Navegando na Filosofia - Carlos Fontes

Voltar

 

Breve História da Lógica

Período Clássico | Período Moderno  | Período Contemporâneo

 

Período Clássico (Século IV a.C ao Século XIX)

 

Lógica Aristotélica

O estudo das condições em que podemos afirmar que um dado raciocínio é correcto, foi desenvolvido por filosófos como Parménides e Platão. Mas foi Aristóteles quem o sistematizou e definiu a lógica como a conhecemos, constituindo-a como uma ciência autónoma. Falar de Lógica durante séculos, era o mesmo que falar da lógica aristotélica. Apesar dos enormes avanços da lógica, sobretudo a partir do século XIX, a matriz aristotélica persiste até aos nossos dias. 

No século XVI os problemas que diziam respeito à sistematização do conhecimento científico designavam-se por "lógica menor" e no século XIX, por "lógica formal". Os problemas que diziam respeito à verdade dos juízos constituíram o objecto do que se chamou no século XVI  "lógica maior", e no século XIX por "lógica material". 

Os principais escritos de Aristótoles sobre lógica, foram reunidos pelos seus continuadores após a sua morte, numa obra a que deram o nome de "Organun", e que significa "Instrumento da Ciência".

 

O Organon está dividido nas seguintes partes:

 

Categorias ( escritos sobre a teoria dos tipos, isto é, uma teoria na qual os objectos são classificados de acordo com o que se pode dizer significativamente acerca deles).

Tópicos (escritos para orientar todos aqueles que tomam parte em competições públicas de dialéctica ou discussão )

Refutações dos Sofistas.

Interpretação (escritos sobre os juízos)

Primeiros Analíticos (escritos sobre o silogismo em geral)

Segundos Analíticos (escritos sobre a demonstração)

 

Foram múltiplas as contribuições de Aristotóles para a criação e desenvolvimento da lógica como a conhecemos. Entre outras, devem-se-lhe as seguintes contribuições: 

- A separação da validade formal do pensamento e do discurso da sua verdade material.

- A identificação dos conceitos básicos da lógica.

- A introdução de letras mudas para denotar os termos.

- A criação de termos fundamentais para analisar a lógica do discurso: "Válido", "Não Válido", "Contraditório", "Universal", "Particular".

A lógica de Aristóteles tinha um objectivo eminentemente metodologico. Tratava-se de mostrar o caminho correcto para a investigação, o conhecimento e a demonstração científicas. O método científico que ele preconizava assentava  nos seguintes fases: 1. Observação de fenómenos particulares; 2. Intuição dos princípios gerais (universais) a que os mesmos obedeciam; 3. Dedução a partir deles das causas dos fenómenos particulares. Aristóteles estava convencido que se estes princípios gerais fossem adequadamente formulados, e as suas consequências correctamente deduzidas, as explicações só poderiam ser verdadeiras.     

Apesar dos enorme avanços que produziu, a lógica aristotélica, tinha enormes limitações que se revelaram mais tarde, verdadeiros obstáculos para o avanço da ciência.

- Assentava no uso da linguagem natural, e portanto, estava muitas vezes enredada na confusões sobre o sentido das palavras.

- Atribuiu uma enorme importância ao estudo dos 256 modos do silogismo e à consideração de enunciados que continham exactamente dois termos. Os seus continuadores, acabaram por reduzir a lógica ao silogismo.

Ainda na antiguidade clássica são de referir os notáveis contributos para a lógica formal devida aos estoicos 

 

Lógica Medieval

Durante a Idade Média, em especial durante o florescimento da escolástica (séculos XIII a XV)  foram realizados notáveis progressos na lógica aristotélica. A lógica tornou-se mais sistemática e progressiva. São de salientar os contributos de Duns Escoto, Guilherme de Occam, Alberto da Saxónia e Raimundo Lúlio.Este último concebeu o projecto de mecanização da lógica dedutiva, ideia mais tarde desenvolvida por Leibniz.. É neste período que o português Pedro Hispano escreve a  "Summulae Logicals", o tratado de lógica mais difundido em toda a Europa até ao século XVI .

A lógica foi durante a Idade Média era entendida como a "ciência de todas as ciências". Competia-lhe validar os actos da razão humana na procura da Verdade.  De acordo com o pensamento corrente no tempo, o saber científico tinha que obedecer à lógica formal. A partir de um conjunto de princípios universais admitidos como verdadeiros, por um processo  dedutivo procurava-se encontrar a explicação para todos os fenómenos particulares. Embora este método fosse igualmente preconizado por Aristóteles, na Idade Média deu-se uma enorme importância  à dedução, desvalorizando-se por completo a indução na descoberta científica. Este facto teve como consequência ter-se cortado com a base empírica da investigação. 

 

Crítica à Lógica Aristotélica

A partir do século XVI a lógica aristotélica começa a ser questionada. Os métodos dedutivos que a mesma preconizava para a investigação científica, começam a ser postos em causa, com o chamado a ciência experimental. A partir do particular os cientistas procuram agora atingir o universal, e não o contrário, como preconizava a lógica aristotélica. Rompeu-se assim com os estudos seculares da lógica dedutiva e procurou-se fundamentar as regras do raciocínio indutivo. A lógica formal entra num período de descrédito, devido às criticas de filósofos como Francis Bacon (1561-1626) e R. Descartes (1596-1650).

A principal obra de F. Bacon -Novo Organon- , indica desde logo a sua intenção de substituir o organon aristotélico. Tratava-se de criar um novo método de investigação científica- o método indutivo-experimental. A principal contribuição está no facto de ter valorizado o papel da indução. A investigação científica devidamente conduzida era uma ascensão gradual indutiva, desde as correlações de baixo grau de generalidade até às de maior nível de generalidade. 

 

 

Período Moderno (Século XIX a princípios do século XX)

 

 

Leibniz

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) ocupa um lugar especial na história da lógica. Este filosofo procurou aplicar à lógica o modelo de calculo algébrica da sua época. Esta é concebida como um conjunto de operações dedutivas de natureza mecânica onde são utilizados símbolos técnicos. Era sua intenção submeter a estes cálculos algébricos a  totalidade do conhecimento científico. Na sua obra Dissertação da Arte Combinatória, apresenta os princípios desta nova lógica:

- Criação de uma nova língua, com notação universal e artificial

- Fazer o inventário das ideias simples e simbolizá-las de modo a obter um "alfabeto dos pensamentos" simples expressos em caracteres elementares.

- Produzir ideias compostas combinando estes caracteres elementares.

- Estabelecer técnicas de raciocínio automatizáveis, de modo a substituir o pensamento e a intuição, por um cálculo de signos.

O raciocínio torna-se, neste projecto de Leibniz, um cálculo susceptível de ser efectuado por uma máquina organizada para o efeito. Esta ideia irá inspirar até aos nossos dias não apenas o desenvolvimento da lógica, mas a criação de máquinas inteligentes.     

 

A Criação da Lógica Matemática

Em meados do século XIX, opera-se na lógica uma verdadeira revolução. Diversos investigadores de formação matemática, irão conceber, não apenas uma nova linguagem simbólica, mas também  uma forma de transformar a lógica numa algebra. A lógica passou a ser vista como um calculo, tal como a algebra, visto que mabas se fundam nas leis do pensamento humano. Os enunciados seriam atemporais, à semelhança das proposições matemáticas.

É atribuido a George Boole (1815-1864) a criação da lógica matemática. Na sua obra "Mathematical Analysis of  Logic", publicada em 1847, a lógica foi pela primeira vez de uma forma consistente tratada como um calculo de signos algébricos. Esta algebra booleana será fundamental para o desenho dos circuitos nos computadores electrónicos modernos. É ainda a base da teoria dos conjuntos. Outras das suas contribuições decisivas foi ter acabado com as restrições impostas à lógica desde Aristóteles, afirmando que existia uma infinidade de raciocínios válidos e uma infinidade de raciocínios não válidos. Ernest Schroder (1890-1895), nas suas "Lições sobre a algebra lógica" deu a forma acabada à logica de Boole

No final do século XIX os estudos da lógica matemática deram passos gigantescos, no sentido da formalização dos conceitos e processos demonstrativos. Entre os matemáticos e filósofos que mais contribuíram para os avanços destacam-se Gottlob Frege, Peano, B. Russell, Alfred N. Witehead  e David Hilbert. É nesta fase que são criados os seguintes sistemas lógicos: o calculo proposicional e o cálculo de predicados. 

Frege (1848-1925), cujas obras principais datam de 1879 e 1893, o primeiro a apresentar o calculo proposicional na sua forma moderna. Introduziu a função proposicional, o uso de quantificadores e a formação de regras de inferência primitivas. Procurou em sintese criar todo um sistema capaz de sistema capaz de transformar em raciocínios dedutivos todas as demonstrações matemáticas. Para isso todas as demonstrações foram traduzidas num vocabulário fixo- um certo conjunto de modos de tradução. Nesta notação, a construção de cada frase, o seu significado, e o modo como no raciocínio se deduziam os novos passos a partir dos anteriores, tudo devia de ser devidamente explicitado. Com Frege passa-se da algebra da lógica (matematização do pensamento) à logística (logicização das matemáticas) e mesmo ao logicismo (redução das matemáticas à lógica).

A lógica matemática caracteriza-se por ter construído uma linguagem artificial, simbólica, para representar o pensamento de uma forma unívoca. Cada signo possui apenas com um único significado.

Esta linguagem possui as seguintes propriedades:

- Não exige qualquer tradução numa linguagem natural

- A escrita é  ideográfica ( não fonética). As ideias são representadas por sinais

- A forma gramatical é substituída pela forma lógica  

Giuseppe Peano (1858-1932) desenvolve o sistema de  notação empregue pelos lógicos e matemáticos. Peano demonstrou igualmente que os enunciados matemáticos não são obtidos por intuição, mas sim deduzidos a partir de premissas.  

Bertrand Russel (1872-1970)  procura desenvolver o projecto do logicismo, isto é, a redução das matemáticas à lógica. Na sua volumosa obra "Principia Mathematica" (1910-1913), escrita em colaboração com Whitehead, tornou-se na obra de referência da lógica matemática. 

Após estas contribuições decisivas, os lógicos acabaram por se dividir quanto às relações entre a lógica e a matemática, tendo surgido três escolas:

- Os logiscistas, que defendiam que a lógica era um ramo da matemática.

- Os formalistas, que defendia que ambas as ciências eram independentes, mas formalizadas ao mesmo tempo.

- Os intuicionistas, para os quais a lógica era um derivado da matemática porque era axiomatizada.

 

 

 Período Contemporâneo (Inícios do século XX até aos nossos dias)

 

 

Expansão dos Estudos da Lógica 

Ao longo do século XX assistiu-se por um lado à generalização e diversificação dos estudos da lógica matemática, atingindo um elevado grau de formalização. A lógica possui actualmente um sistema completo de símbolos e regras de combinação de símbolos para obter conclusões válidas. Este facto tornou-a particularmente adaptada a ser aplicada à concepção de máquinas  inteligentes. 

 

Aplicações da Lógica

A ideia de criar máquinas inteligentes não é nova. Desde o Renascimento que se tem procurado de forma sistemática conceber máquinas capazes de substituirem o homem em certas tarefas.

Foi no século XVII que começou uma sucessão de notáveis investigações e invenções que iriam conduzir à inteligência artificial. As ideias filosóficas do tempo estimulavam estas descobertas. René Descartes, por exemplo, criou  uma nova visão mecânica do Universo, inspirada no modelo de um relógio. As plantas como os animais eram simples máquinas criadas para executarem funções muito precisas. Se o corpo humano era uma máquina, já a razão fazia operações que as máquinas não conseguiam, como a elaboração de cálculos matemáticos. Apesar disso, neste século apareceram as primeiras máquinas de calcular. 

 

Blaise Pascal, em 1642, inventa a primeira máquina de somar. 

Leibniz, em 1694, inventa uma calculadora que para além de somar, subtrair, podia multiplicar, dividir e extrair raízes quadradas.

No século XVIII a visão  mecânica do universo é acompanhada por uma verdadeira paixão pelas máquinas, sobretudo aquelas que fossem capazes de substituir o homem na realização de múltiplas tarefas físicas, mas também em operações mentais. Esta visão mecanicista é particularmente notória na obra de La Mettrie (1709-1751), médico e filósofo. Após ter estudado as relações entre as faculdades mentais e os fenómenos corporais defendia que o pensamento era um produto da matéria cerebral. As mesmas leis que regiam a matéria regiam o pensamento. O mecanicismo predominava na filosofia. Não é por casso que este tenha sido também o século da Revolução Industrial.

No século XIX, as ligações entre a lógica e a matemática vieram a demonstrar a possibilidade de conceber as operações mentais como simples cálculos, susceptíveis de serem executados por máquinas. A ideia vinha sendo explorada, como vimos, no domínio da tecnologia. Charles Babbage, em meados do século irá conceber uma máquina analítica, cujas características antecipam os actuais computadores. No censo da população da Grã-Bretenha, em 1890,  Herman Hollerith, concebe uma máquina que utiliza cartões perfurados (utilizados desde 1801, em teares mecânicos, por Jacquard). Esta máquina era capaz de separar, contar e catalogar os dados recolhidos.

.

Charles Barbbage (1792 - 1871), concebeu, em 1834, uma "máquina analítica" que podia ser programada, utilizando cartões prefurados. Ela seria capaz de solucionar problemas matemáticos complexos, envolvendo uma série de cálculos independentes. Esta máquina tinha cinco características comuns aos actuais computadores:

1. Um mecanismo de entrada de dados (input), para fornecer à maquina a  informação necessária para equocionar e resolver  os problemas.

2. Uma memória para armazenar a informação.

3. Uma unidade de matemática para efectuar cálculos.

4. Uma unidade de controlo para indicar à máquina quando devia utilizar a informação armazenada.

5. Uma unidade de saída de dados (output), para fornecer a resposta impressa.

 Apesar dos notáveis avanços teóricos, a maquina de Barbbage nunca passou de um projecto. A ideia contudo, inspirou muitos dos inventos posteriores.

É interessante constatar que em 1991, o Museu da Ciência de Londres, tenha construído, segundo os planos originais, uma calculadora projectada por Barbbage entre 1847 e 1848. A máquina não funcionou de forma perfeita. O peso é que era elevado: 3 toneladas! 

No século XX, os inventores de máquinas inteligentes tinham ao seu dispor uma ferramenta fundamental: uma lógica amplamente formalizada. As operações lógicas elementares foram rapidamente aplicadas nas novas máquinas. O primeiro computador totalmente automático, o IBM-Havard Mark 1, só se concretizou em 1944. Dois anos depois, Eckert e Mauchly apresentam o ENIAC, um computador totalmente electrónico. Em 1950, entra em funcionamento o EDVAC, concebido  entre outros, por Von Neumann. Este computador tinha duas caracteristicas que se tornaram comuns aos futuros computadores: os programas memorizados e o sistema numérico binário (criado pelo matemático e lógico G. Boole).Os primeiros circuitos integrados práticos datam de 1959. Os microprocessadores foram inventados em 1969, no ano em que surgia a Internet. Começava então  a revolução dos computadores.

Cibernética   

A cibernética tem a sua origem nos anos trinta do século XX. A comunidade científica e filosófica debatia então com grande entusiasmo a questão das novas máquinas. Entre os que participavam nesses debates destacavam-se A. Rosenbluth (especialista em fisiologia nervosa) e Norbert Wiener (matemático que se dedicava à construção de máquinas electrónicas). Este último estava convencido que os sistemas de comunicação dos animais eram semelhantes aos de uma máquina. Wiener teve então a ideia de criar uma ciência interdisciplinar para o estudo dos sistemas de controlo e comunicação nos animais e nas máquinas (como se organizam, regulam, reproduzem, evoluem e aprendem). Um dos ramos mais importantes desta ciência tem sido a robótica- estudo e construção de máquinas inteligentes.

Informática

O desenvolvimento dos computadores acabou conduzir à criação de uma nova ciência aplicada, a informática. Esta ciência dedica-se ao estudo do tratamento automático da informação que é fornecida a uma máquina a partir do meio exterior.

Inteligência  Artificial

O desenvolvimento dos computadores acabou por impulsionar o aparecimento de uma nova ciência nos anos cinquenta,  a inteligência artificial. Esta ciência aplicada dedica-se ao estudo  da construção de máquinas capazes de simularem actividades mentais, tais como a aprendizagem por experiência, resolução de problemas, tomada de decisões, reconhecimento de formas e compreensão da linguagem. As linhas de investigação são essencialmente três: simulação das funções superiores da inteligência; modelização das funções cerebrais, explorando dados da anatomia, fisiologia ou até  da biologia molecular; reprodução da arquitectura neuronal de um cérebro humano, de forma a produzir numa máquina condutas inteligentes.

Consequências

Perante a enorme capacidade destas máquinas para armazenarem e tratarem a informação, desde os anos quarenta que se coloca a questão das suas consequências para a sociedade, nomeadamente pelo poder que conferem os grupos de individuos que controlem esta informação. Mas essa é outra questão que discutiremos noutro lugar.

 

Carlos Fontes

Carlos Fontes

Referências Históricas

 10º Ano - Programa de Filosofia n

Navegando na Filosofia