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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Período Medieval 

O Trabalho

Durante a Idade Média apenas o povo, isto é o subordinado, o não nobre ou clérigo, tinha por "direito" e "dever" trabalhar, só ele aprendia de facto um "oficio".

O conceito de trabalho assim apresentado, contém alguns equívocos, pois não podemos reduzir a um mesmo conceito o trabalho de um mercador, um lavrador ou um artifice, embora estejam inseridos na categoria medieval "povo", isto é, alguém que é subordinado, não clérigo, nem nobre. O Mundo medieval irá definir uma clara distinção entre os diferentes tipos de trabalho. Primeiro valorizando o trabalho dos lavradores face aos dos mercadores e artífices, depois valorizando o trabalho destes face aos dos lavradores.

As raízes profundas desta concepção remontam ás bases da sociedade esclavagista, em que o trabalho era tarefa própria de escravos. O trabalho, no seu sentido manual, ou "ars mechanica" era considerado algo degradante para o homem livre, e inferior face á vida contemplativa, veja-se por exemplo Aristóteles em A Politica (1328,b ).

" Uma das razões do desprezo por a actividade manual, e mais especificamente a actividade manual que se serve de utensílios, pode ter derivado do facto de que em certas épocas  o uso de instrumentos produzia certas deformações somáticas e psíquicas - as mãos grandes e calejosas; a estrutura pequena ou encurvada, etc. " (... )"Assim, o trabalhador manual , o "operário", o "mecânico" apareciam como seres "desformes"[1]   

Quando a Idade Média abordou a questão do trabalho manual fê-lo no quadro, no quadro  de uma estrutura tripartida da sociedade: os que oram ( o clero ), os defensores ( a nobreza ) e os que laboram ( os agricultores). O trabalho manual dos artifices era algo espúrio na ordem social medieval.

Em Portugal nos séculos XII e XIII, a situação não era diferente. José Mattoso [2], põe em destaque o modo como a nobreza afirma os seus valores por oposição aos dos "vilões", onde se incluem os mesteirais ; tudo neles repugna. Um ponto comum se encontra pelas mais diversas localidades do pais: uma desconfiança mal disfarçada para com os mesteirais; esta situação era apenas "atenuada nos casos do ferreiro e do ferrador, cujo trabalho era tão importante para as actividades militares". Concluiu este autor:

  "Dir-se-ia que os trabalhos artesanais eram praticados por indivíduos cujos interesses não eram assumidos pela comunidade ou os seus dirigentes, por gente de condição inferior, quem sabe mesmo se por escravos mouros, como sugerimos anteriormente. Tanto quanto se pode deduzir dos foros, escapava a esta desconfiança geral o ferreiro, que, como em muitas comunidades primitivas, devia ser um pouco feiticeiro. O trabalho que fazia com o fogo impunha-o ao respeito de toda a comunidade" ( pag.446).

Artes Liberais e Artes Mecânicas

Malgrado todas as transformações sociais posteriores, esta concepção não desapareceu. Antes se consolidou num quadro  ideológico que retomava as estruturas ideológicas criadas na antiga Grécia: ressurge com todo o vigor a partir do século XIV, a tradicional divisão entre as "artes Liberais" ( Trivium e Quadrivium )[3], e as "artes mecânicas", para posicionar na nova sociedade, a importância crescente dos mesteres.  

No inicio do século XVI, pouco se alterou esta estrutura tripartida da sociedade, e as suas concepções subjacentes sobre o trabalho.

Numa cidade como Coimbra em 1527,com cerca de dez mil habitantes, o clero e a nobreza representam  20 % da população, cabendo 10% aos cavaleiros e escudeiros, únicas categorias da nobreza que estavam recenseadas [4].Os restantes 80% constituem o povo, de que poderemos talvez destacar os cidadãos, cujo estatuto social estava ligado ao exercício dos cargos municipais que desempenhavam. O povo é quem trabalha e encontra exactamente no trabalho a sua salvação. A contrario dos nobres ou do clero, a sua salvação não estava na pureza, nem na valentia, mas na sua disposição redentora para o trabalho, pois só a sua não ociosidade os conduziria  ao paraíso.  Numa obra editada em 1518 entre nós [5], sustentava-se que as mulheres dos lavradores, que são "criadas a pam derrera e tôcinho e augua",tem um modo próprio de salvação que está dependente do exito que obtiverem ao aconselharem os seus  seus maridos a cuidarem das terras, que não são suas e a pagarem , sem fraude, todos os cânones devidos.

Se o trabalho era próprio do Povo, a Honra é-o da nobreza. A honra acabou por se transformar como refere António de Oliveira, num "arquétipo social" que o povo aspira possuir. 

Os mesteres não ficaram inumes a estes conceitos. Bem depressa surgiram profissões honrosas ou "limpas", que davam acesso aos cargos municipais, e as profissões "vis" a quem tudo lhes era negado. Ao longo do século XVI, a na estrutura social tripartida, algumas profissões adquirirem mesmo um prestigio que conferiu a os seus mestres, um estatuto no limiar da nobreza. Não foram apenas os mestres mecânicos endinheirados, mas também os de oficios limpos como arquitectos, tabeliães, boticários, ourives, escultores, pintores de imaginária, marceneiros e outros. Este prestigio social de certos oficios, pesou, como atestam inúmeros documentos da época, na escolha da profissão dos filhos que tinham posses para os conduzirem á sua aprendizagem.

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

1]. J.  (1) Ferrater Mora,Diccionário de Filosofia, vol.4, pag.3292.

[2] José Mattoso, Identificação de Um Pais . Vol.I,pag.227.

[3]. O trivium e o Quadrivium, constituíam na Idade Média as chamadas "sete artes liberais", em oposição ás artes mecânicas. A sua origem remonta á antiga Grécia ( o célebre Heptateuchon), classificada assim por Isidoro de Sevilha: Trivium: Aritmética, Dialectica e Retórica; o Quadrivium, era constituido por a a Aritmética, Geometria, Astronomia e Musica.  No essencial estas artes eram entendidas como o os instrumentos o espírito do homem livre se ilustrava e aprendia a expressar-se.   

[4]. António de Oliveira, "Estrutura Social de Coimbra no Século XVI",in,A Sociedade e A Cultura de Coimbra no renascimento".Coimbra.1982, trabalho de síntese da obra do mesmo autor, intitulada "A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640".Coimbra. II volumes, 1971 e 1972, respectivamente. As citações indicadas referem-se ao primeiro dos textos.

[5]."Aqui começa o livro chamado espelho de chistina o qual falla de tres estados de molheres. E he partydo em tres partes".Lisboa.1518. Esta obra circulou em Portugal desde o século XV, como refere António de Oliveira que citamos.