Um passeio pelos Bairros da Graça, São Vicente
e de Santa Engrácia
Jardim do Convento da Graça
Bairro da Graça O actual bairro da
Graça está na sua génese ligado ao convento dos
Agostinhos, fundado no século XIII, sob a invocação de Santo Agostinho. No ano
de 1305 mudou para Nossa Senhora da Graça, que veio a dar o nome ao bairro. No inicio ficava fora das muralhas da cidade
(cerca moura), e só ficou no seu interior com a construção da muralha fernandina
(1371). Vestígios das torres das muralhas ainda se podem observar no interior do
convento, cujo acesso se fazia por duas aberturas na muralha, os postigos da Graça (caracol da Graça).
Palácio do Senhores de Trofa
A zona, essencialmente agrícola, permaneceu durante
séculos muito pouco habitada. A partir do século XVI começam a construir-se vários palácios, como o dos Condes de Vale dos Reis (actual Vila
Sousa), o de António Ribeiro Barros (perto do Convento das Mónicas), o Palácio
Figueira (calçada da Graça) e o dos Senhores de Trofa.
Palácio Figueira
Fruto desta fixação da nobreza na zona, em 1767, é criado o
Teatro da Graça por Henrique da Costa Passos, que desde logo se destaca
no panorama artístico de Lisboa, pela suas múltiplas recitas espanholas. Ficava
situado entre o nº10-A e 12-D, no lanço oriental da Calçada da Graça, junto ao
palácio dos senhores da Trofa, perto do Palácio Figueira.
Os edificios religiosos continuam a marcar a
paisagem. No século XVIII destacavam-se o imponente Convento da Graça, a Ermida de Nossa Senhora
do Monte (século XII), o Convento das Mónicas (séc. XVI) e a Capela de
Nossa Senhora da Glória (1766) e a capela de Santa Verónica (Séc.XVIII).
A reconstrução da cidade de Lisboa depois do
terramoto de 1755 atraia ao local um número crescente de trabalhadores cujas
habitações vão formando a atual malha urbana. A existência de terrenos baratos e
a proximidade do bairro da Baixa da cidade facilitava a sua fixação nesta zona.
As enormes quintas que existiam começaram lentamente a ser retalhadas até
desaparecerem.
No princípio do século XIX, para além do largo do
Convento (Largo da Graça) estavam definidos os seus principais arruamentos que
estruturam o bairro: a calçada da Graça (ligação ao castelo), Rua do convento da
Graça (rua da Graça) que fazia a ligação à Cruz dos Quatro Caminhos
(largo de Sapadores), calçada de nossa
senhora do monte, rua do Sol, rua das Beatas, rua de
Nossa Senhora da Glória, travessa das Mónicas (ligação ao convento de S.
Vicente de Fora) e a Travessa da Verónica (Ligação a Santa Clara).
A Graça na
segunda metade do século XIX e
princípios do século XX sofre uma profunda mudança perdendo a sua matriz
rural: a construção dos caminhos de ferro (Santa Apolónia), a abertura de
múltiplas oficinas atraem ao bairro uma dinâmica população operária e
empresarial. Expressão deste dinamismo foi a criação de várias e importantes
associações: Caixa Económica Operária (1876), Sociedade
de Instrução e Beneficência -
Voz do Operário
(1887), Grupo Excursionista Fiseu do Monte (1898), Grupo dos Cinco
Reis (1907), e mais tarde - Maria Pia Sport Club (1922),
Clube Desportivo da Graça (1935) e o Grupo
Recreativo Estrela de Ouro.
O
apoio e educação das crianças constituíram outras das preocupações dos seus
moradores, de que são exemplo as escolas da Voz do Operário, mas
sobretudo o revolucionário projecto da Escola-Oficina nº1.
No princípio do século XX construem-se alguns dos
mais emblemáticos conjuntos de edifícios de "arte nova" do bairro da Graça, como
a Vila Berta (1902) ou o Bairro da Estrela de Ouro (1908), e notáveis edifícios
como o do nº46 da Rua do Senhor do Monte (1904-1908).
O Cine Royal está transformado num pindérico
supermercado da cadeia Pingo Doce. O bairro da Graça destacou-se
também pelo cinema e a rádio. O principal cinema era o Cine Royal (1929),
com cerca de 900 lugares, um projecto do arquitecto Manuel Joaquim Norte Junior
(1878-1962) em mais um empreendimento de Agapito Serra Fernandes (1). Neste
cinema foi exibido o primeiro filme sonoro em Portugal. Os dois outros cinemas muito
populares eram a Voz do Operário e o Cinema Oriente (Av. General
Roçadas).
Milu foi a primeira grande vedeta do cinema
português, ficando associada a filmes como a Costa dos Castelo ou Leão da
Estrela, ficaram célebres duas das suas canções:
Cantiga da
Rua e
A Minha Casinha.
Várias estações de rádio tiveram
a sua sede na Graça: a Rádio Graça (1932-1949, Rua da Verónica, 124),
onde se estreou entre outras artistas a Milu, e por lá passaram locutores
como Eládio Climaco e António Sala; Rádio Continental (1929-1935, Rua do
Cardal); A Rádio Peninsular (1933-Rua da Voz do Operário), onde começaram
os "Parodiantes de Lisboa"; Rádio Voz de Lisboa, Clube Radiofónico de
Portugal e os Emissores Associados de Lisboa (1949, Rua da Verónica,
124). Expressão destas vivências de
bairro é a continuidade da sua marcha que desde 1935 desfila pela Avenida da
Liberdade. Ficou célebre a
letra e música de 1968 cantada por Amália Rodrigues,
da autoria de Eduardo Damas e
Manuel Paião.
A marcha
de 1947, não lhe fica atrás. O Bairro da Graça nos
ano 70 e 80 do século XX ficou ligada à memória de grandes escritores que o
popularizaram (Luis de Sttau Monteiro) ou nele viveram (Natália Correia e Sophia de Mello Breyner Andresen).
Guidinha
Luis de Sttau Monteiro, entre 1969 e 1980, publica
as estória da Guidinha, uma menina do Bairro da Graça, primeiro no suplemento
humorístico, chamado "A Mosca", do "Diário de Lisboa" (1969-1970) e depois de
1974 n` "O Jornal". Tratam-se de deliciosas críticas de costumes sob a forma de
redações escolares.
Durante o dia a Graça é um bairro muito movimentado,
em grande medida devido aos inúmeros turistas, mas à noite adormece num silêncio
profundo, como a maior parte da cidade de Lisboa.
O Bairro da Graça pertence à Freguesia de São
Vicente que desde 2013 agregou três antigas freguesias: Graça (5.787
habitantes,2011), S. Vicente (3 539 hab., 2011) e Santa Engracia
(4.702 hab., 2011).
Carlos Fontes
Percurso pelo
Bairro da Graça
(continuação)
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