Sofistas (1)
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A Democracia ateniense,
devido ao espírito de competição política e judiciária exigia uma
preparação intelectual muito completa dos cidadãos. Este facto
influenciou decisivamente o desenvolvimento da educação.
Vindos de toda a parte do mundo grego, os
sofistas (mestres de sabedoria), dedicam-se a fazer conferências e a dar aulas nas
várias cidades-estado, sem se fixarem em nenhuma. Atenas é todavia a
cidade onde mais afluem, onde no século V a. C. adquirem um enorme prestígio. Aproveitam as ocasiões em que existe grandes
aglomerações de cidadãos, para exibirem os seus dotes retóricos e saber,
ensinando nomeadamente a arte da retórica. O seu ensino é, portanto, itinerante, mas
também remunerado.
Afirmam saber de tudo. "Hípias
Menor" de Platão, é o melhor exemplo deste saber enciclopédico.
Tudo o que leva consigo é obra das suas mãos, desde o anel que
cinzelara ao manto que tecera, aos poemas que escreveu e que transporta.
É esta educação completa que pretendem transmitir aos jovens,
preparando-os para ocuparem altos cargos na cidade (Polís).

Desenho da Agora de Atenas
(Museu da Ágora, Atenas)
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Educação.
Apesar da diversidade dos métodos de educação dos sofistas, estes podem ser
agrupados em dois tipos fundamentais:
Cultura
Geral. Este ensino compreendia o estudo da Aritmética, Geometria,
Astronomia e Música. Estas matérias remontavam a um modelo de
educação pitagórico, vindo a constituir mais tarde, na Idade Média,
o célebre Quadrivium das sete Artes Liberais.
Formação
Política. Este ensino orientava-se para uma visão mais prática,
procurando corresponder às exigências estritas da actividade
política. Constava das seguintes disciplinas: Gramática, Dialéctica e
Retórica. A arte da dialéctica, transforma-se numa arte de
manipulação de ideias, através da qual o orador procura defender uma
dada posição, mesmo que a mesma seja a pior de todas. A retórica era
a arte de persuadir, independentemente das razões adoptadas. Levado
até ao exagero, este tipo de ensino, desacreditará os sofistas na
Antiguidade Clássica.
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Cultura.
Os sofistas defendem abertamente o valor formativo da cultura (Padeia),
que não se resume à soma de noções, nem tão pouco ao processo da
sua aquisição. A sua educação visa a formação do homem como um ser
concreto, membro de um povo e parte de um dado ambiente social. A
educação torna-se a segunda natureza do homem. Deste modo, os sofistas
afastam-se da tradição aristocrática, ligada à afirmação de
factores inatos. Os sofistas manifestam frequentemente uma visão
optimista do homem, segundo a qual este possui uma inclinação natural
para o bem. Protágoras foi um defensor desta
posição. |
Relativismo.
Constatando a influência dos factores sociais na formação dos homens
e na modelação do seus comportamentos, a existência de uma
pluralidade de culturas e modos de pensar, os
sofistas acabam por defender a relatividade de todo o conhecimento e dos
valores, negando a sua universalidade.
"Protágoras dizia que o homem é a
medida de todas as coisas, o que significa que o que parece a cada um
também o é para ele concerteza". Aristóteles. Met.XI, 6,1062.
Partindo desta princípio, acabam por
afirmar a identidade entre o verdadeiro e o falso
"Sobre cada argumento podem-se
adiantar dois discursos em perfeita antítese entre si", Frag.de
Protágoras, em Diogénes de Laércio, IX, 50.
"Se todas as opiniões e todas as
aparências são verdadeiras, conclui-se necessariamente que cada uma é
verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Visto que, frequentemente, surgem,
entre os homens, opiniões contrárias, e cremos que se engana quem não
pensa como nós, é obvio que existe e não existe ao mesmo tempo a
mesma coisa. Admitindo isto, deve-se também admitir que todas as
opiniões são verdadeiras. (...) Se as coisas são como afirma
Protágoras, será verdade o que quer que se diga". Aristóteles.
Met.IV,5,1009. |
Convenção.
Partindo de uma concepção relativista do conhecimento, negam
igualmente a universalidade da Verdade. Esta não passa para alguns
sofistas de uma convenção.
"Pois que tais coisas parecem justas
e belas a cada cidade, são-no também para ela, enquanto creia em
tais". Platão, Teeteto, 167
"Afirmo que o justo não é mais do
que o útil ao mais forte..., isto é, em todos os Estados o justo é
sempre... aquilo que convém ao governo constituído." Platão,
República, 338
Esta posição traduz-se em muitos
sofistas na afirmação do direito do mais forte em governar os mais
fracos (cfr. Platão, Górgias, 482-484).
Outros ainda, partindo da ideia da Lei
como convenção, sustentam que esta provoca desigualdades entre os
homens, iguais por natureza:
"Ó, homens aqui presentes!
Creio-vos a todos unidos parentes e concidadãos, não por lei, porque o
semelhante é por natureza parente do seu semelhante. A lei, como tirana
dos homens, em muitas coisas emprega a violência contra a
natureza". Discurso de Hípias, em Platão, Protágora,337.
Antifonte de Atenas (sofista) ,
formulando uma antinomia entre natureza e lei humana, proclamou a
igualdade entre os bárbaros e os gregos (Helenos), sendo mesmo crível
que tenha defendido a igualdade entre cidadãos e escravos.
"Parece a alguns que... somente por
lei (convenção) seria um escravo e o outro livre, mas por natureza
não haveria absolutamente diferença de sorte. Por isso não seria
justo, pois é obra da violência". Aristóteles, Política, I,
3,1253. |
Retórica.
Alheios às tradições, os sofistas mostram-se dispostos a discutirem
todos os assuntos. Atribuem à linguagem uma importância fundamental,
mas esta não passa de uma convenção. As palavras são com frequência
destituídas do seu sentido corrente, e são usadas como instrumentos de
sugestão e persuasão para convencerem os seus interlocutores. Recorrem
à ambiguidade das palavras, exageram na aplicação dos três
princípios lógicos, para numa cadeia de deduções e sentidos
ambíguos, levarem os seu interlocutores a desdizerem-se.
Raciocínio
Justo - Salta para aqui! Se tens tanta coragem, mostra-te
aos espectadores.
Raciocínio
Injusto - Onde quiseres. Com muito gente a assistir,
ainda me é mais fácil dar cabo de ti.
Raciocínio
Justo- Dar cabo de mim, tu? Quem julgas que és?
Raciocínio
Injusto - Um Raciocínio.
Raciocínio
Justo - Sim, mas mais fraco.
Raciocínio
Injusto - Pois venço-te na mesma, lá por te gabares
de ser mais forte.
Raciocínio
Justo - E com que artimanhas ?
Raciocínio
Injusto - Inventando ideias cá muito minhas, ideias
novas (...).
Raciocínio
Justo - Vou dar cabo de ti, miserável.
Raciocínio
Injusto - E, como não me dizes?
Raciocínio
Justo - Expondo o que é justo?
Raciocínio
Injusto - E eu contradigo-te e mando-te abaixo. Para
já afirmo a pés juntos que não existe justiça.
Raciocínio
Justo - Afirmas que não existe...?!
Raciocínio
Injusto - Senão vejamos: Onde existe ela?
Raciocínio
Justo - No seio dos deuses.
Raciocínio
Injusto - Então como diacho é que, existindo aí
justiça, Zeus ainda não pereceu, ele que pôs a ferros o
próprio pai ? "
Aristófanes,
As Núvens, 900-905.
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Platão legou-nos uma imagem muito
negativa dos sofistas, o que tem contribuído para desvalorizar a sua enorme
importância no pensamento ocidental:
Antropologia. Foi graças aos sofistas que as questões antropológicas
passaram a estar no centro dos debates filosóficos, secundarizando desta
formas as anteriores questões cosmológicas. |
Pensamento. A
forma como raciocinamos torna-se num tema da filosofia. |
Linguagem.
A linguagem, o seu poder e modos de utilização, nomeadamente no discursos
retórico, converteu-se também num tema filosófico. |
Moral.
Ao criticarem os modelos que sustentavam os valores tradicionais, abriram o
caminho para a afirmação de uma ética autónoma baseada na razão. |

"Acrópole", pintura de Leon von Klenze
(1784-1864)
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Bibliografia
Cassin,
Barbara - Ensaios Sofísticos. São Paulo, Siciliano, 1990.
Guthrie,
W.K. C. - Os Sofistas. São Paulo. Paulus. 1993
Continua ! |