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Relatório de Pisa:  O que Mudou na Educação em Portugal ?

Carlos Fontes

 

A divulgação do Relatório de Pisa -2010, desencadeou em Portugal duas posições contraditórias: o Governo viu nos resultados obtidos pelos alunos portugueses a confirmação que as suas politica educativas desde 2005 eram correctas, os sindicatos e muitos professores viram nos uma ameaça à sua luta. 

A última coisa que esperavam, depois da luta que travaram  contra a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, é que o insucesso escolar tivesse diminuído e os resultados fossem primeira vez muito positivos ao nível internacional.

1. Relatórios Anteriores

Desde a década de 90 do século XX, todos os relatórios internacionais que compararam os resultados do alunos portugueses com os obtidos por alunos de outros países, colocaram-nos sempre no fim a tabela ( consultar ). Uma posição que legitimamente justificava que os sindicatos reclamassem mais dinheiro para a educação, mais professores, menos alunos por turma, etc.  A verdade é que os resultados escolares teimavam em não aparecer. 

2. Relatório de Pisa -2009

A OCDE, desde 2000, realiza de três em três anos o maior teste mundial de educação - PISA, (“Programme for International Student Assessment”),  envolvendo cerca de 300 investigadores em 65 países participantes, e total de 470 mil alunos, com 15 anos. Além dos resultados (notas) e a situação familiar, social escolar do alunos, são investigados os métodos de aprendizagem. Os testes incidem sobre as seguintes áreas do saber: Leitura e compreensão de texto (L), Matemática (M) e Ciências Naturais (CN).

O relatório de 2009, divulgado em Dezembro de 2010, poucas mudanças registou, com algumas excepções, como a de Portugal.

Os países asiáticos - Coreia do Sul, Japão, Schanghai (China), Hongkong (China) e Singapura, acompanhados da Finlândia, Canadá, Nova Zelândia e Austrália ocupam em todos os ramos do saber, as melhores posições numa tabela classificativa. A Coreia do Sul e Finlândia revelam os melhores resultados da investigação. Schanghai (China) obteve o primeiro lugar nos três sectores testados: L, CN e M.

Portugal saltou, nesta classificação para  27º. posição a Leitura (L),  32º. a Ciências Naturais (CN) e a 33º. a Matemática (M). Em 2006 tinha alcançado os lugares 31 em L, 37 em CN e 37 em M.  Outros indicadores são também muito significativos: Entre 2004 e 2009, a taxa de retenção no 9.º ano desceu de 21,5% para 12,8%. A redução das taxas de retenção teve reflexos ao nível do aumento das inscrições de alunos no Ensino Secundário e no combate ao abandono escolar.

A posição obtida em 2009, a melhor de sempre, coloca Portugal ao lado de países como os Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Irlanda, França, Dinamarca, Reino Unido, Hungria, ultrapassando outros países cujos sistemas de ensino são desde à muito apontados como referência.  

A Espanha (33º), por exemplo, encontra-se abaixo de Portugal ocupando o lugar 33 em L, 36 em CN e 34 em M. O mesmo acontece com a Itália (29º), Grécia (32º), Israel (37º), Austria (39º), Rússia (43º), etc.

3. Mudanças na Educação 

Entre 2005 e 2009, o sector do ensino foi varrido por inúmeras alterações, sob o lema de melhor qualidade com menores custos, que entre outras consequências levaram ao fecho de milhares de escolas com um número reduzido de alunos e ao aumento das actividades não lectivas dos professores nas escolas. 

Muitas outras medidas foram tomadas sem qualquer constatação, como o Plano Nacional de Leitura, a formação de professores a Matemática e Ciências, os exames nacionais, as provas de aferição, a criação de cursos profissionais, Plano de Acção para a Matemática, melhoria do parque escolar, etc..

A questão da avaliação e a divisão da carreira entre titulares e não-titulares foi a questão que uniu o professores no seu descontentamento, e os levou para a rua em 2008 na sua quase totalidade. 

Perante o quadro de enorme contestação às políticas educativas do governo, muitos mal informados sobre o que se passava nas escolas e na sociedade portuguesa, prognosticar os piores resultados escolares de sempre. O Relatório de Pisa, referente aos anos de 2006-2009, veio justamente confirmar o contrário.

4. Posições Ideológicas

Os resultados do Relatório de Pisa em vez de constituírem um estímulo para novas melhorias, foram sentidos como uma enorme frustração pelos sindicatos dos professores e outros "lideres" de movimentos autónomos , os quais não tardaram a tentar diminuírem a sua importância social. 

Baseados em interpretações muito imaginativas, têm procurado demonstrar que estes resultados são uma fraude, porque no seu entendimento os alunos portugueses estão condenados, por um qualquer fatalismo, a ocuparem sempre os últimos lugares em qualquer comparação internacional. A posição que Portugal devia ocupar era junta à Rússia (43º), Sérvia (45º), Bulgária (46º), Roménia (49º), a Albânia (60º) ou talvez o Azerbeijão (64º). 

Continuam sem perceber nada do que aconteceu nas escolas entre 2005 e 2009, daí a sua paradoxal frustração. 

A contestação às reformas da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, como na altura escrevemos, foi a gota de água fez transbordar o copo de um enorme descontentamento que reinava nas escolas.  Foi a gota que agregou posições muito diversas de professores, as quais estavam longe de serem coincidentes com as posições assumidas pela Frenprof (apêndice do Partido Comunista Português) ou as de alguns movimentos de professores muito divulgados na comunicação social. 

5. Críticas de Professores

A maioria dos professores estava de acordo com a necessidade de serem introduzidas medidas de maior exigência nas escolas, nomeadamente acabando com situações pouco dignificantes para os próprios professores. residia no conteúdo de algumas das medidas adoptadas:

- Um modelo de avaliação e a divisão da carreira que destruíam a cooperação entre professores

- Um modelo de funcionamento escolar baseado na sobrecarga dos professores com tarefas não-lectivas; 

-  A tolerância com a indisciplina nas escolas, que se traduziu no aumento das agressões a professores, etc.  

6. Indícios de uma mudança

A sociedade portuguesa está a mudar, nomeadamente ao nível das mentalidades. 

Um dos problema centrais da educação em Portugal é a falta de reconhecimento da sua importância pelas famílias. É justamente este o aspecto onde mais se sente a mudança. O número de famílias que valoriza e investe na educação das crianças e jovens é hoje incomparavelmente superior ao que foi no passado recente. O problema não era económico, mas cultural. 

A pouca importância da educação até à bem pouco tempo, fazia habitualmente parte do discurso de muitos políticos, empresários e desportistas com algum sucesso. O importante era a "escola da vida", tudo o mais era secundário, como a educação ou a cultura. 

O maior reconhecimento do valor da educação estimulou muitas famílias a  apostarem em escolas públicas e em colégios privados, onde supostamente havia um elevado grau de exigência na educação e na disciplina. 

Algumas medidas tomadas pelos vários governos, nomeadamente o fecho de escolas sem condições mínimas de funcionamento e de uma relação pedagógica profícua, contribuíram também para aumentar esta percepção de exigência. 

O mercado de trabalho deixou de ser receptivo ao trabalho infantil, porque se impôs a consciência social do valor da educação das crianças.

Os centros de emprego ao serem envolvidos no programa "Novas Oportunidades", tornaram-se aliados das escolas, em vez de seus inimigos, como antes acontecia, quando promoviam o emprego de jovens sem a escolaridade mínima. Foi um campo onde houve uma profunda mudança não visível, mas que tem reflexos profundos no ensino.

7. Conclusão

A mudança registada na educação em Portugal nas últimas décadas é profunda, mas insuficiente. Os resultados, com crescentes excepções, continuarão durante muito tempo a serem decepcionantes quando comparados com os países mais avançados do mundo. É preciso continuar a trabalhar para superar os atrasos históricos e mudar a atitude face à educação da maioria da população, um dos maiores problemas que o país enfrenta.  

Em construção !

Carlos Fontes

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