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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Moderna - I

Valorização do Trabalho Mecânico

As concepções tradicionais sobre o trabalho são profundamente abaladas no século XVI. Em volta das artes mecânicas começou a gerar-se uma nova concepção  sobre estes ofícios, até aí considerados artes servis ou inferiores. 

1. Novos Saberes. Nas obras dos artistas e experimentadores do século XV, como nos tratados dos engenheiros do século XVI, o saber técnico não era apresentado apenas uma novo saber apoiado em processos artificiais, mas igualmente uma arte de modificar a natureza ou a reproduzir. A técnica torna-se uma forma de conhecimento, como demonstrará Galileu Galilei. Este novo saber forjado nas oficinas, apoiado nas experiencias dos artesãos, nos engenhos dos estaleiros começa a ser contraposto ao antigo saber livresco, de cariz escolástico.

No discurso dos filósofos e cientistas, o mundo dos artesãos é cada vez tomado mais como referencia e modelo:  

A ideia do saber como construção, a adopção do modelo Máquina para explicar e compreender o universo físico; a imagem de Deus como Relojoeiro; a tese de que o homem pode realmente conhecer aquilo  - e somente aquilo - que faz e constrói, traduzem uma nova mentalidade ligada à penetração no mundo dos filósofos do saber decorrente deste saber mecânico. (1)

Revelador deste novo espírito, é o facto de um número crescente de mestres de artes mecânicas começarem a escrever obras empolgantes sobre a superioridade deste novo saber, em oposição ao saber tradicional, como Bernard Palissy ( Discours Admirables, Paris,1580), Robert Norman ( The Newe Attractive ... ,Londres,1581), ou o entusiasmo manifestado pelas máquinas de filósofos como Juan Luis Vives, Galileu, Hobbes ou Leibniz. 

No século XVII, mais do que a referencia ao artesão habilidoso,  surge o culto do engenheiro inventivo ou engenhoso. Em qualquer dos casos, as artes mecânicas tornam-se o símbolo de uma nova concepção de trabalho nobilitado que as sociedades assentam cada vez mais.

2. Problema Português. Malgrado esta modificação nas concepções tradicionais sobre o trabalho, em Portugal continuou a persistir a ideia do trabalho mecânico como servil e inferior. 

Numa carta a seu mestre Látamo, escrevia no século XVI o flamengo Clenardo: "Se algures a agricultura foi tida em desprezo, é incontestavelmente em Portugal. O que faz o nervo principal de uma nação é aqui duma debilidade extrema" (...)"Em Portugal, todos somos nobres, e tem-se como desonra exercer-se alguma profissão". (...)"Se uma grande quantidade de estrangeiros e de compatriotas nossos não exercerem cá as artes mecânicas, creio bem que mal teríamos sapateiros ou barbeiros". (2)

Uma mentalidade avessa ao trabalho generalizou-se em Portugal no século XVI e XVII, para o que muito contribuiu os enormes rendimentos que vinham das suas possessões ultramarinas. Os escravos, em grande número, eram usados em todo o tipo de ofícios, contribuindo para a desvalorização do trabalho e dos saberes ligados à organização da própria produção.

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

(1) Paolo Rossi, Os Filosofos e as Maquinas, pag.17.

 (2) Clenardo e a Sociedade Portuguesa do Seu Tempo, por Gonçalves Cerejeira, 3. Edições, Coimbra. 1949. pag.276-292.