"Tens a certeza ?", perguntava a funcionária, já exasperada com
a demora da resposta. Após dois meses de aulas de Filosofia, João era agora
incapaz responder a esta simples questão. A única certeza que possuía na vida
era que pensava, em relação a tudo o mais tinha profundas dúvidas. Não podia ter
a certeza absoluta que o Sol, Lua, a sua casa ou mesmo o seu corpo existiam. O
que possuía destas coisas eram imagens, sentimentos e impressões que lhe eram
dadas pelos sentidos, mas como poderia ter a certeza que elas existiam mesmo na
realidade? Afastando a hipótese que não estava a sonhar, e portanto tudo o que
sentia deveria corresponder a alguma coisa, recusava-se a confundir as imagens
ou representações que formava das coisas com o que estas eram na realidade.
Um quadro de uma paisagem por mais realista que seja, não pode
ser confundido com a própria paisagem. É uma representação, não a coisa mesma.
A ciência também não o ajudava neste campo. Descrevia-lhe uma
realidade invisível que está para além das aparências das coisas. A química ou a
física apresentavam-lhe representações realistas dos átomos, mas como os átomos
são efectivamente ninguém o poderia dizer com toda a certeza, até porque ninguém
viu até agora nenhum. Tinha que confiar que o Universo existia tal como o
observava naquele momento, sabendo todavia que ele já não existia como tal. Se o
Sol desaparecesse de repente, continuaria a existir perante os seus olhos
durante oito minutos. Do mesmo modo via as estrelas como eram há milhões de
anos, mas não como são agora neste instante. Tudo o que observava estava
irremediavelmente afastado de dele no espaço e tempo. Tudo não passava pois de
representações, sendo levado todavia a presumir que as coisas eram exactamente
como lhas descreviam. Mas ninguém lhe poderia dar a certeza de nada.
A funcionária já exasperada com a demora da resposta gritou-lhe
aos ouvidos: "- Tens ou não a certeza se foste tu?"
"A questão da certeza não é assim tão simples", respondeu João.
"Embora possa admitir que há um mundo real, não posso deixar todavia de aceitar
também que o significado deste mundo é imposto por nós, e neste sentido não
existe um mundo independentemente de nós. Ora, há muitas maneiras de estruturar
o mundo e muitos os significados ou perspectivas para qualquer acontecimento ou
conceito, não havendo por isso um significado correcto, pela simples razão, de
que nunca teremos acesso aquilo que as coisas são em si mesmas. Tudo não passa
de construções elaboradas pelo homem, na sua inter-relação com o mundo".
Virando-se para a empregada, acabou por acrescentou: "É certo
que foi eu que chutei a bola. Em teoria esta foi a causa provável do vidro se
ter partido. Contudo, o problema da causalidade não é de simples decisão. O seu
fundamento não está nas coisas, mas no pensamento humano. É da ordem da crença,
não da natureza das coisas. Por uma causa ter provocado um dado efeito uma vez,
nada nos garante que o venha a produzir de novo. Face a esta questão, como
posso, afirmar com toda a segurança, que foi eu o causador do vidro se ter
partido? As coisas não são assim tão simples".
Carlos
Fontes