Piratas
e Corsários Portugueses
Desfrutando de uma extensa
costa debruçada sobre o Atlântico, pontuado por muitos portos
estratégicos para o comércio marítimo, era natural que Portugal fosse ao
longo dos séculos uma das principais vítimas dos piratas e dos
corsários. A história que está feita
incide sobretudo na descrição de ataques de piratas, escravatura e
resgates de portugueses. Conhece-se relativamente bem as inúmeras acções
punitivas contra os mesmos, nomeadamente no Oriente, mas muito
pouco se sabe sobre a longa e
surpreendente história dos piratas e corsários portugueses.
Ao
contrário dos ingleses e franceses, estes corsários e piratas
portugueses, nunca foram
assumidos como heróis, sendo sempre encarados como personagens
incómodas na suposta Missão
de Portugal no Mundo, e nesse sentido são omitidos na História de
Portugal.
Século XII.
Desde o reinado de D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal que temos
conhecimento dos primeiros piratas e corsários portugueses. O mais célebre
de todos foi Fernão Gonçalves Churrichão, o Farroupim, mais conhecido por
D. Fuas Roupinho.
Comandava uma frota que atacava os navios de muçulmanos, nomeadamente os
sediados em Ceuta, tendo morrido num combate ao largo da costa algarvia.
A partir da década de 70 do
século XII, José Mattoso, afirma que passou a existir em Portugal
"uma frota marítima capaz neutralizar a pirataria muçulmana e de
assolar as povoações costeiras do litoral algarvio e andaluz" (p.265)
Século XIV.
No início do século organiza-se em
Portugal de modo sistemático as actividades de corso. Em 1317, o rei D. Dinis,
contrata o genovês Manuel
Pessanha para
actuar nas costas de Portugal, em particular no Alentejo e Algarve. Pessanha
ensina os portugueses a atacarem navios inimigos utilizando galés,
os navios a remos que eram utilizados no Mediterrêneo. No século seguinte,
os portugueses passam a usar barcos à vela com canhões, uma enorme
inovação tecnológica.
Século XV.
Os portugueses eram já considerados os maiores piratas e corsários da cristandade. A actividade
era extremamente lucrativa, à qual se dedicava a nobreza e a família real. Era
uma actividade considerada nobre e honrada, sobretudo quando dirigida contra
infiéis. O Infante D. Henrique,
por exemplo, tinha navios no saque. A conquista de
Ceuta, em 1415,
a que se seguiu outras cidades como Alcácer Seguer (1458), Arzila ou Safim,
permitiu aos portugueses não apenas controlar o Estreito de Gibraltar, mas
também criar no Norte de África um poderoso centro para a
pirataria e o corso. Ceuta só foi abandonada em 1640 pelos portugueses,
quando perante a guerra com a Espanha se tornou inviável manter esta praça
armada.
Entre os muitos corsários do
século XV, destaca-se Pedro
de Ataíde,
fidalgo da Casa Real, era um verdadeiro
terror dos mares. Era conhecido por "O Corsário" ou "O
Inferno". Está por fazer a sua história. Sabe-se que por
volta de 1470, andava a atacar navios bretões e de S. Malô, mas também as
costas da Andaluzia. Em 1471/72 comandou uma armada à Guiné. Em Julho de
1476 era capitão de armada ao serviço do rei. Morreu um mês depois quando
estava envolvido numa batalha contra navios genoveses e flamengos ao largo
da Costa de S. Vicente.
O século XV é uma verdadeira
época de ouro dos corsários e piratas portugueses, que não apenas percorrem
todo o Atlântico, mas nada lhes escapa também no Mediterrâneo. Mais
Século XVI.
Os portugueses praticam em larga escala a pirataria no Oriente, numa guerra sem
quartel, nomeadamente contra os muçulmanos. Entre
os mais conhecidos piratas portugueses do Oriente, conta-se o fidalgo Simão
de Andrade que entre muitas outras façanhas contam-se os saques
que praticou na China (1519).
A literatura portuguesa da época, como a Peregrinação (1583) de Fernão
Mendes Pinto, contém inúmeros relatos
destas acções de pirataria.
O aumento do comércio
marítimo através do Atlântico fez disparar o número de barcos
corsários, sobretudo os franceses e os muçulmanos (Norte de África). Para
se ter uma ideia basta dizer que entre 1508 e 1538 registam-se 423
aprisionamentos de navios portugueses por parte do corso francês (cf.O
Grande Livro da Pirataria e do Corso, de Ramalhosa Guerreiro).
No
final do reinado de D. Manuel, foi criada uma Esquadra do Estreito
cuja função era a de proteger a navegação que cruzava a entrada do
Mediterrâneo, os portos do Algarve e as praças africanas, dos diversos
tipos de corso que assolavam esta zona. D. João III endurecem
também a repressão, provocando sobretudo da parte dos
franceses constantes protestos. Foram diversas medidas de rotecção,
nomeadamente obrigando os navios comerciais andarem em comboios, protegidos por navios de guerra.
Na segunda metade do século XVI tornam-se cada
vez mais frequentes os relatos de portugueses que estão ao serviço de outros
piratas e corsários. A sua longa experiência dos mares permite-lhes
levá-los ao coração do Império Espanhol. Um dos casos mais célebres, mas não único, foi o
caso do piloto Nuno da Silva, capturado
em Cabo Verde por Francis Drake. Foi um dos dois pilotos
portugueses que o conduziu na travessia do Estreito de Magalhães e depois
às costas do Perú para saquear os espanhóis, permitindo-lhe depois
circundar o mundo (1578). No regresso terá parado em Lisboa, onde aliás
voltaria anos depois ao serviço do Prior do Crato. O embaixador espanhol em
Londres escreveu a Filipe II: "el Draques afirma que si no fuera
por dos pilotos portugueses que tomó en un navío que robó y hechó a
fondo en la costa del Brasil a la yda no pudiera haver echo el viage. Ha
dado a la Reyna un diario de todo lo que le ha sucedido en los tres años y
una gran carta" (Carta de Bernardino de Mendoza a Filipe II, 16/10/1580).
O Ducado da Jamaica, atribuído aos
descendentes de Cristovão
Colombo, os portugueses eram em tal número que as suas ilhas passaram a ser
conhecidas por "Portugals".
Piratas e corsários portugueses
anti-espanhóis estabeleceram na Jamaica uma importante base para atacarem os
seus barcos que vinham das Indias e facilitarem a sua conquista pelos
ingleses.
Ocupação Espanhola
(1580-1640). No final do século quando
Portugal é ocupado pela Espanha muitos portugueses aliaram-se a
corsários e piratas de outras nações para combaterem os espanhóis.
Os
relatos são impressionantes da sua acção, nomeadamente da forma como os conduziram
os piratas e corsários ao centro do Império Espanhol. A sua
experiência e conhecimento dos mares foi decisiva para o êxito das
expedições inglesas, holandesas e francesas.
Em 1591 um
português integrava uma pequena frota de corsários ingleses nas Caraíbas,
tendo procurado depois iludir uma galé espanhola ao largo de Cuba sobre a a
nacionalidade do navio em que seguia. No final do ano, outro piloto português
embarcado no porto de Santos conduziu a expedição de Thomas Cavendish, na tentativa de atravessar o
Estreito de Magalhães.
Em 1593, os espanhóis afirmam um
portugueses serviu de guia ao corsário John Burgh nas Caraíbas que
terminou no saque da ilha Margarita. Neste ano, o piloto português Diogo
Peres conduz o James Langton em mais um saque aos espanhóis nas
Caraíbas. No ano anterior deu falsas informaçõess ao Governador espanhol
de Santo Domingo sobre as movimentações de Francis Drake e do conde de Cumberland
de modo a facilitar-lhes a pilhagem.
Na Holanda onde existia uma
enorme colónia de portugueses, muitos deles dedicaram-se à pirataria e
corso contra os espanhóis. Entre eles, destacam-se
Simão
de Cordes e o seu irmão
Baltazar de Cordes, dois
portugueses ou seus descendentes que foram os primeiros
corsários holandeses (1598-1600). Ficaram célebres pelas pilhagens e
massacres que fizeram na colónia espanhola do Chile.
Com base na Jamaica - Don
Moisés Cohen Enriques -, em 1628, aliou-se ao almirante holandes
Piet Hayne e atacou de forma sistemática dos navios que de Cuba se dirigiam
a Cádiz.
Não Foi o único português judeu a
fazê-lo: - David Abravanel -,
descendente do célebre Isaac Abravanel (natural de Lisboa), tornou-se um
bocaneiro adoptando o nome de "Capitão David" e à frente do seu
navio "Jerusalém" não deu descanso aos espanhóis. Associou-se
com corsário inglês - Francis Drake - , numa irmandade da Bandeira Negra.
Nos Barbados, outro
grupo de portugueses mostrava o seu orgulho nesta guerra anti-espanhola - Yacoob
Mashaj e a sua esposa Deborah,
no cemitério de Bridgtown, ostentam simbolos de piratas.
Durante a ocupação de Portugal estes
piratas e corsários atacam indistintamente possessões espanholas e
portuguesas, de forma a enfraquecerem a Espanha. Entre as terras ou possessões portuguesas,
algumas foram completamente pilhadas: Bahia (Brasil)-1587; Santos (Brasil) -1591; Recife
(Brasil)-1595; Açores-1589; Faro-1596; Sagres-1597; Ormuz-1622; etc.
Alguns piratas portugueses passaram a actuar
a partir de Argel, renegando ao cristianismo. Entre eles destacam-se:
Mamim,
pirata algarvio de Tavira que, em 1611, tinha uma galé no corso em Argel (Cfr.Entre
a Cristandade e o Islão (séc. XV-XVII). Cativos e Renegados, Isabel
M.R.Mendes, Drumond Braga. Ceuta.1990
Pedro Cota,
depois de ser raptado 1631, voltou a Argel para se dedicar à pirataria
(idem).
Nos mares
de Bengala. Sebastião
Gonçalves Tibau, nascido em
Santo António do Tojal, que havia desertado do serviço da coroa, em 1605,
comanda uma formidável esquadra de piratas. Fundou na ilha
de Sandwip uma república de piratas (cerca de 3 mil), da qual ainda hoje existem
descendentes
No Oceano Pacífico, o capitão
Valdemar, alentejano,
chefiava um temível bando de piratas, identificados por uma bandeira
"vermelha e negra", símbolo mais tarde dos anarquistas. Foi morto
nas Molucas.
Século XVII (Depois de
1640). Depois da restauração da
Independência, em 1640, Portugal envolve-se numa longa guerra com a
Espanha que só termina em 1668. Durante este período, aumenta o número
dos portugueses piratas e corsários, mas são apoios os de outras nações que
andam no saque às colónias espanholas. Era uma
forma barata de fazer a guerra no mar.
Em 1645, o embaixador espanhol em Londres
informou Filipe IV, que uma expedição pirata fora muito bem sucedida nas
Caraíbas devido à participação de marinheiros portugueses.
Nos mares da Jamaica, Cuba e no golfo do México,
dois piratas portugueses ficaram tristemente célebres:
- Bartolomeu,
o português. Era profundamente católico, andava sempre
de cruxifico ao peito. Em 1662 apoderou-se na costa cubana de Manzanillo de
uma pequena embarcação que armou com quatro canhões. Com a patente de
corso do governador de Jamaica, em 1663, tomou navio mercante
espanhol em Cabo Corrientes (Cuba) que levava 75.000 escudos e
100.000 libras de cacau. Foi capturado em Campeche (golfo do México),
julgado e sentenciado à morte, mas conseguiu fugir, unindo-se depois a
outros piratas e corsários. Voltou a Campeche, apoderando-se de outra
embarcação. Sabemos que naufragou nos Jardins da Reina (Cuba), mas
conseguiu chegar à Jamaica muito ferido. Meteu-se depois em outras
expedições cujos resultados ignoramos. Parte das suas façanhas foram
publicadas na Holanda, em 1678, na obra "Os
Bucaneiros da América"de John Esquemeling.
- Rocha, o
brasileiro (Roche ou Rock Brasiliano). (c.1630-c.1675). Alguns
historiadores afirmam tratar-se de um holandês ligado por razões
desconhecidas ao Brasil. Em 1670 atacou Campeche. Era um verdadeiro psicopata, tinha um ódio de
morte aos espanhóis, submetendo-os às piores barbaridades.
Os
ataques de piratas e corsários às costas de Portugal e das suas colónias só
diminuiram quando foi reconstruída a marinha portuguesa e levantado um
eficiente sistema de fortificações.
A paz com a Holanda (Tratado de Haia,
1661) e o relançamento da Aliança com a Inglaterra levaram à diminuição
dos piratas destes países.
A principal ameaça continuou a ser a dos piratas
muçulmanos, mas também a dos franceses que se haviam especializado nas
pilhagens. Século XVIII
/ XIX. No
século XVIII o corso continua solidamente implantado em Portugal, devido aos
constantes conflitos com a Espanha e a França. O corso continuava a ser uma
forma barata de manter uma guerra. Os ataques dos piratas muçulmanos do
Norte de África eram outras das preocupações, cujas pilhagens se prolongaram até meados do
século XIX.
A longa experiência dos corsários
portugueses estendeu-se, por exemplo, ao Quebec (Canadá).
-
João Baptista Rodrigues da Fonte ou Fontes
(Jean-Baptiste
Rodrigue, ou John Fund) (c.1670- 1733). Em Março de 1709, ocupou o cargo de
piloto
real, em Port-Royal (Annapolis Royal, NS). Em 1710 instalou-se em Plaisance
(Piacenza), onde trabalhou no comércio, dedicando-se depois à pirataria.
Mudou-se
mais
tarde para Louisbourg, colónia
francesa de Ile Royale (Cape Breton) em 1714, onde andou na guerra e na
pilhagem, o que não o impediu de se tornar num dos mais prósperos
comerciantes da região.
Dados os constantes ataques de piratas e
corsários à costa portuguesa, foi de novo organizada
uma esquadra portuguesa para proteger o Estreito de Gibraltar, cuja
actividade se prolongou até 1807. Ao longo do século foram muitas as
acções punitivas contra os piratas no Mediterrâneo realizadas por
iniciativa própria ou a pedido de outras nações.
Nesta altura dois dos grão-mestres da Ordem de
Malta, sediada na Ilha de Malta no Mediterrâneo, eram portugueses: António
Manoel de Vilhena (1722 - 1736) e Manoel Pinto da Fonseca (1741
-1773). Esta Ordem tinha um papel destacado no combate contra a pirataria e o avanço dos
muçulmanos na frente sul da Europa.
Os corsários ingleses tinham em Portugal uma
base de apoio estratégica para assaltarem os navios espanhóis e franceses.
Em
Lisboa reabasteciam-se e vendiam o produto dos saques. Ainda em
1780, entrou pelo Tejo dois navios mercantes franceses tomados por
corsários ingleses, os quais foram depois transformados em barcos de
guerra destinados ao corso nas costas de Espanha, só não seguiram para o
seu destino devido aos protestos do embaixador deste país.
Há abundantes registos de portugueses ao
serviço de corsários de outros países europeus em finais do século XVIII.
Uma das últimas grandes acções de
pirataria de portugueses ocorreu em 1823, quando prosseguiam as
negociações para a separação do Brasil de Portugal. Os que haviam
aderido à causa da separação iniciam um guerra de corso contra Portugal.
Alguns atacam os seus navios nas águas dos Açores e muito perto das costas
do Continente.
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