1. A palavra discurso possuí várias acepções na linguagem
corrente. Em termos filosóficos possui um significado mais preciso,
designa o conjunto de
afirmações articuladas de uma forma coerente e lógica.
2. Nem em todo o tipo de discursos se coloca a questão da lógica. Dois
exemplos podem ilustrar esta questão:
2.1. Muitas das afirmações que fazemos são expressão de desejos, sentimentos, emoções ou simples devaneios da
nossa imaginação: "Gostaria de ir à
Austrália... " Estou apaixonado pela Crisântema".
"Apesar de todas as derrotas sofridas, o Cebolinha contínua a
ser o meu clube". "Fiquei louco de alegria quando vi o
João". Neste tipo de afirmações ninguém está à
espera que as mesmas sejam consideradas válidas ou inválidas, isto
se consideramos que uma
raciocínio é válido quando os seus argumentos (as premissas) nos
fornecem uma evidência suficiente para aceitarmos a sua conclusão.
Nestas afirmações não existem argumentos, mas simples
manifestações de sentimentos ou emoções. Também, não se coloca a
questão da sua verdade ou falsidade, quanto muito poderemos levantar dúvidas
sobre a sinceridade de quem as produziu. Mas essa é outra questão.
2.2. Frequentemente formulamos também juízos sobre as coisas: "Os
lisboetas afirmam que gostam de jardins. Os jardins de Lisboa estão
sujos e degradados. Logo temos que concluir que os lisboetas estão a
mentir quando falam de jardins." Trata-se de uma afirmação que exprime um
raciocínio, no qual com base em argumentos (razões) se
retira uma
dada conclusão. Estamos perante uma afirmação muito
diferente da anterior. Neste caso, entre outras coisas, podemos questionar: a)
o modo como está construído o raciocínio; b) a conclusão que é extraída
a partir dos argumentos apresentados; c) a própria a verdade dos argumentos
apresentados.
3. Nos exemplos apresentados, apenas o segundo interessa aos
lógicos. Trata-se um tipo de discurso onde se afirma ou nega algo, com
base num conjunto de argumentos.
4. A análise da lógica de uma discurso, pode ser realizada de
muitos modos, por exemplo, podemos analisar:.
a) A consistência dos argumentos
que são apresentados para justificar uma dada conclusão. Nem sempre
os argumentos apresentados são credíveis face às crenças que todos
partilhamos.
b) A forma como racionamos, isto é, a operação mental que nos
permite a partir de uma ou mais premissas (argumentos) extrairmos
uma dada conclusão. Estudaremos em
pormenor este assunto.
c)A coerência do discurso, em função de um conjunto de princípios que garante
formalmente a sua validade. Vejamos em pormenor este ponto.
5.
Aristóteles, na antiga Grécia,
foi o primeiro a enunciar os princípios a que deveria obedecer um
discurso coerente. Estes princípios acabaram por ser consagrados na
seguinte formulação:
5.1. Princípio da Identidade (A é A). Este princípio
indica-nos o que as coisas são. Ex. "Um
mamífero é um mamífero". Uma vez definido um conceito
de certa maneira, essa definição deve permanecer constante ao
longo do raciocínio.
5.2. Princípio da Não Contradição ("Nada pode ser
A e não A"). Este princípio indica-nos que nada pode ser e
não ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto. Ex.
Não podemos afirmar, no mesmo discurso que "Este
animal é e não é um mamífero".
5.3. Princípio do Terceiro Excluído ("Tudo é A ou
não A"). Este princípio afirma que, uma coisa ou é, ou não
é, e não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ex. "Este
animal ou é ou não é mamifero".
A validade do pensamento ou discurso não
está dependente do seu conteúdo, da sua matéria, mas sim da forma
como está organizado. Para ser formalmente válido tem que ser, antes
de mais, coerente. Mas para que isso aconteça é indispensável, como
veremos, que os argumentos sejam verdadeiros. Podemos ter conclusões
falsas com argumentos verdadeiros, ou o contrário. Outras
combinações em raciocínios inválidos são igualmente
possíveis.
Carlos Fontes