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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - I- 1ª. República (1910-1926)

Ensino Agrícola

O estado da agricultura portuguesa é desde há séculos calamitoso, não admira pois o quadro que Léon Poinsard descreve em vésperas da Implantação da Republica: "A pequena cultura é, quase por toda a parte, senhora absoluta da terra, de modo que o solo é geralmente cultivado por gente  baixa, dispondo de meios mesquinhos e fracos métodos. Se, nestas condições, a agricultura estivesse adiantada e rica, seria um milagre"[1].

O ensino agrícola fora desde o século XIX, marcado pela pobreza de meios e de iniciativas, num  pais onde a maioria da população habitava em zonas rurais. Mesmo as cidades, dificilmente  se podem imaginar sem hortas, campos cultivados, e a  criação de animais um pouco por todo o lado...

Para além de medidas pontuais, apenas por duas vezes se procurou uma reforma estrutural deste ensino:

Em 1911 efectua-se uma importante reforma de todo o ensino agrícola e da investigação agronómica[2], sendo estabelecidos cinco graus de ensino: 1.Grau, correspondia ao ensino superior ( agricultura e Silvicultura), e seria ministrado no Instituto de Agronomia ); 2. Grau era o ensino médio, e funcionaria na Escolas Nacional de Agricultura de Coimbra e na Escola Morais Soares de Santarém[3] ; 3. Grau ou ensino elementar agrícola, seria dado nas Escolas Praticas de Agricultura; 4. grau era o ensino Primário Rural, e destinava-se a todos os que tinham feito a instrução primária, e aos quais seriam dadas noções sobre agricultura em escolas fixas ou móveis; 5.grau era o ensino popular, o qual deveria assumiria um carácter de divulgação das novas técnicas, tecnologias e produtos agrícolas, sob a forma de conferencias e outras meios adequados. Este reforma teve o mérito de configurar o quadro das reformas que se sucederam durante a Republica.

Em 1917 voltou-se de novo a abordar globalmente este ensino, mas sem grandes consequências prácticas[4]. Em 1918 , quando se criou o Ministério da Agricultura foi para o mesmo transferido os serviços de instrução agrícola do Ministério da Instrução, desenvolvendo-se então uma nova orientação neste ensino, cuja consequência mais pratica foi a expansão das "escolas móveis" agrícolas.

1..  O ensino superior agrícola e veterinário mereceu durante a Republica alguma atenção especial .Uma das primeiras medidas foi o desmembramento em 12 de Dezembro de 1910, do Instituto de Agronomia e Veterinária , no Instituto Superior de Agronomia e na Escola de Medicina Veterinária. Um acto quase simbólico que traduzia uma desejo de separar áreas que desde há muito eram já assumidas como distintas, a veterinária e a agricultura.

2. O novo Instituto Superior de Agronomia, regulamentado a 12 de Abril de 1911, ficou instalado na Tapada da Ajuda, ficando-lhe adstrito o abandonado Jardim Botanico da Ajuda. Foram então criados laboratórios de Histologia e Fisiologia Vegetal, de Química Agrícola, Tecnologia Rural, de Microbiologia e fermentação.  Os dois cursos do Instituto eram o de engenheiros agrónomos, com a duração de 5 anos, e o de engenheiros silvicultores com 4 anos. Os alunos no final do curso podiam seguir várias  especializações.

Poucas alterações conheceu durante a Republica, e muito poucas irá alias conhecer até aos anos cinquenta. Em 1917 instalou-se no novo e imponente edificio na Tapada da Ajuda[5]. Em 1918 o Instituto passou a pedido dos seus docentes para o recém constituído Ministério da Agricultura, conhecendo pouco depois uma profunda reforma mais estrutural[6]: os cursos de engenheiros agrónomos e engenheiros silvicultores, passaram a ter a duração de cinco anos, sendo os três primeiros comuns, e os restantes de especialização. Trabalhos práticos, excursões e tirocínio em matas e serviços florestais do Estado continuaram a fazer parte integrante dos cursos .

Outras reformas posteriores pouco alteraram este quadro [7], apenas registamos em 1923 a passagem de novo do Instituto para o Ministério da Instrução Publica, então um verdadeiro monumento nacional á inépcia. 

O Instituto  apresentou sempre durante a República um numero de alunos muito  diminuto, que espelhou mais o estado geral da agricultura no pais, do que o trabalho desenvolvido neste Instituto.

No Instituto Superior de Agronomia entre 1910-1911 até 1915-1916, registou-se uma subida nas matriculas, mas que decaiu com a eclosão da Guerra. As subidas foram ligeiras, logo após a Guerra, para diminuíram abruptamente na década de Vinte. Em 1919-1920 ( 178 alunos),1926-1927 ( 65 alunos), em 1929-1930 ( 89 alunos). 

Nestas centenas de alunos, o numero de diplomados era exíguo : em 1910-1911 ( 5 diplomados ), em 1915-1916 ( 21 diplomados), em 1918-1919 ( 6 diplomados). Apenas em 1919-1920 se registaram 26 diplomados, para se reduzirem bruscamente na década seguinte. Os números falam, neste caso por si, quando constatamos que unicamente se diplomaram superiormente em  Agricultura, entre 1911 e 1930, 251 indivíduos [8].

3. A Escola de Medicina Veterinária foi criada em 1910, sendo o seu ensino regulamentado em 1911 [9] ,e posteriormente alterada em 13 de Julho de 1918.Em 1919 a Escola passou a designar-se Escola Superior de Medicina Veterinária, sendo integrada para todos os efeitos no Ensino Universitário. Muito pouco há contudo a assinalar, a não ser a sua continuidade na Rua da Estefânia.

4. As Escolas Agricolas Elementares , não apresentaram um panorama melhor, do que temos vindo a descrever.

   Uma das decisões mais importantes foi a criação da Escola Prática de Pomicultura, Horticultura e Jardinagem de Queluz[10], tendo o curso uma duração de dois anos. A Escola veio para ficar durante décadas.

    No dia 18 de Novembro de 1911, procede-se á reforma deste ensino que se regia ainda pela reforma de 24 de Dezembro de 1901. Novas reformas se sucederam posteriormente em 1915 e 1919, mas sem grandes consequências praticas. No conjunto, assinalavam-se as seguintes escolas agricolas elementares:  

   - Escola Pratica de Pomicultura , Horticultura  e Jardinagem de Queluz

   - Escola Pratica de Arburicultura  e Horticultura Macedo Pinto de Tabuaço

   - Escola Profissional Especial de Pomicultura e Viticultura Matos Santos, Ilha do Pico 

   - Escola Profissional Especial Conde de S. Bento, santo Tirso

   - Escola Profissional Agricola e Industrial de D. Frei Caetano Brandão, Braga.

No conjunto destas Escolas apenas se destacava a Escola Pratica de Queluz que concedeu 71 aprovações entre 1912 e 1919.  "As escolas  profissionais agricolas (Tabuaço, Santo Tirso, Vidago, Paia-Odivelas) pouca gente diplomavam, á excepção talvez da  ultima." [11]

Uma experiência merece contudo uma referencia especial: A Escola Agricola Feminina Viera de Natividade em Alcobaça. Em 1917 pretendeu-se restabelecer o ensino agrícola feminino. A vila de Alcobaça parecia reunir para este fim as melhores condições: Existia já aí um Posto Agrário e um Asilo de Infância Desvalida, condições adequadas para o inicio do projecto[12], estabelecendo-se aí a Colónia Agrícola Feminina de Alcobaça. O Asilo fornecia os alunos e o Posto Agrário os professores práticos... 

Em 1918 a Escola foi regulamentada recebendo a já mencionada designação[13].Admitia-se a hipótese de alunas externas poderem vir a frequentar as aulas praticas dadas no Posto Agrário. O curso abrangeria um vasto leque de matérias, tais como agricultura em geral, pomologia, horticultura, jardinagem, zootecnia, lacticinios, avicultura, e apicultura, com uma duração de 3 anos.

Dificuldades  de abertura das aulas levaram a que a Escola fosse desanexada do Asilo em 1919, criando-se um internato junto do Posto Agrário[14], com um director comum.

Em 1924 (?) já era contudo frequentada por 125 ( ?) alunas[15], o que atesta o maior êxito desta medida. Três anos depois foi a Escola autonomizada no Posto Agrário[16], recrutando-se já então nos Asilos de Lisboa alunas para a mesma.

No ano lectivo de 1929/30, matricularam-se apenas 25 alunas, o que terá motivado a sua extinção do seu ensino agricola feminino, em 1930, passando a ser classificada como Escola Pratica de Agricultura[17].

5. As Escolas de Regentes Agricolas de Coimbra e Santarém foram reformadas em 1911 [18]. Durante o Governo de Pimenta de Castro o ensino agricola secundario era apenas ministrado na Escola Nacional de Agricultura, instalada na Quinta de Bencanta em Coimbra, e na Escola de Agricultura de Santarém [19].

Estas escolas tinham por missão formar agricultores de média e grande agricultura, tendo os seus cursos seis anos de duração, sendo três gerais e três de especialização. Em anexo a cada Escola estabeleceu-se uma Escola Primária rural, destinada a ministrar uma "instrução das crianças dos arredores", assim como o tirocínio dos regentes agrícolas que se destinassem á instrução do ensino elementar e primário.

Em 1915 procedeu-se a um a nova reforma [20], na qual foi redefinido o ensino secundário agrícola, mantendo-se a Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, e criando-se a Escola Técnica Secundária de Santarém. Esta escola tinha como finalidade de formar administradores de explorações rurais e encarregados de quaisquer empresas agrícolas e técnicos oficiais, para além de operários rurais qualificados. O curso que ministrava era de carácter prático, com a duração de cinco quadrimestres, e para o acesso ao qual apenas se exigia a instrução primária. No entanto, o curso era equivalente, para efeitos de colocação oficial, ao professado em Coimbra, mais completo e exigente, a situação só foi alterada no anos trinta.

A reforma de  1918 pouco modificou a estrutura deste ensino. Em 1926 os diplomados pela Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, passam a ser designados por "Agricultores Diplomados", e os da de Santarém, por "Regentes Agricolas"[21].

O número de alunos destas escolas nunca foi elevado. Durante a Republica da Escola Nacional de Agricultura apenas se formaram 389 indivíduos, e na Escola de Santarém fizeram exame final, de 1913 a 1930, 143 alunos[22].

Em 1931 surgirá a Escola de Regentes Agrícolas de Évora, que vem expandir para sul a formação de nível médio, mas que não alterou quase nada o quadro da formação agrícola de nível médio no pais.

6.  As Escolas Móveis Agrícolas foram sem duvida, a grande novidade do Regime Republicano.

As Escolas Agrícolas médias já haviam sido criadas durante a monarquia, e ficaram a dever-se á iniciativa particular. Entre elas destacam-se as Escolas Maria Cristina, as fundadas pelo Conde de Sucena, de Agrolongo e José Bessa de Meneses.

O modelo que a República seguiu era inspirado nas "cátedras ambulantes de agricultura", fundadas pelo agrónomo OTTAVI, e tinham por objectivo vulgarizar os métodos agrícolas através de conferencias e de campos experimentais de demonstração. Em 1911 existiam em Itália 191 destas catedras[23].

Os particulares foram inicialmente os grandes promotores destas escolas. O Jornal do Comércio do Porto, em 1913, criou uma desta escolas.  A mais conhecida escola móvel deveu-se a Bonifácio da Silva Alves Teixeira, falecido em Vidago, a 25 de Junho de 1910. No seu testamento deixou ao Estado uma verba muito significativa para a criação de uma escola móvel agrícola. O Ministério do Fomento apenas em 1913, acabou por a criar, com o nome de Escola Profissional Móvel de Agricultura Alves Teixeira, em Vidago, Freguesia de Arcossó, com um curso ambulatório de agricultura pratico. Anos depois a escola volta a ser "criada" a 8 de Março de 1918 [24].

Em 1918 constitui-se uma rede efectiva de escolas móveis agrícolas foi criada em 1918 [25], com as seguintes sedes: Escola Agricola Móvel do Porto, Escola Agricola Móvel de Tomar, Escola Agricola Móvel das Caldas da Rainha, Escola Agrícola Móvel de Beja, escola Agrícola Móvel de Faro.  Estas cinco "escolas móveis", que constituira ao tempo uma das medidas mais aplaudidas, funcionaram descoordenadamente até 1929.

Pretendia-se com estas escolas itinerantes  que pessoas devidamente habilitadas apoiassem e transmitissem conhecimentos práticos aos trabalhadores rurais de todo o pais.

7. O ensino florestal foi igualmente contemplado durante a Republica. Em 1914 era criada uma Escola Profissional dos Guardas Florestais, nas matas da Marinha Grande[26]. Esta Escola foi reformada em 1921, mas sem grandes alterações de fundo. Os serviços florestais mantiveram até aos nossos dias um subsistema de formação profissional, autónomo dos serviços oficiais de agricultura.

O panorama nos anos trinta não melhorou em nada, antes parece que o ruralismo do Estado Novo, pretendia fazer regredir a agricultura ao período medieval.

Em construção !

  Carlos Fontes

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Notas:

[1] Léon Poinsard, in, Portugal Ignorado, pag.60

[2] Decreto de 26 de Maio de 1911

[3] Esta Escola passava a denominar-se Escola nacional de Agricultura,  onde passou a ser ministrados cursos de ensino agricola elementar, geral e especial. Mais tarde transformou-se na Escola de Regentes Agricolas de Santarém.

[4] Fundo de Ensino Agricola, Leis n.824 e 825 de 8 de Setembro de 1917

[5] Decreto -lei n.825 de 8 de Setembro de 1917

[6] Decreto n.4685, de 13 de Julho de 1918

[7]  Decretos n. 7.042 ( Diário do Governo de 18 /10/1920) regulou a obtenção do grau de doutor e a direcção do Laboratório de Patologia Vegetal;  dec. 7.154 (Diário do Governo de 22/11/1920), dec. 7.199 de 17/12/1920; dec. 7.398 de 15/3/1921 e dec. 10.106, de 19/9/1924; O decreto n.14.741, de 13 de Dezembro de 1927 que fixou as categorias e os vencimentos dos docentes; o Dec.n.19.177, de 19 de Dezembro de 1930que determinou a denominação do Laboratório de Tecnologia Agricola, como Laboratório Ferreira Lpa.

[8] A. H. Oliveira Marques, ob. cit. pag.

[9]12 de Abril de de 1911 e 24 de Outubro de 1911

[10] Decreto de 3 de Abril de 1911

[11] A. H. Oliveira Marques, in, ob. cit.pag.113-114

12] Decreto n.3.525-A, de 6 de Novembro de 1917.

[13] Decreto n.4.015, de 6 de Abril de 1918

[14] Decreto n.5.787 -BBBBBB, de 10 de Maio de 1919.

[15] Decreto n.10.331, de 21 de Novembro de 1924

[16] Decreto n.13.159, de 17 de Fevereiro de 1927

[17] Decreto n.19.909, de 15 de Junho de 1930

[18] Decreto de 26 de Abril de 1911

[19] Antiga Escola de Regentes Agricolas Morais Soares. O ensino secundário (?) desta escola foi suspenso entre 1911 e 1914.

[20]DL n.308, publicado a 6 de Fevereiro de 1915

[21]Decreto n.11.988, de 29 de Julho de 1926

[22] A. H. Oliveira Marques, ob. cit.

[23]Decreto de 31 de Maio de 1913 (DG. n.128, de 3 de Junho de 1913)

[24] A Escola Móvel Profissional de Agricultura Alves Teixeira

[25] Decreto n.4.831, de 14 de Dezembro ( ou Setembro ?) de 1918, da autoria de Eduardo Oliveira

[26]Decreto n.522 de 1914, que a organiza e regulamenta.