"Estás a vê-la?" perguntava
Miguel a Joaquim. No quadro o professor escrevia:
"A linguagem é uma faculdade de comunicação,
mas também de representação e de expressão".
Joaquim percorreu com o olhar a sala, fixando-o
depois na mesa de uma colega, dizendo: "A simmenthal
?". O professor explicava agora que os homens
dispõem de várias linguagens, destacando em
particular a linguagem das palavras, constituída por um
sistema de signos verbais. "Está louca?" ,
inquiriu com ar reprovador Miguel. "Provavelmente....",
respondeu Joaquim." A doença é transmissível
aos humanos?", perguntou inquieto Miguel. "Claro!
É um perigo para a saúde pública.", respondeu
afirmativamente Joaquim. O professor explicava agora
como através da linguagem das palavras substituímos
os objectos reais por signos linguísticos que os
evocam na sua ausência. Advertiu ainda para o facto
de não podermos confundir as palavras com as coisas
ou os sentimentos que nomeamos ou evocamos, elas são
antes de mais construções humanas, configurações
da realidade. Neste sentido, quando utilizamos as
palavras não dizemos só aquilo que pretendemos
dizer, mas também transmitimos imagens, emoções e
histórias de que as palavras estão carregadas e que
acabam por dar outros sentidos ao nosso pensamento.
"Cuidado!", exclamou Raquel. "O que é?
Até me assustaste.", disse Joaquim. O professor
concluía por fim que não podemos separar o nosso
pensamento da linguagem, a sua expressão. Raquel estava
mesmo irritada, foi por um triz que evitou que o
colega lhe partisse a Bessie. "Ela pretende
dedicar-se à veterinária, daí a colecção ...de
gado", dizia com um ar trocista Miguel. "Veterinária
ou pecuária?", perguntava, a rir-se, Joaquim.
"Nem uma coisa nem outra. O que a move é a pura
ganância: acumular sempre mais e mais riqueza,
sempre mais e mais animais". António, virou-se
para trás dizendo: "Afinal do que é que estão
para aí a falar?". Sublinhando uma frase no
livro, o professor, repetia: "Reduzir o papel da
linguagem às funções externas da comunicação é
ter uma visão muito limitada, insuficiente e
incorrecta. É na linguagem, ou melhor, na articulação
das palavras/conceitos em proposições/juízos,
coerentemente conduzidos, que tem lugar o pensar. O
pensamento é o discorrer da razão na própria
linguagem verbal articulada. O pensamento e discurso
podem, de algum modo, tomar-se como sinónimos, como
veremos em maior detalhe na próxima aula".
Raquel resolveu esclarecer o colega, dizendo-lhe:
"Não ligues, eles estão a falar da minha
Bassie". Espantado com a resposta, António
perguntou: "Mas qual Bessie?".
Carlos Fontes