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Mútua
Descoberta |
.Durante séculos a informação que os
residentes em Portugal tinham das longínquas terras de Angola, Moçambique ou
Brasil era dos que para aí se haviam deslocado por obrigações de ofício,
fosse ele a administração, a guerra ou o comércio. Tratava-se quase sempre
de imagens repletas de aventuras e actos heróicos em terras inóspidas para
consumo daqueles que em Portugal as ouviam.
O Brasil foi neste contexto algo
diferente. A sua enorme dimensão territorial - superior à Europa -
suscitaram desde o século XVIII um outro tipo de discursos. A imagem que das terras do Brasil foi
sendo construída em Portugal, após a sua independência em 1822 era obra de
imigrantes no Brasil ou dos poucos que regressavam após uma vida de trabalho. O Brasil é apresentado como uma terra de grandes sacrifícios,
mas também de infinitas oportunidades. A enorme comunidade de portugueses
no Brasil, não deixou também de suscitar o interesse da imprensa para o que
acontecia no outro lado do atlântico. A imagem que transmitia do Brasil estava
à partia condicionada pelo olhar e as preocupações dos imigrantes.
O Brasil pela voz dos próprios
brasileiros - o Brasil brasileiro - só lentamente se chegou a Portugal.
Começou através dos seus grandes romancistas e poetas, como Machado Assis,
José de Alencar, Carlos Drumond de Andrade, Graciliano Ramos, Mário de
Andrade, Erico Veríssimo, José Lins do Rego, Jorge Amado, Josué de Castro e outros. Estamos contudo perante uma imagem do
Brasil apenas acessível a uma elite cultural.
A grande difusão do Brasil brasileiro
em Portugal, só se inicia em finais dos anos 50 do século XX. Os seus principais
veículos desta difusão foram o Futebol e a Música Popular. Eles despertaram
uma enorme atenção por tudo o que acontecia no outro lado do Atlântico. E
nem sempre as coisas eram sorridentes. Após o 25 de Abril de 1974
chega o Brasil brasileiro das telenovelas.
Este movimento de difusão da nova
imagem do Brasil foi acompanhada pela vinda regular a Portugal de um
número sempre crescente de brasileiros (escritores, artistas, futebolistas,
etc). A imagem do Brasil começou a tornar-se mais complexa. O Brasil passa a ser
associado a um país de grandes contrastes sociais com uma pujante cultura
embora pouco divulgada no exterior.
Em finais dos anos 80, o Brasil
brasileiro chega a Portugal agora pela voz dos seus emigrantes. Em 2003, mais
de 1% da população residente em Portugal é brasileira. Paralelamente
aumentou de forma exponencial o turismo e os investimentos de Portugal no
Brasil.
Entramos numa nova fase de conhecimento
mútuo entre estes dois povos. A todo o momento
portugueses e brasileiros estão a desfazer ideias feitas de uns sobre os outros
e a descobrir as marcas de uma história comum muitíssimo mais rica do
que alguma vez imaginaram.
Carlos Fontes |
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Nacionalismo ou
Ignorância ?
Os
programas sobre a cultura popular brasileira, produzidos no Brasil e difundidos
em Portugal através da rede de canais por cabo, são para os portugueses
magníficos programas de humor devido aos seus comentários.
Ainda
recentemente, no canal GNT (ligado à Globo), transmitia-se uma perspectiva
sobre as festas de São João, Santo António e São Pedro em várias regiões
do Brasil. As tradições que mostravam ligadas a estes santos eram tipicamente portuguesas, sem
paralelo em nenhuma outra parte da Europa. No entanto, os vários especialistas
brasileiros que foram chamados a comentá-las afirmavam as coisas mais
disparatadas sobre a sua origem, chegando a atribui-las a recônditas regiões
da Europa onde não há memória que tais festividades alguma vez tenham
existido ou fossem festejadas daquela forma. Nenhum destes reputados especialistas
se referiu ao longo do programa a Portugal ou à origem portuguesa das
tradições que comentavam.
Esta
aparente ignorância, que não pode deixar provocar gargalhadas, embora tenha uma justificação:
o nacionalismo brasileiro fabricado pela República. Desde a sua implantação, em 1889, que a república
brasileira procurou anular no país as referências
às suas raízes lusitanas. Essa foi
uma das formas que encontrou para se demarcar do regime monárquico
(1822-1889), muito ligado a Portugal através da família real.
O
"português" torna-se então na figura central das piadas brasileiras. Portugal,
é evocado como uma
terra que no passado possuiu heróicos navegadores, mas cuja missão histórica se esgotou na descoberta
do Brasil e no inicio da sua colonização. A partir do século XVII, o Brasil
é obra do povo brasileiro. Um "povo" muito distinto dos portugueses.
Os únicos que são lembrados são os nascidos no Brasil. Os restantes não
contam. São os
primeiros que comandam a política portuguesa em relação a esta colónia.
Batem-se na Europa, na América e em África pela consolidação e expansão do
Brasil. Os caciques locais que se envolvem em acções de fragmentação do seu
território são rapidamente transformados em nacionalistas, em obreiros da
nação brasileira. O disparate é total. Portugal é completamente secundarizada na sua construção e povoamento ao
longo de mais de três séculos. Depois da independência é também apagada a
importância da sua enorme comunidade de milhões de imigrantes.
A presença dos
portugueses no Brasil passa a ser vista como um mal que o "povo"
brasileiro suportou e do qual, após muitas lutas se conseguiu libertar dos seus
opressores. O
nacionalismo brasileiro, criado pelos republicanos, não tardou em entrar
num processo auto-fágico no qual foi devorando a história do país e as suas
próprias raízes culturais.
Com
estes quadros mentais, presentes em muitos comentadores brasileiros,
não admira que o nacionalismo, se transforme frequentemente em ignorância,
capaz de provocar uma risota generalizada neste lado do atlântico.
Carlos Fontes, 2004 |