
Convento
da Mafra Religião
Na camioneta, àquela hora, quase todos
ainda dormitavam. Apenas a professora de português não
parava de mexer nos seus apontamentos sobre o mosteiro. A visita em princípio seria guiada, por
um seu antigo colega de filosofia que conhecera em Tomar, e que estava há já bastantes anos a residir
em Mafra. Mesmo em frente da Igreja, lá estava ele, impondo-se naquele cenário pela sua singular figura.
A saída da camioneta foi lenta, pois todos se haviam preparado para ouvir.
O Senhor X, ninguém lhe fixou o nome,
colocando-se perpendicularmente à entrada da Igreja, começou por perguntar pelo número de aberturas que
àquele nível descobriam na fachada. "Sete",afirmou Nuno, num tom que revelava algum enfado. O
Senhor Mistério com um ar grave, afirmou: "Retenham
este número, poís ele não é apenas o símbolo da criação, mas também a chave dos segredos desta
Obra.". Os olhares cruzaram-se, num misto de perplexidade e de dúvida quanto às capacidades
intelectuais do guia. Sossegaram quando este afirmou que a primeira pedra fora colocada, num ritual de
inspiração maçónica, a 17 de Novembro de 1717. Como se viesse dos abismos, perguntou se sabiam por
quem. A resposta era tão óbvia que ninguém respondeu. Riram, pensando na promessa do Rei,
narrada por Saramago, e que haviam comentado nas aulas. Como se já não esperasse qualquer resposta
este mandou que contassem o número de janelas existentes no piso superior. "Claro que são 5,
como 5º. foi o monarca de nome João que a colocou,e 5º era o Império que muitos esperavam que se construísse, como havia profetizado o Padre António
Vieira". Pedro olhava para a professora, suplicando
um sinal que lhe permitisse compreender o que estava
a acontecer. Esta, sem saber o que fazer, ouvia. Nuno,
após uma demorada operação mental, parecia ter
descoberto um novo universo, quando revelou que na
data da fundação existiam também 5 uns. "Nada
acontece ao acaso, é preciso descobrir o sentido último
das coisas. Só libertando-nos da imperfeição
podemos ascender à Perfeição", afirmava numa
voz enigmática o nosso mestre. A reacção foi
todavia estranha, todos olharam à volta, procurando
descobrir onde se encontrava a perfeição. "A
perfeição não está nos quatro elementos,
simbolizados na forma quadrangular deste edifício,
mas sim numa outra dimensão que o transcende. O
tempo de a contemplarmos ainda não chegou."
Esta frase teve o condão de evocar na cabeça de
Nuno os discursos que já ouvira sobre a precaridade
da condição humana face à imensidade do universo,
o desconhecido, ou a eternidade divina. Crédulo como
nunca, perguntou a medo: "Quando chegará esse
tempo ?". Revelando possuir todos os segredos
deste e outros mundos, o nosso mestre, apontou para o
topo da Igreja e disse: " O triângulo que
contemplais, simboliza não apenas a eternidade, mas
cada um dos seus lados uma Idade do Mundo. Já
tivemos a Idade do Pai, a do Filho, falta-nos a do
Espírito Santo, a das professias: a seu tempo chegará".
A visita continuou. Tiago permanecia
irredutível na sua crença materialista da realidade.
Nuno descobria a cada passo sinais do sagrado, que só
os iniciados podiam entender. A Leandra, perguntava-se
a cada passo "E se...", mas nada concluindo.
Rogério, atento, ouvia mais uma "teoria"
para aquilo que afirmava que ninguém sabia nada, nem
jamais saberíamos algo de concreto. A professora,
pensava no almoço no Jardim do Cerco, e se lhe faltaria alguma coisa. Carlos Fontes
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