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( IV )
A presunção da inocência não vende, as
acusações sim!
Ideologia da Barbárie
Notícias que respeitem a presunção
da inocência não vendem jornais, nem geram audiências. O processo de Sócrates é
neste aspecto um caso paradigmático. Os jornais e canais de televisão,
alegadamente com base em informações fornecidas pelo juiz (Carlos Alexandre)
e o procurador (Jorge Rosário Teixeira) não esperaram pelo
julgamento, acusaram-no de imediato de todos os crimes que fora indiciado e de
mais uns quantos.
1. Os Media e a Presunção da Inocência
Assistimos hoje a uma profunda
regressão civilizacional na justiça. Princípios que se julgavam ultrapassados
voltam na ressurgir em resultado da concorrência entre as empresas de
comunicação, as quais para obterem maiores audiências (mais lucros) violam de
forma sistemática princípios essenciais de um estado de direito.
Princípio da Presunção da Culpa
Durante toda a Idade Média, mas
também em grande parte da Idade Moderna predominou o
princípio da Presunção da Culpa.
Nos países católicos como
Portugal, se as provas não eram suficientes para libertar um réu, o mesmo era
condenado por suposição.
No Directorium Inquisitorum
(1376),
de Nicholas Aymerich,
prescrevia-se que um boato e um depoimento constituem juntos, uma
quase prova, mas suficientes para uma condenação.
Princípio da Presunção da
Inocência
A grande revolução do ocorreu na
Idade Moderna foi a afirmação do afirmação por John Locke dos direitos naturais,
que tiveram primeiro consagração da Declaração de Independência dos EUA (1776) e
depois na Constituição da República Francesa saída da Revolução de 1789. A
célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no art. 9º
prescrevia:" Todo homem é considerado inocente, até ao momento em que,
reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo o rigor
desnecessário, empregado para a efetuar, deve ser severamente reprimido pela
lei."
Proclamado em 1948 na Declaração
Universal dos Direitos do Homem da ONU – Organização das Nações Unidas, o
princípio da presunção de inocência ganhou força, legalizado no Art. 11:
“ninguém será condenado à pena de ofensa tendo o direito de ser presumido
inocente até provado a culpa de acordo com a Lei no processo público ele tem
toda a garantia necessária para a sua defesa”.
Seguindo a mesma concepção da
Declaração Universal dos Direitos do Homem a Convenção do Conselho da Europa,
estabeleceu em seu Artigo 6º, inciso 2º: “ninguém será condenado de um crime de
ofensa, sendo presumido inocente até que seja provada a culpa de acordo com a
Lei”.
A própria Constituição da Republica
Portuguesa (1976) consagrava também no número 2 do seu artigo 32º, o mesmo
princípio: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da
sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com
as garantias de defesa”.
O Processo de Sócrates mostrou
que os jornalistas portugueses do Correio da Manhã, Sol, Jornal de Notícias ou
da TVI, não precisam de provas, mas apenas de boatos para acusarem alguém.
Fizeram-no em nome da liberdade de informação.
2. Concentração dos Meios de Comunicação
A comunicação social em Portugal nas
nas últimas
décadas sofreu uma brutal concentração das empresas que operam no mercado,
estando hoje controladas por quatro grandes grupos económicos, cujos principais acionista
são angolanos, suíços, espanhóis, etc.
O interesse exclusivo destes grupos
económicos é o lucro, pouco importa a forma como o mesmo obtido. A
"noticia" tem um valor económico e é como tal encarada. A função dos diretores dos
jornais ou canais de televisão é essencialmente produzirem um produto rentável,
que faça disparar as vendas de jornais ou aumentar as audiências televisivas,
não está apenas em jogo o seu tamanho, a forma como é escrita ou a sua
apresentação, mas o conteúdo da própria noticia. Há "noticias" que vendem mais
do que outras.
Nesse sentido, estas empresas têm
contratado um punhado de jornalistas como Eduardo Dâmaso ou a Felicia Cabrita,
com provas dadas em mergulharem em
"lixeiras" ou
"conspirações" reais ou inventadas, para produzirem "boas histórias".
A questão do rigor da "Informação"
que prestam aos seus leitores ou telespectadores é irrelevante. A "informação"
confunde-se com o "comentário", a "opinião" e a ficção. Ao
longo dos dias a mesma noticia vai sendo trabalhada de modo a prender a atenção
dos leitores-espectadores, rentabilizando a "história".
3. Sociedade Espectáculo
A empresas de comunicação, sejam
elas jornais ou canais de televisão, deixarem de ter como missão informarem. O
seu grande objectivo é prenderem de imediato a atenção dos leitores ou
telespectadores, através de títulos ou notícias "bombásticas", "espectaculares".
Nesse sentido, a realidade tem que
ser reduzia a uma caricatura, a lutas entre o "bem" e o mal", a conflitos
entre "vilões" e "pessoas honestas".
Á volta da prisão de Sócrates em
Lisboa, foi montado um verdadeiro espectáculo, onde os principais figurantes
foram sobretudo o procurador e o juiz de instrução do processo, o advogado de
Sócrates e a movimentação das viaturas policiais em volta do "Campus da
Justiça".
Com a transferência de Sócrates para
cadeia de Évora, os jornais e os canais de televisão
viram-se obrigadas a montar outro espectáculo, com outros figurantes. O palco
passou a ser a porta do estabelecimento prisional, onde "romarias" de imbecis
foram estimulados a virem gozar com um "ex-primeiro-ministro" na prisão.
Um dos casos mais interessantes
destes espectáculos, ocorreu quando no dia 25/1/2015, centenas de pessoas vieram
protestar contra o modo como Sócrates havia sido preso e a humilhação pública
que lhe continuava a ser feita, com a conivência das autoridades judiciais. A
manifestação não interessava obviamente nem ao sistema prisional, nem à certas
empresas de comunicação. O canal de televisão SIC, resolveu recorrer a um dos
seus "humoristas" de serviço para provocar os manifestantes. No dia 26/1/2015, a
SIC reduziu a noticia da manifestação à agressão que o provocador ia sendo alvo
por parte dos manifestantes, desta forma acabou por não referir as razão porque
as pessoas ali estavam a manifestarem-se.

Um alegado "humorista" ao serviço do
canal SIC, procurou desviar as atenções dos objectivos políticos da manifestação
para a paródia.
4. Julgamentos na Praça Pública
A "notícia" só é rentável se começar
por uma acusação, despertando nos leitores-espectadores a incerteza da
culpabilidade do acusado.
No caso de jornais como o Correio da
Manhã ou o Sol, a maioria dos seus leitores só está disposta a dar dinheiro por
um jornal desde que o mesmo acuse alguém.
Para os leitores destes jornais não
basta que os mesmos façam manchetes de crimes e misérias, descrevendo-os com os
pormenores mais escabrosos e inimagináveis. Não basta também que encham páginas
de pornografia. A receita de - "sangue -escândalo-sexo" - está
esgotada.
Hoje um jornal para ser
verdadeiramente popular é preciso que acuse alguém: políticos corruptos,
patrões gananciosos, trabalhadores mandriões, serviços públicos ineficientes,
pessoas que deviam estar presas por um qualquer motivo. As imagens do
acusado devem também ser acompanhadas da descrição dos seus vícios, para
que não restem dúvidas sobre a justeza da sua condenação.
No caso português, esta tarefa está
amplamente facilitada dada a colaboração das polícias, procuradores e juízes com
este tipo de empresas de comunicação.
O julgamento deve ser feito na praça
pública, a descrição dos "factos", para ser eficaz, não deve de ultrapassar o
nível intelectual de um mentecapto, ou seja, do "povo".
Se comprovada a culpa o jornal ou
canal de televisão vê a sua credibilidade junto dos seus leitores reforçada. Se
tiver errado, só lhe resta atribuir a culpa à incompetência dos tribunais,
às manobras do governo ou dos poderosos.
O que pode fazer a vítima inocente,
quando a sua imagem pública foi denegrida? Exigir a retração dos jornalistas ?
Exigir uma indemnização?

O jornal O Diabo, um pasquim de
saudosistas da Ditadura de Salazar, no dia 6/1/2014, dava conta que a estratégia
seguida de prender e julgar na praça pública estava a fazer "tremer" os juízes,
pois temiam que as suas investigações não conseguissem encontrar factos que
sustentassem a acusação de corrupção. O jornal deixa um alerta ao sistema
judicial: Se não existem factos incriminatórios tem que ser inventados, caso
contrário passa a haver um novo "mártir" em Portugal !
5. Regresso à Barbárie
Estamos à assistir ao regresso da
barbárie conduzidos por empresas de comunicação que procuraram o lucro a todo o
custo, para remunerarem os seus acionistas, transformando as tragédias pessoais
e colectivas em espectáculos públicos.
As instituições em que assenta um
estado de direito estão desta forma a serem subvertidas nos seus valores
fundamentais, com a colaboração dos que as deviam defender, como os juízes e
procuradores do Ministério Público. A verdade é que nenhum dests "agentes" quer
ficar de fora do espectáculo em que a justiça se transformou em Portugal, por
isso alimentam o espectáculo com "fugas de informação" de um processo que
supostamente está em "segredo de justiça".
O melhor exemplo deste regresso à
barbárie é o que se tem passado à porta do Estabelecimento Prisional de Évora,
onde bandos de imbecis, incluindo crianças, são estimuladas pela comunicação
social a festejarem a prisão de uma pessoa.
Não já são
precisos indícios para prender .
Basta a mera
hipótese de alguém poder vir a fazer um dado crime.
/
Diário de Notícias,
capa, 6 de Fevereiro de 2015
O Diário de Notícias,
trouxe à capa do jornal a resposta que o procurador Rosário Teixeira
deu ao recurso dos advogados de José Sócrates para o não libertarem:
a) Não existam indícios
fortes ou fracos que Sócrates e Santos Silva, o suposto testa de
ferro do ex-primeiro ministro, estão a forjar falsos contratos;
b) No entanto existe
sempre a hipótese, por mais remota que seja, que o poderiam fazer;
A conclusão lógica:
qualquer pessoa, incluindo o procurador e o juiz podem vir a matar
alguém, logo devem ser presos preventivamente porque o podem vir a
fazer.
A população inteira de
Portugal, levando ao absurdo esta posição devia ser presa!
Cada português, pelo menos em teoria, algum dia pode vir a cometer
um dado crime. A única forma de evitar que o possa vir a fazer é
prendê-lo.
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Carlos Fontes
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A
entrevista de José Sócrates à TVI, no dia 2 de Janeiro de 2015.
“Dou esta entrevista em legítima defesa contra a sistemática e criminosa
violação do segredo de justiça e contra a divulgação de “informações”
manipuladas, falsas e difamatórias, em legitima defesa, contra a transparência
do julgamento para uma praça pública onde só pode fazer-se ouvir uma voz e onde
só pode circular livremente uma versão deturpada das coisas. Em legítima defesa
contra uma agressão feita cobardemente, a coberto do anonimato, como é típico
dos aparelhos burocráticos onde reina o “governo de ninguém” – “ninguém” o
exerce, “ninguém” presta contas. Esse poder obscuro é puro arbítrio e
despotismo: impunidade absoluta, limitação infundada e desproporcionada de
direitos fundamentais, segredo imposto apenas à defesa, proibição de
entrevistas, impossibilidade de contraditório, condenação antes de qualquer
julgamento, sansão antes de qualquer sentença.
Este poder, quero crer, não durará. É precário como todos os poderes assentes no
medo e sobreviverá apenas até à plena tomada de consciência do perigo que
representa para o processo penal justo, fundamento primeiro do Estado de
Direito. No que me diz respeito, responsabilizo diretamente os que, tendo o
processo à sua guarda, não o guardaram como deviam. Como está à vista de todos,
não estiveram à altura das suas responsabilidades e não fizeram bem o seu
trabalho. O que não me deixa outra alternativa senão fazer tudo o que estiver ao
meu alcance para defender a minha honra e o meu bom nome.
Faço-o aqui, respondendo às perguntas que me foram entregues através do meu
advogado, porque foram as primeiras a chegar. Lamento que o jornal Expresso, com
o qual combinei uma entrevista tenha decidido publicar as suas perguntas (antes
mesmo de eu as conhecer) desacompanhadas das respetivas respostas. mas que fique
claro: não deixarei nenhuma pergunta assim, a pairar no ar, acrescentando
dúvidas sem obter a devida resposta.”
Foi confrontado com provas, quando
foi interrogado pelo juiz Carlos Alexandre?
Essa é a questão essencial. Não, não fui – nem confrontado com factos quanto
mais com provas. E isto é válido para todos os crimes que me imputam, que
considero gravíssimos para quem exerceu funções públicas. Tomemos, por exemplo,
e por economia de resposta, o crime de corrupção que é, para mim, mais
detestável, o mais ignominioso que pode ser imputado a um ex-governante. Pois
bem, apesar da minha insistência, nunca, em nenhum momento, nem a acusação nem o
juiz foram capazes de me dizer quando e como é que fui corrompido, onde ou
sequer em que país do mundo essa corrupção aconteceu, nem por quem, a troco de
quê, qual a vantagem que obtive ou qual a que concedi, lícita ou ilícita.
Nada, rigorosamente nada! Esta é a verdade, por estranho que pareça – e deve
parecer estranho porque não conheço nenhum caso semelhantes de corrupção – a
corrupção em nome da qual me sujeitaram à infâmia desta prisão preventiva é uma
pura invenção, uma “hipótese de trabalho” teórica da investigação, de um crime
presumido, sem qualquer concretização ou referência no tempo ou no espaço e do
qual não há nem podem existir indícios ou provas.
O que afirmo, portanto, é que fui detido e preso (preventivamente) sem me terem
sido referidos nem factos nem provas de que tenha cometido quaisquer crimes, a
começar pelo crime de corrupção que estaria na origem de tudo. A partir daí,
este processo é todo ele uma caixinha de presunções em que as presunções
assentam umas nas outras numa construção elaborada, absolutamente delirante.
Começando por presumir, sem qualquer sustentação digna desse nome que o dinheiro
do eng.º Carlos Santos Silva é afinal meu, deu-lhes para presumir, embora sem
qualquer prova ou indício, que obtive esse dinheiro através de corrupção,
sabe-se lá quando nem onde. E é com base nesta teoria, toda ela inventada, que
presume também os outros crimes, porque a partir daí, todas as movimentações
financeiras daquele dinheiro são entendidas como operações minhas que configuram
branqueamento de capitais e fraude fiscal. É uma imaginativa cascata de
presunções. Mas não passa disso.
Como já escrevi, a prisão preventiva foi aqui utilizada para investigar mas
também para aterrorizar, para despersonalizar – e para calar. Hoje, quero dizer
mais: neste caso, prendeu-se também para, em certo sentido, para “provar”.
Porque quem quis esta prisão infundada sabe bem que a prisão funciona como prova
aos olhos da opinião pública – “Se está preso alguma coisa deve ter feito”, é o
que as pessoas tenderão a pensar. E muitas, na sua boa-fé, estarão convencidas
que para haver prisão preventiva é porque hão de existir, na parte ainda secreta
do processo – que por azar, logo aquela única parte a que os jornais não
conseguiram ter acesso… – “provas muito sólidas” ou pelo menos “indícios muito
fortes da prática dos tais crimes graves. Mas a verdade é que não há. E todos
sabemos que se isso existisse já teria sido publicado nos jornais do costume! Só
que, entretanto, aos olhos da opinião pública a prisão substituiu-se ao
processo, à investigação, à instrução, aos indícios, às provas, ao
contraditório, ao julgamento – e até à sentença.
Afinal, se ele está preso, que mais é que é preciso provar? A resposta, porém,
por estranho que pareça, é esta: tudo. Falta provar rigorosamente tudo. Isto,
obviamente, é gravíssimo. Mas não é, ao contrário do que alguns têm dito, um
problema da lei, que até evoluiu no sentido de contrariar o abuso da prisão
preventiva. Não tenho a mínima dúvida de que esta prisão preventiva é ilegal e
por isso confio no sucesso do recurso que a minha defesa apresentou. Grave é que
se tenham degradado tanto os valores do nosso Estado de Direito a ponto de se
ter instalado uma cultura de tolerância para com tudo isto: prisões sem provas
ou sequer fortes indícios de crimes, que ao menos se perceba quais são! Lamento
dizê-lo, mas daqui à suspeita de perseguição política não é um passo de gigante,
é um pequeno passo.
Como encara o que está a acontecer?
E, caso tenha acesso, como encara o que tem sido publicado?
Ao que já foi dito, junto apenas a observação seguinte: à prisão física sempre
quiseram somar, em certo sentido, a prisão na opinião pública. De um lado, podem
ser divulgadas todas as mentiras e todas as falsidades; do outro, são proibidas
as entrevistas e coartado o direito de defesa da honra. Não me submeto a tal
imposição, que é contrária aos direitos fundamentais. Mas sei que quando
decidiram proibir-me de falar, o que pretendiam conseguir era que tudo estivesse
do lado deles – o procurador, o juiz, os jornais. E podem, de facto, ter muito
do lado deles. Menos a verdade. Essa, não está do lado deles. E é pelo triunfo
da verdade que lutarei.
Como classifica a prisão do seu amigo Carlos Santos Silva e do seu motorista
João Perna?
Ambas são, cada uma à sua maneira, injustas e injustificadas. No fundo, essas
prisões foram ordenadas, como a minha, sem factos que as possam fundamentar. E
isso é terrível! No caso de João Perna, tratou-se, patentemente, de utilizar a
prisão para aterrorizar uma pessoa que julgavam vulnerável de modo a tentar
obter sabe-se lá que informação. Um abuso. No caso do engenheiro Carlos Santos
Silva, dói-me profundamente a sua situação, que permanece. Somos amigos há 40
anos, a nossa amizade é anterior ao início da nossa atividade profissional. É
uma relação especialmente fraterna. E não posso esquecer que este meu amigo está
a sofrer na prisão essencialmente por ser meu amigo e por me ter ajudado quando
precisei.
Que comentário lhe merece as suspeitas que têm surgido a propósito do
apartamento de Paris e do seu estilo de vida, da venda das casas da sua mãe, dos
negócios com Rui Pedro Soares, das entregas de dinheiro que Carlos Santos Silva
lhe fez, e das idas a Paris do seu motorista alegadamente com malas de dinheiro?
Respondo, um a um, aos vários pontos referidos, porque é preciso que nada fique
por esclarecer. Mas não quero deixar de chamar a atenção para o mais importante:
os “factos circunstanciais” que me imputam não têm rigorosamente nenhuma conexão
com crimes. Nenhuma. Por vezes chega a ser difícil separar a investigação e as
notícias que têm vindo a ser publicadas da pura bisbilhotice (ou devassa). Mas
vamos por partes.
A) As “entregas de dinheiro” do Eng.
Carlos Santos Silva
Confirmo, sem qualquer problema, que face a algumas dificuldades de liquidez que
atravessei em certos momentos, sobretudo desde que tive parte da minha família
em Paris e eu próprio vivi entre Lisboa e aquela cidade, recorri várias vezes a
empréstimos que o meu amigo Carlos Santos Silva me concedeu para pagar despesas
diversas. Mas, sinceramente, não me parece que pedir dinheiro emprestado a um
amigo seja crime, nem aqui nem em nenhuma parte do Mundo! Sempre foi, como
continua a ser, minha intenção pagar-lhe o que for devido, apesar da
informalidade da nossa relação e da grande amizade pessoal que nos une desde há
muitos anos. É um assunto que resolverei com ele e que só a nós diz respeito.
Para o caso, o que importa deixar claro é que o facto de o Engenheiro Carlos
Santos Silva me ter emprestado dinheiro, muito ou pouco, não transforma o
dinheiro dele em dinheiro meu! Isso, convenhamos, é um completo disparate!
Acontece que o Engº Carlos Santos Silva detém, como é sabido, meios próprios de
fortuna pessoal fruto da sua diversificada atividade empresarial em vários
países do Mundo. E, sendo meu amigo, esteve disponível para me ajudar quando eu
precisei. Estou-lhe grato por isso. Mas não deixarei de lhe pagar! A afirmação
de que o dinheiro dele é meu é simplesmente absurda e não tem qualquer
fundamento.
B) O motorista, Paris e as “malas
de dinheiro”
Aqui entramos na dimensão galáctica da investigação. A verdade, como já foi
explicado pelo meu advogado, é esta: nunca o meu motorista foi a Paris; nunca me
levou nenhuma mala de dinheiro; e nunca o meu carro foi além de Espanha (onde
fui passar curtos períodos de férias e pouco mais). Mas o que acho curioso é que
certos jornais e certos jornalistas se tenham disponibilizado para escrever que
haveria no processo fotografias fatais do motorista a transportar as tais “malas
de dinheiro” para Paris. Porque é exatamente aqui que toda esta história passa
do cinzento filme policial para o mundo fantástico da ficção científica: o
momento memorável em que surgem em cena essas máquinas fotográficas tão
espantosas e tão avançadas que tiram fotografias onde até se consegue ver o que
vai dentro das malas…!
O facto de a acusação ter posto a correr nos jornais esta pura invenção diz
muito sobre os métodos de uns e de outros. E mostra bem até onde estão dispostos
a ir para me atingir. Não tenho, hoje, a menor dúvida: para alguns, vale tudo.
C) O “apartamento de luxo” em Paris
Factos. Em 2011, depois de sair do Governo, aluguei um apartamento em Paris,
onde vivi um ano. Só mais tarde, a partir de meados de 2012, e por cerca de 10
meses, habitei num outro apartamento, o tão falado “apartamento de luxo” de que
é proprietário o meu amigo Engº Carlos Santos Silva. Residi aí apenas enquanto
não começaram as obras de restauro que ele tinha planeado para recolocar esse
apartamento no mercado (como de facto fez, a partir de finais de 2013). Assim,
quando as obras começaram (Verão de 2013), saí desse apartamento, tendo a minha
família passado a viver num aparthotel, durante cerca de 4 meses (Setembro a
Dezembro de 2013). Depois, desde Janeiro de 2014, aluguei um novo apartamento,
onde vivi, e viveu também a minha família, ao longo do último ano. No momento em
que escrevo, ainda estou a pagar essa renda (sendo que o contrato termina em 31
de Dezembro de 2014).
A tese que me imputa ser eu o dono do famoso “apartamento de luxo” de Paris,
para além de não ter a mais pequena sustentação – que não tem – é também
completamente absurda! Como será óbvio para quem esteja de boa-fé, se eu
quisesse realmente comprar uma casa para ficar durante o período do meu curso em
Paris (cerca de dois anos) não iria escolher, já quase no final do primeiro ano,
um apartamento a precisar de obras, para depois ter de enfiar a minha família
durante meses num aparthotel! E menos sentido faz que eu, sendo alegadamente
proprietário (por interposta pessoa) desse tal “apartamento de luxo”, tenha
precisado de alugar um novo apartamento a partir de Janeiro de 2014, quando já
estavam concluídas as obras no fantástico apartamento que dizem ser “meu”!! Por
aqui se vê que toda a tese da investigação sobre as casas de Paris, além de
falsa, é um verdadeiro monumento ao absurdo. Vejamos: através do meu amigo, eu
teria comprado um apartamento de luxo para morar durante o meu curso em Paris;
por razões que a razão desconhece, em vez de escolher um apartamento pronto a
habitar, fui logo escolher um apartamento que precisava de obras; e quando
terminaram as obras, em vez de ir morar para lá, “à grande e à francesa”, acabei
afinal por ir morar para outro lado, um apartamento mais pequeno que aluguei e
tive de pagar! Creio que todos já terão compreendido o óbvio: nada disto faz
sequer sentido.
Em contrapartida, a verdade, talvez por não ser inventada, tem também a vantagem
de ser muito mais compreensível do que a absurda teoria da investigação: durante
a minha permanência em Paris, entre outras soluções em apartamentos que aluguei
e em aparthoteis em que fiquei, houve um período de apenas 10 meses em que, a
convite do meu amigo Engº Carlos Santos Silva, residi num apartamento que ele
ali comprou como investimento imobiliário, com a intenção de o valorizar
(fazendo obras) e depois revender com lucro – como está, de facto, a tentar
fazer. Enquanto as obras não começaram, aproveitei o convite e fiquei lá; assim
que as obras começaram, tive de sair e procurar por mim outras soluções. Há
suspeitas que só existem quando se quer muito acreditar nelas!
D) A venda da casa da minha mãe
Respondo à questão da venda do apartamento da Rua Braamcamp, já que a venda dos
outros dois (no Cacém) foi conduzida pelo meu falecido irmão e não tenho ainda
comigo todos os elementos (só poderia citar os pormenores de memória, por ouvir
dizer, e não quero correr o risco de errar). Mas da venda da casa da minha mãe
em Lisboa ocupei-me eu e conto rapidamente a história, que é simples. Em 2011,
quando fui viver para Paris, a minha mãe ficou a viver sozinha no prédio da
Braancamp. Em 2012, comunicou-me que queria ir viver para outro apartamento que
tem em Cascais, onde teria pessoas queridas por perto. Uns tempos depois, eu
próprio falei com o Eng. Carlos Santos Silva e contei-lhe da vontade da minha
mãe, tendo ele manifestado interesse em comprar o apartamento que iria ficar
disponível em Lisboa, desde que o preço fosse razoável.
Assim, pediu-se uma avaliação prévia do valor do imóvel, estabeleceu-se o preço,
fez-se a escritura e o apartamento mudou de dono – que, julgo eu, o renovou e o
alugou em seguida. Do dinheiro da venda, a minha mãe, como é seu direito e é
normal entre pais e filhos, fez-me doação dos 75% que podia dar-me em vida
(sendo eu filho único, depois do falecimento dos meus dois irmãos). E faço notar
o seguinte, que me parece importante: esta venda não aumentou em nada o meu
património ou o da minha família. O que se fez foi trocar o imóvel que a minha
mãe já tinha pela liquidez correspondente ao seu verdadeiro valor. O património
que já estava na família permaneceu na família, agora convertido em liquidez.
Uma venda, aliás, é isso mesmo. E foi o que foi feito.
Acho espantoso que alguém pretenda ver nisto uma “venda simulada”, como agora
dizem. Tanto quanto imagino, as vendas verdadeiramente simuladas não se fazem
pelo preço de mercado, não obrigam ao abandono do imóvel pelo vendedor e não
acabam no aluguer a terceiros pelo novo proprietário! Esta é apenas outra
história mal contada por quem conduz esta investigação contra mim.
E) Negócios do futebol com
Rui Pedro Soares
Bom, este ponto, se não fosse trágico, era de rir à gargalhada. A resposta é
simples: não tenho nada que ver com os negócios entre o Eng. Carlos Santos Silva
e o Dr. Rui Pedro Soares. Ponto. Não tive deles conhecimento, nem tinha que ter;
não conheço as empresas de que falam, nem sei quem são os seus gerentes ou
administradores. Em suma, nada sei e nada tenho que ver com tais negócios. Mas o
que mais me impressiona nesta história é o fantástico silogismo da investigação,
de extraordinário alcance: Carlos e Rui fazem negócios; Carlos e Rui são amigos
de José; logo, José está envolvido nos negócios. Notável, não vos parece?
É verdade que sabia que estava a ser investigado? Desde quando?
Não, não sabia, não fazia a mínima ideia (até às buscas em casa do meu filho).
Tento não ligar muito aos rumores e dou algum desconto às notícias de certos
jornais. De qualquer modo, depois do episódio da revista Sábado, com o
desmentido da Procuradoria Geral da República, nunca mais liguei a isso.
A menos de um ano de eleições,
considera que este processo pode ter fins políticos?
Desconheço as motivações deste estranho processo sem indícios nem provas, onde
todos os crimes são vagamente presumidos e só a prisão é concreta. Mas já disse
e mantenho: este processo, pela sua natureza, tem contornos políticos. E digo
mais: este processo é, na sua essência, político. No sentido em que tem que ver
com o poder, os seus limites e o seu exercício; o poder de deter para interrogar
e o poder de prender preventivamente pessoas inocentes. Já para não falar nas
consequências que este processo inevitavelmente terá na disputa política.
Veremos quais. Como já disse, isto ainda agora começou."
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