Textos
Saberes Disciplinares
João era daqueles alunos que não desiste
enquanto não percebe os assuntos que estuda. Até
essa manhã, o conceito de mundo não era para ele um
problema. O mundo era o conjunto de países que
existiam, e dos quais diariamente tinha informação
através dos telejornais. Nessa manhã, na aula de
filosofia, começaram as dúvidas. O professor falou
do mundo como o campo das nossas experiências,
afirmou mesmo que poderíamos nele distinguir o "mundo
interior"( o da consciência) e o "mundo
exterior" (o conjunto dos objectos percebidos
pelos sentidos). A dificuldade não estava na
memorização de uma nova definição, mas em "ligá-la"
com as ideias que já possuía. Neste sentido foi
pedir ajuda ao professor da aula seguinte, o de Física.
O problema era definir exactamente o que se entendia
por mundo. Após uma pequena pausa, o professor disse-lhe
que o termo era correntemente usado em pelo menos
dois sentidos: o mundo como o sistema constituído
pela Terra e pelos astros (cosmos), e o mundo como o
conjunto de tudo o que existe (universo). Tinha uma
nova definição e um novo problema. Parecia estar a
falar com professores oriundos de dois mundos muito
diferentes.
Foi o primeiro a sair da aula, dirigindo-se
de imediato para sala onde supunha encontrar ainda o
professor de filosofia. Teve sorte. "O mundo é
ou não é aquilo que existe?", perguntou.
Espantado com o inusitado da questão, o professor,
afirmou que não lhe podia responder. Primeiro era
necessário saber exactamente o que existia. No
corredor disse-lhe: "Todos aceitamos que o mundo
físico existe, porque o podemos testemunhar
facilmente, mas será que tudo se pode reduzir ao que
vemos, ouvimos e sentimos através dos sentidos?. As
nossas ideias e valores, por exemplo, não tem uma
realidade material, mas será que não existem?.
Estamos a falar de coisas que provavelmente existem
para além da realidade física, o domínio da
chamada metafísica. Colocado o problema neste plano,
temos que encontrar um novo conceito mais amplo para
compreenda tudo o que existe, independentemente da
sua natureza, isso mesmo o perceberam filósofos como
Parménides. Em vez do conceito de "mundo"
talvez fosse mais adequado falar de Ser. O Ser é
aquilo que é. João descobrira que os filósofos
utilizavam um conceito mais amplo que mundo. Na
entrada da escola cruzou-se de novo com o professor
de física, e sem hesitar perguntou-lhe: "Como
chama a tudo aquilo que está para além do mundo físico?".
A resposta foi seca: "Não sei, nem tem grande
interesse para a Física." Sentindo a desorientação
de João, prosseguiu: "Meu caro, o mundo dos físicos
é o mesmo que o mundo dos filósofos, só que, o
mundo que os físicos estudam não se apresenta da
mesma maneira que o mundo para os filósofos, nem é
referido da mesma forma. O mundo dos físicos é também
um grande enigma, mas sobre ele temos a vantagem de
possuirmos inúmeras explicações dos seus fenómenos,
isto é, das suas manifestações físicas. Ao longo
de séculos acumulamo-las, revendo-as constantemente
de forma crítica e sistemática de modo a tornar o
mundo cada vez mais previsível, sem nunca sair do
mundo físico. Como vês, na Física não podes
pretender encontrar aquilo que está para além da física".
Carlos Fontes
|