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A onda de destruição que varreu a França,
em Novembro de 2005, foi interpretada em muitos países da Europa como a
confirmação da teses há muito propaladas pela extrema-direita: a entrada
maciça de imigrantes africanos e muçulmanos, mais dia menos dia acabaria
por se tornar num perigo para a ordem pública. A razão não seria de
natureza racial, mas cultural.
1. Negros e Árabes
Os africanos negros, estariam marcados
pelas memórias da colonização
europeia, nomeadamente pela escravatura. Ainda que os seus filhos possam
aceder à cidadania francesa, inglesa, portuguesa, italiana, alemã ou outra
qualquer europeia, jamais se sentirão verdadeiramente europeus. A cultura e
a história destes países europeus, seria um obstáculo intransponível
para o nascimento de laços de pertença.
A mais pequena dificuldade nos seus percursos
de vida, acaba inevitavelmente por fazer renascer antigas humilhações,
complexos de inferioridade ou
memórias colectivas julgadas esquecidas ou aceites sem desconforto. A culpa
será sempre atribuída aos antigos colonizadores, nunca assumida pelos
próprios. O ódio torna-se um lema de vida.
Os muçulmanos, não importa a raça,
seriam sempre uma ameaça pela forma como procuram impor-se e não
integrar-se num espaço cultural que não é seu. Onde chegam procuram desde
logo delimitar o seu território, subtraindo-o ao domínio dos infiéis. A
cidadania quando lhes é concedida num qualquer país de matriz cristã,
pouco mais é do que uma mera formalidade legal aceite por questões de
sobrevivência. Um muçulmano jamais se sentirá francês,
português, italiano, espanhol, etc. Com
base nestas teses está a ser explicada as "reais " motivações
dos muçulmanos envolvidos nos atentados e assassinatos nos EUA, Espanha,
Holanda, Grã-Bretanha e agora nos actos de vandalismo ocorridos em França.
O seu objectivo comum é o de destruírem os povos infiéis (cristãos,
judeus, etc). Neste contexto, de nada serve à França proclamar-se como um
Estado laico, quando o que está em jogo é a justamente a sua matriz
cultural cristã. A conclusão acaba por ser sempre a mesma: Os
imigrantes muçulmanos nunca serão integráveis, e quantos mais forem maior
será o perigo que representam para a ordem
pública.
Este tipo de discursos aponta claramente para
uma perspectiva de in-comunicação entre os povos e culturas. A mestiçagem
é assumida como um caminho perigoso, porque enfraquece uns em detrimento de
outros, nada cria de novo.
2. Um Difícil Parto
A globalização acentuou um
fenómeno que em alguns países europeus, nomeadamente Portugal,
evidenciavam desde os anos 70: Está a nascer uma nova Europa, fruto do
cruzamento entre os europeus e os povos das suas ex-colónias. Um intensa
mestiçagem está a ocorrer na Europa, semelhante à que ocorreu no Brasil.
Como em qualquer processo
histórico desta natureza há um factor que é essencial, mas é sempre
doloroso - o tempo. É necessário tempo para que ocorram cruzamentos de
povos e culturas, para que entre pessoas de origens muitos diferentes se
crie e consolide uma história em comum, permitindo o nascimento de novas culturas
que superem velhos ódios e discriminações.
Uma coisa é certa, os europeus manifestam hoje um
profundo e generalizado sentimento de nostalgia pelo seu passado. Um sentimento muito idêntico àquele que experimentaram
os romanos quando assistiram impotentes à derrocada do seu Império. Os europeus, durante séculos,
viveram orgulhosos da sua herança cultural
(greco-latinas, judaico-cristão), mas também dos seus valores e histórias
nacionais. Hoje sentem que os seus valores estão em declínio. A razão é simples: a
maioria dos novos habitantes da Europa, fruto de uma intensa e
imprescindível imigração, não se identificam com os seus valores, nem
com a sua cultura e história. Em muitos casos manifestam uma viva hostilidade a
tudo o que a mesma significa.
O
Exemplo Francês A França é, neste aspecto, o melhor exemplo desta agonia
cultural da Europa. A imagem que este país tem de si próprio e
aquela procura difundir no exterior está desfasada do tempo. A
forma como a França interpreta o seu passado nos dois últimos
séculos, por exemplo, é inaceitável para os novos imigrantes.
Eles são oriundos de países conde os franceses praticaram em larga
escala o tráfico de escravos, saques e matanças sem fim. É por
isso que as grandes referências culturais da nação que se auto-proclama
guardião dos grandes valores universais, como Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, nada dizem a mais de 10% da sua
população originária do norte de África e a sul do Sahara, quase todos de religião muçulmana (argelinos, marroquinos,
tunisinos, etc). A França acolheu
imigrantes (mão-de-obra barata), mas remeteu-os para os arredores das suas cidades,
confinando-os a guetos. Espera que as suas raízes desapareçam ou
os seus traços fisionómicos se ocidentalizem. Se por um lado lhes
concede a cidadania, por outro recusa integrar a cultura destes
povos na cultura francesa (assumida como muito superior).
A discriminação
instalou-se na sociedade francesa. Uma parte da sua população começou a ser
tratada como franceses de segunda, olhados com desconfiança. Acontece que estes
imigrantes não pararam de aumentar. O dilema é que sem eles a economia
francesa não funciona.
Toulouse.
8 de Novembro de 2005. Imagens como esta esvaziaram a credibilidade da retórica
francesa sobre os direitos humanos.
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Estes processos históricos
nunca foram pacíficos, as guerras no passado foram sempre uma constante,
esperemos que agora não ocorram. Se assim acontecer, algo já se terá
aprendido. Carlos Fontes
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