Filosofias
A reunião semanal do Clube de
Cinema, estava, como era habitual, a decorrer de forma intempestiva.
O Tiago sustentava que a "filosofia
do clube", vinha sendo subvertida com a exibição dos
últimos filmes. Embora tivessem obtido um grande sucesso na escola,
não deixavam de transmitir de forma implícita modelos de
comportamento irresponsáveis e agressivos, em desacordo com os
objectivos e a programação anterior do Clube. Era esta a sua
opinião, como fez questão de dizer.
Manuel, que se considerava um
"especialista" em Filosofia, embora as notas não o
confirmassem, ergueu os olhos, abriu a boca e disse: "Onde
está a Filosofia?. A actuação deste Clube tem sido marcada pelas
respostas imediatistas. Nunca aqui aconteceu uma verdadeira
reflexão, onde fossem discutidas as questões essenciais de
qualquer filosofia: Qual o sentido da vida humana? Há vida depois
da morte ? O que é a verdade ? A galhofa foi total. " Não
estás numa aula de Filosofia, além disso existem outras
concepções filosóficas, não apenas essa.", disse Orlando,
dirigindo-se para Manuel.
Alimentado a confusão instalada,
Miguel, comparou a Filosofia a uma enorme comichão. "Quando
tens comichão, coças-te. Ora, quanto mais o fazes, mais esta
aumenta. Assim é a Filosofia. Primeiro tens uma simples
curiosidade, mas logo que fazes uma pergunta, não tarda que a tua
curiosidade aumente. Se caíres no erro de continuares a fazer
perguntas, acabas por não aceitar nenhuma resposta, e não paras
de te interrogar". Numa manifestação de sapiência, afirmou
que lera esta brilhante conclusão, na obra de um ajudante de
jardineiro, que por acaso era tido como um dos maiores filósofos do
século XX.
Pedro aproveitou a ocasião para
recolher material para mais um seus "desenhos cósmicos".
Uma espécie de síntese gráfica das ideias dos seus colegas.
Conforme explicava ao Orlando, naquela construção esotérica de
riscos e palavras, estava uma visão consistente do mundo, não
feita de saberes pontuais e desligados, mas ordenados de um modo
sistemático. A caótica discussão que ocorria naquela sala, à luz
desta concepção global, parecia até fazer sentido. Todas as
ideias se articulavam entre si, num modo coerente, como as peças de
um puzzle. A Orlando, lembrava-lhe certas filosofias.
O Luís, sempre disposto a
discordar de tudo, afirmou que se a Filosofia era uma actividade
racional, não devia servir para criar problemas, mas sim para os
desfazer." Tinha para si que grande parte dos problemas da
humanidade, eram acima de tudo resultado de confusões linguísticas
provocadas por pessoas ignorantes, que acreditavam nas palavras como
se fossem coisas. A confusão naquela sala resultava acima de tudo,
do modo como a linguagem era usada. A filosofia era pois uma
espécie de medicina da linguagem, procurando eliminar os seus usos
incorrectos
Depois destas palavras fez-se um
profundo silêncio na sala, Tiago, muito nervoso correu para a
porta, mas esta estava fechada. A salvação estava na Sofia (em
grego, significa sabedoria), era ela a única que tinha a chave. Nunca a Sofia fora tão
desejada, pelo seu grande amigo (filo, em grego).
Carlos Fontes
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