A
sociedade deve adequar-se à natureza do homem
1. Na Antiga Grécia,
emergiram duas concepções fundamentais de pensar o homem e a sua
natureza no cosmos. A concepção mecanicista,
defendida pelos sofistas, mas também por Epicuro, separava as questões
do homem da natureza. Aquilo que determinava o agir humano era a
procura do prazer e o afastamento da dor. O comportamento humano era
assim marcado pela instabilidade destas motivações, dado que variava
em função dos objectos de desejo.
A concepção finalista,
defendida por Platão e Aristóteles, subordinava o homem ao cosmos. O
sentido da sua existência tinha que ser pensado no quadro da ordem
que reinava no cosmos. A acção humana orientava-se, de acordo com a
sua natureza, para o fim último para cujo cumprimento estava
orientada. Não se trata de saber o que leva o homem a agir, mas sim,
onde reside a sua perfeição ou plenitude das suas tendências
naturais.
Inspirando-se em Heraclito, Platão e
Aristóteles, os estóicos e outros filósofos desenvolveram a a noção
de lei natural. Esta lei governava o Cosmos e definia a natureza dos
homens e o seu lugar na hierarquia cósmica.
A concepção de Aristóteles sobre
natureza humana foi talvez aquela que maior repercussão teve no
pensamento ocidental. Cada espécie tem a sua própria natureza à
qual correspondem certas capacidades de actuação cujo fim é
precisamente realizar-se ou actualizar-se. O homem é por natureza um
ser social ("um animal político", Política,I,2), o mesmo
é dizer, por natureza tende a viver em comunidade e a constituir
formas de organização mais perfeitas, como o Estado. Identificar
estas tendências naturais é descobrir aquilo que o homem é por
natureza, assim como definir o comportamento que o mesmo tende a
adoptar.
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2.Os estóicos,
a partir do século III a.C., desenvolve uma ampla concepção de lei
natural deduzido da ordem que governa o mundo. Esta é de natureza
racional e pode ser conhecida pela razão humana. Os homens são
livres e iguais, cabendo-lhes escolher entre harmonizarem as suas acções
com a lei eterna, obtendo a felicidade. Ou, irem contra ela e serem
infelizes. Cícero (106-43 a.C), desenvolveu uma concepção de
direito natural que influenciou profundamente o direito natural
moderno.
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3.Os
romanos, na sua fase Imperial, desenvolveram o conceito de uma
natureza comum a todos os homens, e que pode ser conhecida por ratio
(razão), que só é património dos homens. Esta natureza
comum, torna-se no fundamento das próprias leis.
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4.O
Cristianismo, seguindo a tradição judaica, afirma que existe
apenas um único Deus, criador de todas as coisas. Deus criou não
apenas o mundo, mas definiu a lei que o governa. A lei natural
subordina-se à lei divina. Os homens são filhos de Deus e possuem
apenas uma única natureza, tendo sido criados à sua imagem e
semelhança. A natureza e todas as criaturas estão submetidas à lei
divina, e no caso destes também à lei moral.A sociedade medieval
estava estruturada segundo uma ordem hierárquica, que correspondia à
hierarquia que se podia observar na natureza. No topo estão os que
governam, seguidos do que a defendem e os que rezam, tendo na base os
que trabalham.
Santo Agostinho ( séc. IV-V ), defende
a existência de normas reguladoras da ordem universal, embora só
utilize a expressão "lei eterna" para se referir à lei
moral natural que se encontra gravada no coração de todos os homens.
A lei eterna manda conservar a ordem natural e proibe perturbá-la.As
leis temporais devem fundar-se nas leis eternas respeitando-as.
S. Tomás Aquino (séc.XIII), defende a
existência de uma lei universal que regula o comportamento de todos
os seres, incluindo o comportamento humano.O homem dada que é livre
está submetido também às leis morais, as quais na sua totalidade são
denominadas "lei natural". Seguindo uma concepção aristotélica
afirma que o ser humano, como qualquer ser, tem certas tendências
enraizadas na sua natureza.O homem distingue-se dos restantes animais
pela sua racionalidade, e por ser capaz de reconhecer as suas próprias
tendências naturais e de procurar adequar a sua conduta às mesmas. O
conteúdo da lei natural deduz-se as três grandes tendências
naturais: a) o ser humano tende a conservar a sua existência; b) a
procriar; d) a conhecer a verdade e a viver em sociedade.
Em S. Tomás Aquino encontramos a exigência
de submeter, as lei civis aos preceitos do direito natural (expressão
da natureza racional do homem).
Em caso de conflito entre ambos
existe o direito de resistência por parte dos homens, reivindicando
seus direitos naturais frente à arbitrariedade dos governantes.
A lei natural, enquanto principio
ordenador da conduta humana está em harmonia com a ordem geral do
universo, baseada em última instância na Lei Eterna (divina).
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5. No século
XVI, na Europa colocam-se problemas radicalmente novos sobre o direito
natural. As descobertas geográficas, pôem em confronto os europeus
com outros povos, nomeadamente o indios da América. A questão da
natureza humana volta agora a recolocar-se, surgindo as primeiras
teorizações racistas que negam a igualdade da natureza dos seres
humanos.
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6.Em
relação à humanidade dos indios, em Espanha, degladiam-se duas
correntes. Uma protagonizada por Guinés de Sepúlveda e Luis de
Molina, negam que os indios sejam homens. Outros, como Bartolomé de
las Casas ou Francisco de Vitória afirmam, pelo contrário, a sua
dignidade de seres humanos.
Na
mesma altura, ainda em Espanha, os teólogos católicos, negam a
possibilidade de se "limpar o sangue" dos judeus e muçulmanos,
assim como os seus descendentes. Todas as conversões ou cruzamentos
seriam inúteis nesta tarefa.A religião judaica ou muçulmana,
segundo esta concepção, afecta de tal forma os seres humanos que a
seguem, que estes adquirem por esse facto uma outra natureza.
Em
França fundamenta-se a desigualdade entre o povo e a nobreza no facto
de terem naturezas distintas. Os nobres na Europa, eram originários
de raça distinta do povos. Trata-se de uma teoria congruente, com o a
teoria divina do poder.
Estas
teorias racistas irão ter um grande desenvolvimento a partir do século,
procurando os seus autores fundamentá-las em bases pseudo-científicas
Ao afirmarem a superioridade de certas raças em relação a outras,
procuraram destruir o conceito central da unicidade da natureza
humana.
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7.Apesar
do movimento racista anterior, a tendência era para a afirmação da
unicidade da natureza humana e a autonomia do individuo, baseada na
Razão.
Durante o Renascimento, produz-se uma
entusiástica exaltação do ser humano e da sua dignidade como
pessoa. O ser humano é o dono do seu próprio destino, e livremente e
com autonomia decide a sua própria conduta.O ser humano pode, pois,
agir bem por si mesmo: feito à imagem e semelhança de Deus, sua
natureza é boa e a sua vontade é soberana, afirmará Pico della
Mirandola.
Descartes e outros filósofos, definem
a natureza humana como essencialmente racional, afirmando a
autonomia radical do homem face à natureza.
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8.As concepções de direito
natural são profundamente reformuladas no século XVII. A questão
era simples. A ruir as antigas concepções cosmológicas ( o universo
fechado e hieraquizado), caiu também por terra as teorias que estavam
baseados no cosmos para definirem a lei natural.
O que os filósofos políticos do século
XVII vão fazer, é procuraram novos fundamentos para a lei moral.
Desenvolvem então duas vias:
- Teologia. O fundamento da lei
natural está em Deus, deduzindo a partir da sua obra e vontade
(revelada) natureza das suas criaturas e as leis a que as mesmas
obedecem ( ou deveriam obedecer).
- Ética. O fundamento da lei natural
está na própria natureza dos homens, manifestada nas tendências
do seu comportamento.
A tendência geral foi contudo, para
combinar estas duas vias, depurando a primeira através das exigências
da própria racionalidade. Deus acabará na segunda metade do século
XVIII, por se identificar com a natureza e esta com a razão.
Hugo Grutius (1583), fundador do
direito natural moderno, na sua obra De iure belli ac pacis
(1625), afirma que a base de toda a sociedade humana está na razão e
na natureza. O Direito Natural, como o conjunto de regras determinadas
pela razão, regula a sociedade, e está conforme à recta razão.A
vida, a dignidade humana e a propriedade são um direito natural, e não
podem portanto serem negadas a nenhum ser humano.
Thomas Hobbes (1588-1679), desenvolve
toda uma teoria política e do Estado, baseado apenas na análise da
natureza humana.
John Locke, afirma que o Direito está
enraizado numa "lei da natureza", da qual diz "deriva a
própria constituição do mundo, em que todas as coisas observam nas
suas operações uma lei e um modo de existência adequados à sua
natureza" (Locke, Ensaio sobre a Lei Natural). Mais tarde
afirmará que a lei da natureza é a lei da razão (Locke, Segundo
Tratado do Governo Civil). Ideia que é congruente com o seu conceito
de uma natureza humana, assente em três direitos naturais: a vida, a
liberdade e os bens que cada um acumulou.
As sociedades foram constituídas,
segundo Locke, para garantir estes direitos e não para os limitar ou
destruir. A tolerância religiosa, por exemplo, fundamenta-se também
na liberdade inerente à natureza humana. Cada um é livre de
professar a crença que bem entender, nem o Estado, nem a Igreja podem
interferir neste domínio que só diz respeito a cada um.
Trata-se de uma concepção filosófica
que ultrapassa já claramente as antigas perspectivas de subordinação
do individuo a uma ordem divina, e que apoiando-se na sua
natureza, reclama a sua completa e radical autonomia.
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9. Foi só
no século XVIII que o conceito "direitos naturais" foi
substituído pelo de "direitos humanos". Esta designação
surgiu pela primeira vez na obra de Thomas Paine, intitulada "Rigts
of Man" (Direitos do Homem),1791-1792.
Carlos Fontes |
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