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Imagens como esta correram mundo. Grupos de
muçulmanos incendeiam a embaixada da Dinamarca em Beirute
4 e 5 de Fevereiro de 2006.
O mundo foi sacudido com as notícias da destruição e ataques a embaixadas da Dinamarca e
outros países europeus na Síria (Damasco) e no Líbano (Beirute). A ira dos
muçulmanos (fundamentalistas) estendeu-se depois a outros países islâmicos, e com ela alastrou a vaga de destruições
e de mortes. O motivo de tudo isto foi a
publicação, no dia 30 de Setembro de 2005, pelo jornal dinamarquês Jylland-Posten
de 12 caricaturas sobre Maomé, o profeta do Islamismo. Os actos praticados pelos
muçulmanos são manifestamente desproporcionados face aos motivos que os
desencadearam.
O
Rastilho A Dinamarca é um dos países
mais tolerantes da Europa e um dos que mais apoia os países pobres do
mundo. Após a publicação das
caricaturas, a organização que representa os muçulmanos da Dinamarca - a
Comunidade da Fé Islâmica, dirigida pelo imã Abu Laman - em Dezembro,
envia uma delegação ao Egipto, Líbano e Síria para mostrar as caricaturas
e suscitar a indignação do mundo muçulmano. A partir daqui, alguns regimes
tirânicos como os da Arábia Saudita, Irão, Síria, Afganistão, etc. tinham
um pretexto para fomentarem uma onda de ódio contra os europeus. As
motivações são muitas, como se verá. . |
Numa leitura imediata destes
acontecimentos, para muitos analistas, estamos perante uma reacção
emocional a uma alegada falta de respeito por símbolos religiosos. Para muitos
outros, trata-se de mais uma manifestação de um confronto secular entre duas
civilizações: a europeia de matriz cristã e a afro-asiática de matriz muçulmana.
A julgar pela ira que os desenhos levantaram, o diálogo entre estas civilizações
é impossível dadas as diferenças culturais.
Quais as diferenças que, em
teoria, impedem
este diálogo?
1.
Liberdade de Expressão. A liberdade de expressão é um valor sagrado para os
europeus. A liberdade implica que os cidadãos não apenas se possam exprimir, mas
sobretudo o possam fazer de forma divergente às ideias dominantes. Os
europeus manifestam uma extrema tolerância em relação ao pensamento
divergente dos seus artistas e intelectuais, esperando inclusivé que estes
sejam naturalmente provocadores. Os muçulmanos não aceitam esta possibilidade,
nomeadamente quando se trata de religião. O pensamento divergente é assumido
como uma blasfémia. A condenação à morte é o que podem esperar todos os que o façam.
. Salman Rushdie, em 1989,
foi condenado à morte pelo Ayatollah Khomeini, lider do Irão. Motivo: publicou
um romance (Versículos Satânicos) considerado blasfemo.
. Isioma Daniel, em 2002,
é condenado à morte. Motivo: este jornalista nigeriano escreveu sobre o profeta
Maomé e a Miss Mundo. As manifestações dos muçulmanos em fúria provocaram na
altura 200 mortes.
. Theo van Gohg, em 2004,
é assassinado por um muçulmano. Motivo: este realizador holandês realiza um
filme sobre as violência que são vítimas as mulheres muçulmanas.
Representações de
Maomé Ao contrário do que se está a
afirmar, durante séculos o mundo muçulmano representou o seu profeta. Os museus
ocidentais possuem vastas colecções de manuscritos iluminados com
imagens de Maomé feitas por muçulmanos. Porque é que estas imagens provocam
agora tanta
ira ? Acontece que depois do
século XVI, devido à crescente influência dos movimentos fundamentalistas,
estas representações foram sendo proibidas. Hoje os artistas que as
pretendam fazer arriscam-se a serem condenados à morte, por grupos terroristas
islâmicos. A liberdade de expressão à muito que desapareceu nest domínio.

Representação de Maomé. Manuscrito medieval
islâmico (Pérsia, Ásia central) .
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2.
Responsabilidades. Os europeus recusam à partida as generalizações em matéria de responsabilidades. As acções são sempre
particulares, de um individuo ou grupo de indivíduos, não podem ser extensíveis a todo um
povo. Os que fazem estas generalizações são acusados de racistas.
Entre os muçulmanos, tende-se pelo contrário a generalizar com grande facilidade certas ideias
a respeito dos não-muçulmanos. A responsabilidade de um acto praticado por um grupo de dinamarqueses é
logo atribuída a todos os
dinamarqueses, e em última instância a todos europeus ou cristãos. É
esta a razão porque as acções terroristas dos grupos muçulmanos fundamentalistas
são dirigidas indiscriminadamente contra todos os ocidentais, não importa a sua
relação particular com actos que serviram de pretexto para as desencadearem.
. 11 de Setembro de 2001.
Morte indiscriminada de milhares de pessoas, em vários pontos dos EUA, para
vingar as ofensas feitas por alguns americanos a muçulmanos.
. 11 de Março de 2003.
Morte indiscriminada numa estação de Madrid (Espanha), para vingar as ofensas
feitas por alguns espanhóis a muçulmanos.
. 7 de Julho de 2005.
Morte indiscriminada de pessoas em transportes públicos, na cidade de Londres. A
acção foi reinvindicada por um grupo terrorista islâmico, como forma de vingarem
ofensas feitas por alguns ingleses a muçulmanos.
Contraste
Após os acontecimentos de
11 de Setembro de 2001, milhões de europeus vieram para a rua para se
manifestarem contra o facto haver pessoas que procuravam culpar todos os
muçulmanos dos atentados. Os atentados eram apenas da responsabilidade
dos terroristas que os praticaram e não de todos os muçulmanos.
Em Fevereiro de 2006, em
nenhuma parte do mundo foi vista qualquer manifestação de muçulmanos,
contra o facto de se estar a culpar todos os dinamarqueses e europeus de
terem blasfemada contra o profeta Maomé, quando as caricaturas foram
feitas por apenas 12 pessoas. |
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3.
Valores. A hierarquia de valores dos muçulmanos é muito diferente da
assumida pelos europeus, o que produz uma verdadeira in-comunicação. Dois exemplos :

Estátua de Buda destruída pelos muçulmanos no
Afganistão. . 2001. No Afganistão,
fundamentalistas islâmicos, num acto de profundo desrespeito pelas outras
religiões, decidem dinamitar as estátuas sagradas de Buda. A julgar por esta
amostra, o respeito pela
religião só se aplica ao Islamismo e aos seus símbolos religiosos.
. Fevereiro de 2006. Os muçulmanos sentiram-se profundamente chocados com
uma dúzia de desenhadores europeus que caricaturam Maomé, no entanto nunca se
lhes viu idêntica indignação quando grupos de terroristas, em nome de
Maomé, matam indiscriminadamente milhares de pessoas em todo o mundo. As
caricaturas de Maomé, de acordo com estas reacções, parecem ter mais valor que
as vidas humanas. Algo que nenhuma europeu é capaz de aceitar.

Caricatura do jornal Expresso (5/2/2006). O
cartonista põe em contraste a ira que desencadeou entre os muçulmanos as
caricaturas de Maomé, e a indiferença como os mesmos encaram as matanças e os
atentados à bomba praticados por grupos fundamentalistas.
4.
Teocracia. Mesmo nas alturas em que a religião cristã teve uma enorme
influência social e política, nunca os europeus avançaram para estados
teocráticos. A separação entre a religião e o poder político esteve sempre na
ordem do dia.
A partir do século XVII esta separação foi sendo consagrada nas leis de
todos os países europeus, proibindo-se todas as perseguições por motivos
religiosas. hoje faz parte dos direitos de qualquer cidadão ter a religião que
entenda, ou não ter nenhuma. O mundo muçulmano, com excepção da Turquia, nunca
aceitou esta separação. O ideal político foi sempre a criação de estados
teocráticos, onde o poder político é confiado a líderes religiosos.
A razão de fundo destas
manifestações de ira muçulmana, não me parece que esteja em nenhuma das razões
anteriores. Nem sequer em pseudo - inferioridade/superioridade de uns em relação a outros. A
dimensão atingida por este caso, a violência indiscriminada contra tudo o que
seja europeu, prova que estamos perante um pretexto político
para atingir objectivos mais amplos. Em
primeiro lugar, o que está na base desta ira
é a explosão de raiva contida de milhões de pessoas frustradas, pela ausência de perspectivas
de futuro nos seus próprios países. As frustrações de milhões de pessoas estão a ser
habilmente manipuladas por fanáticos muçulmanos, que atribuem aos outros (europeus, americanos, cristãos, etc) a
causa da sua miséria e incapacidade para melhorar as condições de vida. A estratégia é velha, mas pelo
vistos, ainda funciona.
Em segundo, estas manifestações procuram
atemorizar as populações e os governos europeus, diminuindo a sua autoridade
face aos regimes tirânicos dos países muçulmanos. O objectivo é transformar os
governos europeus em reféns destes regimes, sob a ameaça do terror fundamentalista.
Em terceiro, é sabido que esta situação interessa
aos países muçulmanos exportadores de petróleo. Quanto mais instabilidade
existir, maior é a tendência para a subida do preço do crude, e portanto maiores
serão os lucros dos elites dominantes destes países. Tudo o mais vem por
acréscimo. A exploração dos sentimentos religiosos tornou-se numa importante
fonte de
receitas. Carlos Fontes
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