O Que Sei ?
"A numeração das salas do primeiro piso
da escola suscitava em Edgar alguma perplexidade,
parecia não ter qualquer sentido. Antes da sala com
o número "1", havia uma que os colegas
denominavam sala "0", e antes desta uma outra sem número.
O mesmo acontecia quanto à sequência das
aulas de filosofia, não pareciam ter lógica nenhuma.
O problema era tanto mais grave quanto aprendera logo
na primeira aula que uma das exigências da
disciplina era que as ideias fossem claramente
formuladas, fundamentadas, justificadas, defendidas e
argumentadas. Qualquer posição era defensável
desde que cumprisse estas exigências. O que não era
pouco. Talvez por isso agora não conseguia estudar
se não soubesse o "fio condutor" da matéria.
Tinha que ter uma explicação racional. Chegara
todavia a hora de manifestar o que sabia e as dúvidas
eram mais que muitas.
O programa começara com a questão das
relações "Homem-Mundo", tendo-se chegado
à óbvia conclusão que o "mundo" já
existia antes de nós, era o palco das nossas "vivências",
onde se formava a nossa maneira espontânea de ser,
sentir e pensar. Modelava também as nossas concepções
pessoais (subjectivas) com as quais formulamos juízos
espontâneos sobre a vida, a sociedade e o mundo em geral. Retivera a ideia que era partir do "vivido"
ou das suas próprias "vivências" que cada
ser humano captava e interpretava a realidade que lhe
era exterior.
Mas porquê a questão da diversidade de
experiências? Se o mundo era o mesmo, o que
justificava que cada um o visse de modo tão diverso?
Não percebera bem como se chegara a este ponto,
assim como a afirmação de um colega que disse ser a
experiência pessoal construtiva do modo de ser e de
viver de cada homem, para em seguida concluir que por
consequência cada um teria um modo próprio de ver,
interpretar as coisas e de agir no mundo. Seria
porque as experiências de vida são únicas?
O que o intrigava mais era a passagem da
"experiência" ao "saber". A única
coisa que apreendera é que um "saber" é
uma espécie de "conhecimento" que
adquirimos das coisas e situações. Mas como se
passa de uma para outra?. As dúvidas eram naturalmente maiores sobre a diversidade dos saberes
decorrentes da experiência. Recordava-se vagamente
de ter ouvido falar que todos temos um saber próprio,
um saber "subjectivo", intransmissível,
feito das nossas vivências e experiências espontâneas.
Percebera melhor a questão dos saberes adquiridos,
como os "saber fazer", e os saberes
resultantes de um processo de socialização (senso
comum), o saber científico, etc. Ainda tinha muitas
dúvidas, precisava de facto de estudar."
Carlos Fontes
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