquadramento mais exigente, ultrapassar os problemas que levantavam na formação a posição social dos cadetes. 

Anos depois, a 1 de Abril de Em 1796, são aprovados os Estatutos da Academia Real dos Guarda-Marinha, fundada pelo  o ministro Luis Pinto de Sousa Coutinho , e que constituiu o passo decisivo para uma verdadeira formação do oficialato da marinha de guerra. A idade de admissão no curso era fixada em 18 anos, e se quando a matérias como a matemática poucas alterações haviam sido introduzidas no plano de estudos, nas áreas especificamente navais a mudança fora profunda. 

Aquando da primeira invasão Francesa esta Academia , deslocou-se para o Brasil na Nau " Conde D. Henrique", com os seus lentes , estandarte , biblioteca e Arquivo, passando a funcionar no Rio de Janeiro . Após a independência deste pais, em 18, as duas Academias até aí ligadas separam-se naturalmente. Em 1845 por carta real de 23 de Abril, a Academia era extinta, sendo substituída pela Escola Naval, que perdura até aos nossos dias.

4. A engenharia militar era um dos ramos de ensino mais importantes, não só para as obras militares, mas também para as  obras civis. Contudo, ele sempre viveu numa profunda crise, em grande parte devido á falta de mestres qualificados[1], nomeadamente em matemática.

Durante o reinado de Pedro II fizeram-se muitas tentativas para remediar a questão, nomeadamente recrutando para a Universidade de Coimbra mestres versados em matemática. A instituição na Universidade de Coimbra da Faculdade de Matemática em 1772, por Marques de Pombal foi também um tentativa de solucionar esta carencia de professores. Sem grande exito, como veremos.

A Academia Militar era a unica escola existente no pais onde se formavam estes engenheiros. O que se revelou insuficiente. D. Pedro II procurou através de um decreto datado de 2 de Julho de 1701, alterar este panorama, criando nas diversas províncias do continente novas Academias de Fortificação. Apenas na Vila de Valença, no Minho, o decreto foi aplicado, surgindo aí uma nova Academia.

Durante o reinado de D. João V, quando os recursos financeiros eram mais avultados , voltou-se de novo ao assunto em 24 de Dezembro de 1732,criava diversas Academias Militares nas Províncias, e parece que com mais exito, segundo o afirma Manuel de Azevedo Fortes, nomeado engenheiro-mor em 1719. 

Apenas a Academia Militar de Lisboa teve algum brilho. Conhecendo até um notável progresso injustamente esquecido na primeira metade do século. António Alberto de Andrade, colocou justamente em destaque a sua importancia para divulgação da ciência positiva no tempo. A Gazeta de Lisboa, a 14 de Abril de 1729, refere um desses acontecimentos:

A 25 de Março de 1729, peregrinavam os alunos da Academia Militar até ao mar, na companhia de Senhor de Pommeraie, "que lê na mesma Academia a arte das máquinas bélicas e náuticas", afim de repetirem a "notável experiencia do que tinha explicado o ano passado, a saber, que hum corpo côncavo de qualquer metal ou matéria dura, sendo bem fechada por toda a parte, quebra a certa altura debaixo da água, cousa que até agora nam tratou nenhum autor antigo nem moderno".

A esta Academia ficaram ligados os nomes de Manuel de Azevedo Fortes, Manuel da Maia e Eugénio dos santos que aqui se formaram e ensinaram. Do primeiro possuímos os cursos que ministrou, pois foram publicados em 1728, em dois volumes, sob a designação de o "Engenheiro Portugues". Dos dois últimos restam-nos traduções, e sobretudo obras na reconstrução de Lisboa.

5. Ensino de Artilharia.  O ensino nas outras escolas de fortificação e artilharia nunca terão ultrapassado a mediania. No reinado de D. José I, houve mesmo uma decadência total neste ramo .As grandes preocupações de Marques de Pombal quanto ao exercito centraram-se sobretudo na sua reorganização, empreendida pelo Conde Lippe. O ensino aqui ministrado nunca foi edificante. Stockler descreve-o da seguinte forma:

    "A simples geometria de Euclides, a Trigonometria de Pe. Campos, e uma indigesta postilha de fortificações , ocupavam os discípulos tantos anos, quantos agradava ao capricho do mestre  demorá-los na sua imperfeitissima escola: aonde os livros de Azevedo  Fortes e Pimentel, somente se davam por prémio aos discípulos mais adiantados, aos quais , contudo, se não pedia contas do que neles estudavam "[2].

Em 1790, por carta-lei de 2 de Janeiro, estas Escolas são transformadas todas na Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, que constituiu uma passo importante na renovação deste ensino. Alguns criticos desde logo afirmaram que este ensino de engenharia militar, agora instituído, era muito avançado para a época, pois introduzia os estudos superiores na formação militar: a formação de matemática correspondia aos três primeiros anos da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra. 

O curso tinha a duração de 4 anos, assim repartidos: 1. ano: Estudos Gerais de fortificação Regular, ataque e defesa das praças; 2. ano: Fortificações irregulares efectivas e de campanha; no 3. ano, A teoria de artilharia, das minas e contra-minas; e no 4. ano, a arquitectura civil, o corte de pedras e madeiras, a construção de caminhos e calçadas e, no capitulo da hidráulica, a arquitectura de pontes, canais, diques e comportas. Neste plano de temos encontramos já a matriz dos cursos de engenharia do século XIX, nos seu diversos ramos. Esta Escola ficou instalada no Colégio dos Nobres, no Alto da Cotovia em Lisboa.

Apesar de todas as vicissitudes esta Academia sobreviveu até 1837, quando foi transformada na Escola do Exercito.

Também no Brasil, á semelhança do que acontecera em Portugal no final do século houve necessidade desenvolver este ensino: Na Cidade da Baia, em 1699, criava-se aí uma Escola de Artilharia e Arquitectura Militar. Em 1713, abriam-se mais duas aulas em Maranhão e no Rio de Janeiro. Em 1793, estas Escolas eram reformuladas criando-se a Academia Militar do Brasil.

 Em Construção ! 

Carlos Fontes

Inicio .AnteriorPróximo

Navegando na Educação

Notas:

[1]. Manuel de Azevedo Fortes, Representação Feita a Sua Majestade que deus Guarda (...). Lisboa Ocidental. Na Oficina de Matias Pereira da Silva e João Antunes Pedroso. Ano 1720.

[2].  Stockler, Ensaio Histórico sobre a origem das Matemáticas em Portugal.Paris.1819.