Orlando tinha a respeito de Maria a pior
das ideias. A primeira vez que a viu achou-a logo
antipática. Não sabia bem porquê. Talvez fosse o
modo como sorria, que lhe lembrava uma prima que detestava. Nas raras vezes que lhe falou encontrou
sempre motivos para reforçar as suas convicções.
Um dia quando deixara cair os livros á entrada das
aulas, pareceu vê-la sorrir enquanto conversava com
as amigas. Terá olhado de modo indiferente e
continuado a conversa. Este episódio foi o bastante
para manifestar junto de Edgar os sentimentos que por
ela nutria. Como este afirmava, a sua experiência
com as louras, tinha-lhe ensinado que eram todas traiçoeiras.
A partir daqui não tinha dúvidas em concluir que
uma vez que Maria era loura, Orlando estava cheio de
razão. Quando Maria entregou a Orlando, na véspera,
as fotocópias das aulas de filosofia, este recebeu-as,
agradeceu, mas nada de conversas. Sabe-se lá o que
estaria a tramar. Eduardo nem queria acreditar nas
palavras que escutava. Esforçou-se em vão por
demonstrar o contrário. Orlando na sua opinião
estava cheio de "macaquinhos" na cabeça. Intimamente estava convencido que tinha tido experiências
de vida dramáticas que o levavam agora a antipatizar
com todos, a sentir-se um rejeitado, daí a sua tendência
para se afastar-se dos colegas. Ali estava uma caso
que confirmava o que estudar numa aula que era a
partir das nossas vivências e experiências de vida
que vemos e interpretamos as coisas. É certo que não
a conhecia pessoalmente, mas isso não o impedia de
ter também ideias sobre o seu carácter. A sua irmã
falou-lhe dela com apreço: ajudara-a a compreender
em química as reacções endotérmicas e as reacções exotérmicas. Um facto confirmava esta sua impressão:
apesar de já não andar na mesma escola, não
deixava de convidar a sua irmã para os anos. Que se
lembrasse nenhuma das que a abandonou o fez. Orlando
ripostava, que ele a conhecia, convivera com ela,
Eduardo não. Este afirmava que não era preciso
contactar directamente com as coisas para saber o que
elas são. Podemos, por exemplo, sentir através da
televisão o que é o horror de uma guerra, sem
estarmos lá a viver as suas funestas consequências.
Fazendo gala dos seus conhecimentos de filosofia,
afirmou que Orlando parecia desconhecer que as experiências
também podem ser indirectas, e que ambas as experiências
são fontes de saber, mas para que haja saber é
preciso pensar. Não basta viver. A conversa
continuou, acrescentado cada um novos argumentos às
suas posições iniciais. A verdade é que quem
ouvisse as descrições que ambos faziam de Maria
dificilmente pensaria tratar-se da mesma pessoa.
Carlos Fontes