Estava entretido a retirar ervas de um
canteiro na escola , e eís que ouço a voz do Luís.
Lá estava ele negando aquilo que considerava serem
"ficções castradoras". "A sociedade
é uma ficção, o que existem são indivíduos,
todos únicos. Inventou-se esta abstracção para
negar as suas diferenças e permitir que os políticos,
em nome dos interesses da sociedade usem o poder
repressivo do Estado para nos imporem as suas ideias".
Confesso que ao ouvi-lo, me recordei de Lucian
Gregory, o poeta ruivo, em O
Homem que era 5ª. Feira, do
genial escritor inglês G.K. Chesterton. Ainda me
ecoavam na cabeça as suas palavras:" "Um
artista é um anarquista. As duas palavras equivalem-se.
Um anarquista é um artista", para depois
afirmar que "Um artista desrespeita todos os
governos, suprime todas as convenções.", para
concluir: "um poeta só na desordem se sente bem.
Se não fosse assim, o metropolitano seria a coisa
mais poética do Mundo". Quando li esta passagem
fiquei com a ideia que os anarquistas, tal como os
poetas, tanto faz para o caso, acham o metropolitano
demasiado ordeiro, e por isso o detestam. Luís
justamente explicava que a palavra anarquia,
significava ausência de poder, isto é, o anarquismo
enquanto teoria política nega todas as dicotomias
sociais que se traduzam na existência de senhores /
escravos, dirigentes / dirigidos, representantes /
representados. A partir daqui contestam também a
separação entre criadores e espectadores. Para o Luís
há algo de tirânico nesta separação; não havia
coisa mais triste que uma orquestra: um manda (o
maestro), os outros executam (os restantes músicos).
Ao ouvir estas palavras recordei-me de Willian
Goldwin (1755-1836) e da tristeza que lhe transmitam
todos os músicos perante uma partitura que não
haviam criado. Sem citar o poeta Lautreamont (1846-1876)
afirmava que "a poesia deve ser feita por todos".
A sua concepção da organização da sociedade, sem
subordinações de qualquer espécie, assentava na
livre e espontânea associação de seres únicos que
na sua infinita diversidade se auto-organizam. Era de
facto uma construção interessante para pensar a
organização política da sociedade. Luís, pelo
entusiasmo que colocava nas palavras parecia acreditar ser a única. Outros, na sua infinita
diversidade pensariam certamente que seriam outras as ideias políticas mais adequadas. Eu, naquele momento,
apenas queria ter ali à mão uma enxada para arrancar um cardo.
Carlos Fontes