Navegando na Filosofia. Carlos Fontes

 

Sofistas (1)

 

A Democracia ateniense, devido ao espírito de competição política e judiciária exigia uma preparação intelectual muito completa dos cidadãos. Este facto influenciou decisivamente o desenvolvimento da educação.

Vindos de toda a parte do mundo grego, os sofistas (mestres de sabedoria), dedicam-se a fazer conferências  e a dar aulas nas várias cidades-estado, sem se fixarem em nenhuma. Atenas é todavia a cidade onde mais afluem, onde no século V a. C. adquirem um enorme prestígio. Aproveitam as ocasiões em que existe grandes aglomerações de cidadãos, para exibirem os seus dotes retóricos e saber, ensinando nomeadamente a arte da retórica. O seu ensino é, portanto, itinerante, mas também remunerado.

Afirmam saber de tudo. "Hípias Menor" de Platão, é o melhor exemplo deste saber enciclopédico. Tudo o que leva consigo é obra das suas mãos, desde o anel que cinzelara ao manto que tecera, aos poemas que escreveu e que transporta. É esta educação completa que pretendem transmitir aos jovens, preparando-os para ocuparem altos cargos na cidade (Polís). 

Desenho da Agora de Atenas (Museu da Ágora, Atenas)

 

Educação. Apesar da diversidade dos métodos de educação dos sofistas, estes podem ser agrupados em dois tipos fundamentais:

Cultura Geral. Este ensino compreendia o estudo da Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Estas matérias remontavam a um modelo de educação pitagórico, vindo a constituir mais tarde, na Idade Média, o célebre Quadrivium das sete Artes Liberais.

Formação Política. Este ensino orientava-se para uma visão mais prática, procurando corresponder às exigências estritas da actividade política. Constava das seguintes disciplinas: Gramática, Dialéctica e Retórica. A arte da dialéctica, transforma-se numa arte de manipulação de ideias, através da qual o orador procura defender uma dada posição, mesmo que a mesma seja a pior de todas. A retórica era a arte de persuadir, independentemente das razões adoptadas. Levado até ao exagero, este tipo de ensino, desacreditará os sofistas na Antiguidade Clássica.

  

Cultura. Os sofistas defendem abertamente o valor formativo da cultura (Padeia), que não se resume à soma de noções, nem tão pouco ao processo da sua aquisição. A sua educação visa a formação do homem como um ser concreto, membro de um povo e parte de um dado ambiente social. A educação torna-se a segunda natureza do homem. Deste modo, os sofistas afastam-se da tradição aristocrática, ligada à afirmação de factores inatos. Os sofistas manifestam frequentemente uma visão optimista do homem, segundo a qual este possui uma inclinação natural para o bem. Protágoras foi um defensor desta posição.   

 

Relativismo. Constatando a influência dos factores sociais na formação dos homens e na modelação do seus comportamentos, a existência de uma pluralidade de culturas e modos de pensar, os sofistas acabam por defender a relatividade de todo o conhecimento e dos valores, negando a sua universalidade.

"Protágoras dizia que o homem é a medida de todas as coisas, o que significa que o que parece a cada um também o é para ele concerteza". Aristóteles. Met.XI, 6,1062.

Partindo desta princípio, acabam por afirmar a identidade entre o verdadeiro e o falso

"Sobre cada argumento podem-se adiantar dois discursos em perfeita antítese entre si", Frag.de Protágoras, em Diogénes de Laércio, IX, 50.

"Se todas as opiniões e todas as aparências são verdadeiras, conclui-se necessariamente que cada uma é verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Visto que, frequentemente, surgem, entre os homens, opiniões contrárias, e cremos que se engana quem não pensa como nós, é obvio que existe e não existe ao mesmo tempo a mesma coisa. Admitindo isto, deve-se também admitir que todas as opiniões são verdadeiras. (...) Se as coisas são como afirma Protágoras, será verdade o que quer que se diga". Aristóteles. Met.IV,5,1009. 

 

Convenção. Partindo de uma concepção relativista do conhecimento, negam igualmente a universalidade da Verdade. Esta não passa para alguns sofistas de uma convenção.

"Pois que tais coisas parecem justas e belas a cada cidade, são-no também para ela, enquanto creia em tais". Platão, Teeteto, 167

"Afirmo que o justo não é mais do que o útil ao mais forte..., isto é, em todos os Estados o justo é sempre... aquilo que convém ao governo constituído." Platão, República, 338

Esta posição traduz-se em muitos sofistas na afirmação do direito do mais forte em governar os mais fracos (cfr. Platão, Górgias, 482-484).

Outros ainda, partindo da ideia da Lei como convenção, sustentam que esta provoca desigualdades entre os homens, iguais por natureza:

"Ó, homens aqui presentes! Creio-vos a todos unidos parentes e concidadãos, não por lei, porque o semelhante é por natureza parente do seu semelhante. A lei, como tirana dos homens, em muitas coisas emprega a violência contra a natureza". Discurso de Hípias, em Platão, Protágora,337.

Antifonte de Atenas (sofista) , formulando uma antinomia entre natureza e lei humana, proclamou a igualdade entre os bárbaros e os gregos (Helenos), sendo mesmo crível que tenha defendido a igualdade entre cidadãos e escravos.

"Parece a alguns que... somente por lei (convenção) seria um escravo e o outro livre, mas por natureza não haveria absolutamente diferença de sorte. Por isso não seria justo, pois é obra da violência". Aristóteles, Política, I, 3,1253.

 

Retórica. Alheios às tradições, os sofistas mostram-se dispostos a discutirem todos os assuntos. Atribuem à linguagem uma importância fundamental, mas esta não passa de uma convenção. As palavras são com frequência destituídas do seu sentido corrente, e são usadas como instrumentos de sugestão e persuasão para convencerem os seus interlocutores. Recorrem à ambiguidade das palavras, exageram na aplicação dos três princípios lógicos, para numa cadeia de deduções e sentidos ambíguos, levarem os seu interlocutores a desdizerem-se.

 

 

 

Raciocínio Justo - Salta para aqui! Se tens tanta coragem, mostra-te aos espectadores.

Raciocínio Injusto - Onde quiseres. Com muito gente a assistir, ainda me é mais fácil dar cabo de ti.

Raciocínio Justo- Dar cabo de mim, tu? Quem julgas que és?

Raciocínio Injusto - Um Raciocínio.

Raciocínio Justo - Sim, mas mais fraco.

Raciocínio Injusto - Pois venço-te na mesma, lá por te gabares de ser mais forte.

Raciocínio Justo - E com que artimanhas ?

Raciocínio Injusto - Inventando ideias cá muito minhas, ideias novas (...).

Raciocínio Justo - Vou dar cabo de ti, miserável.

Raciocínio Injusto - E, como não me dizes?

Raciocínio Justo - Expondo o que é justo?

Raciocínio Injusto - E eu contradigo-te e mando-te abaixo. Para já afirmo a pés juntos que não existe justiça.

Raciocínio Justo - Afirmas que não existe...?!

Raciocínio Injusto - Senão vejamos: Onde existe ela?

Raciocínio Justo - No seio dos deuses.

Raciocínio Injusto - Então como diacho é que, existindo aí justiça, Zeus ainda não pereceu, ele que pôs a ferros o próprio pai ? "

 

Aristófanes, As Núvens, 900-905.

 

Platão legou-nos uma imagem muito negativa dos sofistas, o que tem contribuído para desvalorizar a sua enorme importância no pensamento ocidental:

Antropologia. Foi graças aos sofistas que as questões antropológicas passaram a estar no centro dos debates filosóficos, secundarizando desta formas as anteriores questões cosmológicas. 

Pensamento. A forma como raciocinamos torna-se num tema da filosofia.
Linguagem. A linguagem, o seu poder e modos de utilização, nomeadamente no discursos retórico, converteu-se também num tema filosófico. 
Moral. Ao criticarem os modelos que sustentavam os valores tradicionais, abriram o caminho para a afirmação de uma ética autónoma baseada na razão.

"Acrópole", pintura de Leon von Klenze (1784-1864)

 

Bibliografia

Cassin, Barbara - Ensaios Sofísticos. São Paulo, Siciliano, 1990.

Guthrie, W.K. C. - Os Sofistas. São Paulo. Paulus. 1993

Continua !

Carlos Fontes

Referências Históricas

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