Navegando na Filosofia. Carlos Fontes

 

Curso de Educação Para a Cidadania

Formação Cívica

 

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Marcos Históricos da Cidadania em Portugal  - I

( Direitos Políticos)

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A ideia que todos os cidadãos possuem os mesmos direitos foi a bandeira dos liberais na sua luta contra os regimes absolutistas. Os liberais no século XVIII, assumiram-na como um princípio essencial da própria cidadania, propondo-se estabelecer regimes constitucionais que garantissem os direitos individuais, assim como a transferência do poder do monarca para a colectividade ( ou para grupos sociais em condições de falar em nome de todos). Instaurou-se desta forma os governos representativos, legitimados periodicamente através de eleições.  

 A verdade é que mal conquistavam o poder,  começavam de imediato a estabelecer restrições aos direitos políticos dos cidadãos. Quem tinha direito de votar?   A partida nem todos os homens e mulheres. As limitações do sufrágio eram várias, destacando-se as seguintes: 

-  Os cidadãos tinham que ter certos rendimentos ( sufrágio censitário);  

- Os cidadão tinham que ser do sexo masculino (sufrágio sexual);

- Os cidadãos não podiam ser analfabetos (sufrágio capacitário);

- Os cidadãos tinham que ter uma idade superior à maioridade legal (sufrágio etário).

Neste panorama o sufrágio universal era uma pura miragem. A esmagadora maioria dos eleitores nos países europeus não participava na escolha dos deputados, muito menos dos governos. O século XIX e XIX foi marcado por este problema de fundo: a pouca representatividade dos políticos.  As limitações impostas à consulta dos cidadãos era um dos expedientes então usados para se manterem no poder. Portugal não é excepção a este respeito, confirma aliás a regra. 

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Portugal

1820- 1910: Liberais e Absolutistas. Monarquia Liberal

Á semelhança do que acontecia em outros países europeus, a questão da igualdade de direitos, é o grande argumento dos liberais na sua luta contra o absolutismo. 

A revolução liberal de 1820 (24 de Agosto no Porto e 15 de Setembro em Lisboa), constitui um marco na história da cidadania em Portugal. As promessas dos liberais rapidamente se tornaram numa desilusão. Nas eleições de Dezembro de 1820 para a elaboração de um nova constituição, é desde logo adoptado um sistema eleitoral indirecto: o "povo" escolhia os eleitores e estes depois escolhiam os deputados. A esmagadora maioria da população foi excluída deste sufrágio: mulheres, pessoas com poucos rendimentos, etc. Apenas um pequeno grupo de cidadãos podia ser eleito deputado. A Constituição aprovada 1822 estava longe de reflectir a composição da sociedade portuguesa.  A falta de representatividade do novo regime acaba por ser explorada pelos absolutistas, conduzindo o país para uma guerra civil (1828-1834).

O comum dos cidadãos sentia-se defraudado com a organização política do país e não se identificava com os seus representantes. É neste contexto que em 1826,  D. Pedro IV, autorga uma Carta Constitucional à semelhança do que ocorrera em França e no Brasil. A Carta que reforça as restrições anteriores irá manter-se até ao fim da monarquia, em 1910, embora com várias modificações. Facto que acabará por conduzir ao crescente descrédito do próprio regime monárquico.   

Entre as alterações introduzidas no regulamento das eleições, destaca-se as de 1852, consagrando-se o princípios do parlamentarismo. As eleições continuavam a ser indirectas e muito restritivas. Os que podiam ser eleitos deputados deveriam ter uma renda anual mínima de 400$00 réis, o que para o tempo era uma soma considerável.

Registou-se na segunda metade do século XIX, um número crescente de  eleitores recenseados: em 1864 era inferior a 10% da população total, subindo para 18% em 1878 e atingindo o valor mais alto durante a monarquia 1890, com 19%. Mas por volta de 1910, quando a influência republicana era significativa, este valor andava à volta de 11%. O número dos exerciam o seu direito de voto muitíssimo inferior. Por todas estas razões compreende-se a quase nula representatividade das Cortes (Parlamento) e dos sucessivos governos monárquicos. Este facto impulsionou o Partido Republicano, que defendia o sufrágio universal.          

Os partidos políticos que se formaram ao longo do século XIX, com excepção do Partido Republicano e do Partido Socialista, eram todos monárquicos. Os principais partidos eram verdadeiras máquinas clientelares, alternando-se no poder até ao fim do regime.  

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1910-1926: 1ª. República

A implantação da República a 5 de Outubro de 1910, representou uma grande esperança na instauração de um regime amplamente participado. Recorde-se que os republicanos haviam denunciado vezes sem conta as fraudes e manobras eleitorais dos partidos monárquicos, atribuindo aos mesmos o afastamento da maioria da população do exercício da cidadania. Com a implantação da República estava nas suas mãos alterar o sistema tornado-o mais democrático.

A lei eleitoral republicana, aprovada a 14 de Maio de 1911, constituiu uma enorme desilusão, pois limitava ainda mais a participação dos cidadãos na vida política. A lei conferia o voto apenas aos cidadãos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever ou que fossem chefes de família há mais de um ano. O código eleitoral de 1913, excluía do direito de voto os chefes de família analfabetos e os militares no activo. Durante a ditadura de Sidónio Pais (1918), os analfabetos voltaram a poder votar. Finda a ditadura voltaram a ser excluídos. 

O colégio eleitoral da 1ª. República era limitadíssimo, sendo mesmo inferior ao existente na monarquia  Em 1910 haviam  850 mil eleitores recenseados, em 1913 apenas 400 mil. O número subiu para 471 em 1915, até atingir um total de 574.280 eleitores em 1925 (Em 1890, recorde-se, haviam sido recenseados 900 mil eleitores ). Para agravar esta situação, a abstenção era elevadíssima (40% em 1915. 30% em 1925). 

Instalados no poder, os republicanos passaram a combater o próprio sufrágio universal, continuando a negar o direito de voto às mulheres. O sistema eleitoral criado pelo Partido Republicano servia apenas para manter no poder as suas clientelas partidárias.  

Durante 16 anos, os republicanos impediram sob diversas formas o aumento da participação cívica da população portuguesa. Facto que acabou por minar a sua base social de apoio, dado que muito poucos eram os que se sentiam representados no Parlamento ou no Governo, contribuindo para popularizar os regimes ditatoriais. A 1ª República, como já havia acontecido com a Monarquia, cavou o seu próprio fim ao afastar-se dos cidadãos.

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1926-1974: Ditadura ( 2ª. República )

A Ditadura que é implantada, na sequência de um golpe militar a 28 de Maio de 1926, não tardou a explorar a questão do sufrágio universal como uma forma de legitimação. A sua medida mais significativa ocorreu em 1931, quando de forma mitigada foi concedido pela primeira vez o direito de voto às mulheres. Em 1946 e 1968A acabou com alguns restrições ao direito de votos às  mulheres .

 É curioso constatar que muitas das práticas actuais usadas nos actos eleitorais tenham sido criadas durante a ditadura. Algo semelhante ocorreu no Brasil, durante a ditadura de Getúlio Vargas. 

As eleições durante a ditadura (autárquicas, legislativas e presidenciais) eram contudo, uma verdadeira farsa, dada a sua total manipulação. A ditadura condicionava não apenas a apresentação das listas dos candidatos da Oposição, mas também falseava os próprios resultados eleitorais. O número de eleitores recenseados continuou muito baixo

No dia 25 de Abril de 1974, a ditadura caiu sem qualquer base de apoio. Muito poucos foram os que saíram à rua para a defender, com excepção dos esbirros da polícia política.  

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1974-2005: 3ª. República

O regresso à Democracia, em Abril de 1974, foi marcado, em 1975, por uma nova lei eleitoral que consagrava sem restrições o sufrágio universal. 

Trinta e um anos depois, o sistema político português continua a revela graves problemas em termos de representatividade democrática. Continua a predominar no Estado português, uma cultura anti-democrática com séculos de existência, e que serviu para sustentar ideologicamente um vasto império colonial, mas também para justificar a exploração da população em nome do interesse nacional (consultar). Os sucessivos governos democráticos, desde 1974, quase sempre muito frágeis, nunca conseguiram romper com esta cultura. O resultado foi o reforço de uma estrutura política que não visa servir a população, mas manter os grupos privilegiados que dela se alimentam. Os contribuintes são sobrecarregados de impostos para pagar estruturas perdulárias e ineficazes na educação, saúde, justiça, autarquias, etc.  Esta é uma das razões porque a abstenção não pára de aumentar, minando os fundamentos do próprio regime. Problemas que tem sido apontados:

1.Partidos Fechados aos Cidadãos. Os partidos políticos, teoricamente expressões organizadas das correntes de opinião existentes numa sociedade, cabendo-lhes, entre outras coisas, escolherem, apresentarem e promoverem um conjunto de candidatos sobre os quais os cidadãos se prenunciam através do voto.  Acontece que os partidos se tornaram com o tempo em estruturas fechadas aos próprios cidadãos, funcionando segundo lógicas e interesses que neles predominam, olhando com crescente desconfiança para tudo o que lhes é exterior. As únicas ocasiões que se mostram mais abertos aos cidadãos é quando são confrontados com importantes quebras no número de votantes. Ora como não há democracia sem partidos, a maioria dos cidadãos acaba por se sentir profundamente condicionada na sua participação cívica pelos partidos que os representam. Este facto acaba por contribuir para o afastamento dos cidadãos da política.

2.Deputados Dependentes. A maioria dos deputados são figuras completamente desconhecidas da população e sem qualquer ligação com os cidadãos. Escolhidos pelos respectivos partidos, de acordo com as suas lógicas internas de poder, revelam uma completa falta de independência. Muitos nunca fizeram outra coisa na vida senão trabalhar para o partido, do qual dependente para poderem subsistir. Um dos melhores exemplos das consequências desta situação, está bem patente na forma como são usados nas próprias eleições. Muitos apresentam-se às mesmas como candidatos, mas depois por conveniências do próprio partido são obrigados a abandonar os cargos para os quais foram eleitos, num total desprezo pelos próprios eleitores .

4. Ausência de Princípios Éticos. Tornou-se normal ver membros do governo aparecerem com contas nos Bancos da Suiça, envolvidos no tráfico de influências ou a beneficiarem familares ou amigos. É também normal ver-se deputados servirem-se do seu estatuto de imunidade para se furtarem a prestar contas à justiça. Muitos foram já apontados como estando envolvidos em apropriações ilícitas no próprio parlamento  (viagens fantasmas, etc). Outros aparecem ligados a interesses estrangeiros. Estas situações acabaram por se repercutirem em toda a máquina do Estado, onde se tornou corrente verem-se altos funcionários servirem-se da sua posição para obterem privilégios especiais. Os princípios básicos de um regime democrático, como a igualdade, imparcialidade e transparência da coisa pública são desta forma esquecidos por aqueles que deviam de ser os seus garantes. A impunidade é total.  

5.Corrupção nas Autarquias. A situação política em muitas autarquias ultrapassa tudo o que é admissível num regime democrático. É hoje normalíssimo verem-se autarcas a usarem da coisa pública par seu benefício pessoal ou dos seus amigos. Exemplo: a acumulação de vencimentos em empresas municipais que eles próprios criarem. É "assustador" o número dos autarcas que estão envolvidos em casos de corrupção. Factos que revelam a ausência de um verdadeiro sistema de vigilância e controlo das autarquias, nomeadamente por parte dos cidadãos.    

6.Limitação de Mandatos. O regime constitucional consagrado em 1976, apenas limitava os mandatos dos presidentes da república. O resultado foi os mesmos eternizarem-se nas autarquias, nos governos regionais e até no parlamento, onde se instalaram apoiados em redes de cumplicidades e interesses obscuros.  

7. Democracia Limitada. Na organização política de Portugal, continuam a existir inúmeros cargos de enorme relevância política, como os governadores civis, cujos detentores não são eleitos.   

Ao longo de trinta e um anos de democracia muito poucas iniciativas tem sido tomadas para aumentar a participação dos cidadãos na vida política. Estas enormes deficiências do sistema político português, acabam por traduzir-se num enorme descrédito de muitas das instituições públicas, com as quais os cidadãos se sentem pouco ou nada identificados. O Parlamento, por exemplo, surge em todas as sondagens com uma apreciação sempre negativa. É evidente que a culpa deste estado de coisas não é apenas dos políticos, mas também dos cidadãos que ao demitirem-se da República apenas favorecem a mediocridade, a incompetência e a corrupção. 

Carlos Fontes

Navegando na Filosofia . Jornal da Praceta