Panorama da Filosofia Moderna (sécs. XVI -XVIII)
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1. Visões Globais No início do século XV os europeus assumem uma nova atitude face ao mundo. Querem conhecê-lo e expandir-se pelo mesmo. O primeiro passo foi dado quando os portugueses conquistaram a cidade de Ceuta, no norte de África, em 1415. A partir daqui começam a explorar de forma sistemática todo o continente africano e o Atlântico, e não tardam a apontarem como objectivo atingirem por via marítima o continente asiático, em particular a India. Neste processo descobrem novas terras, povos e culturas. Desfazem inúmeros mitos sobre a terra. A visão da terra é unificada, o que simbolicamente ocorre quando o português Fernão de Magalhães empreende a primeira viagem à volta do mundo. A circulação e comércio de mercadorias à escala planetária foi também um poderoso estimulo na criação desta visão global. Os geógrafos e os astrónomos refazem sem cessar as suas concepções sobre o universo. Copérnico (1473-1543) e depois Galileu (1564-1642) servindo-se das novas informações geográficas estabeleceram um novo modelo explicativo do seu funcionamento, tendo como matriz o heliocentrismo. O sol não tarda também a perder a sua centralidade, à medida que o universo fechado da Idade Média vai sendo abandonado. Visionários como Giordano Bruno (1548-1600) concebem-no como infinito. Uma ideia que o século XVII irá consolidar, apesar de o continuar a pensar o universo como estático. É neste contexto que se passa a falar do "Homem" e da "Humanidade" no lugar de Deus, conceitos que traduzem uma nova visão do universo, onde o homem também se sente cada vez mais perdido.
Uma Visita do Poeta John Milton a Galileu, pintura de Tito Lessi (1880) |
2. A revolução do Livro Para esta grande revolução cultural que ocorre em toda a Europa, concorreu de foram decisiva a invenção da imprensa (1453). O livro impresso tornou-se o instrumento privilegiado desta revolução. A imprensa permite democratizar o saber ao facilitar a sua difusão, mas também permite fixá-lo e armazená-lo numa dimensão que seria impossível com o livro manuscrito.. |
Descartes explica um problema geométrico à rainha Cristina da Suécia, pintura de Pierre Louis Dumesnil. 3. Mecanicismo O mundo moderno é marcado pelo advento das máquinas e pelo crença no seu poder. O Renascimento em Itália (sécs.XV-XVI), onde avultam criadores como Leonardo da Vinci ( -1519), foi neste aspecto uma verdadeira glorificação às máquinas e aos mecanismos produzidos pelo homem. No século XVII, filósofos como Descartes concebem o universo um vasto mecanismo (século XVII). Os animais e até o próprio corpo humano não passavam também de máquinas, mais ou menos aperfeiçoadas. O empiristas, influenciados por estas ideias, explicam de forma mecânica também o conhecimento. Os países que se envolveram nos descobrimentos geográficos tiveram que manter um continuo esforço de inovação tecnológica, para manterem o seu domínio à escala global. A competição e feroz e sangrenta. O mecanicismo no século XVIII assume uma perspectiva materialista cada vez mais radical. La Mettrie (1709-1751), em França, escreve uma obra que simboliza as novas concepções do tempo - "O Homem Máquina" (1748). Não é apenas o corpo humano que é descrito de forma mecânica, mas também a actividade psíquica. D`Holbach (1723-1789), cria uma verdadeira bíblia do materialismo reduzindo o universo a movimento de partículas materiais, onde não há lugar para antigas ideias como Deus ou o Espírito. Estas ideias atingiram a sua máxima difusão quanto na Inglaterra ocorre a Revolução Industrial.´. |
Palestra sobre o Planetário, pintura de Joseph Wright of Derby (1768) 4. Conflitos Filosóficos e Políticos Entre os séculos XVI e XVIII a Europa vive mergulhada em conflitos profundos, entre a antiga e a nova ordem, entre as antigas e as novas ideias. A filosofia torna-se um campo de disputas irreconciliáveis que ultrapassam os muros da universidade ligados á velha ordem. Novos campos epistemológicos reclamam o seu reconhecimento. a ) Contra os que defendem o princípio da autoridade no conhecimento, como os conimbricenses, opõe-se figuras como Francis Bacon (1561-1626) ou Descartes (1596-1650). O primeiro proclama a experiência como critério da Verdade, o segundo atribui este estatuto à Razão. - O papel das experiência que havia sido valorizado durante as descobertas portuguesas e no Renascimento, adquiriu um importância central no conhecimento para os empiristas. John Locke (1632-1704) ou David Hume (1711-1776) recusam as ideias inatas, afirmando que todo o conhecimento tem origem na experiência. A mente dos homens quando nascem é uma folha em branco. Este princípio central do empirismo tinha implícita uma concepção política que defendia que nenhum homem por nascimento é superior a outro. As diferenças entre eles residem na educação que receberam. Por natureza somos todos iguais, é a organização social que diferencia os seres humanos. Estamos perante uma ideia que irá inspirar inúmeros movimentos revolucionários até aos nossos dias. As ciências da natureza, assentes neste conceito de experiência, tornam-se no modelo de todas as ciências. "Ninguém poderá ter mais conhecimentos do que que aqueles que a experiência lhe proporciona". John Locke. - A centralidade da razão humana defendida por Descartes, rapidamente se converte numa defensa do individuo e das suas ilimitadas capacidades de tudo conhecer. Os filósofos racionalistas (Descartes, Espinosa, Leibniz...) manifestam uma confiança absoluta na razão. Fundamenta-se a crença que a aplicação matemática seria suficiente para fundamentar uma nova metafísica, uma ciência sobre Deus, a alma e o mundo. A Razão acaba por autonomizar-se da própria ideia de Deus, tornando-se no símbolo do Iluminismo (século XVIII). A moral fundada na razão adquire o seu próprio espaço. A Revolução Francesa, entre 1789-1793, reflectindo os valores do tempo, diviniza a Razão. Festa dedicada à deusa Razão. Paris, 1793 O culto à razão foi proposto por Jacques Réne Hébert (1757-1794) e destinava-se a substituir o Cristianismo. A culto foi celebrada na Igreja de Notre Dame de Paris em 1793, tendo desaparecido no ano seguinte, quando Robespierre instaurou o culto ao Ser Supremo com idênticos propósitos. . b ) Contra os que defendem a subordinação do conhecimento à metafísica, opõem-se todos aqueles que reclamam a necessidade de reconhecer o estatuto do conhecimento científico. A ciência doravante reclama a sua libertação da metafísica. Emanuel Kant 1724-1804) dará a última estocada nas pretensões daqueles que proclamam que a metafísica era a "ciência das ciências". A ciência e a religião separam-se. Deus deixa de ser uma hipótese a ter em conta na investigação cientifica. c ) Contra aqueles que defendem a subordinação dos homens ao poder despótico dos reis ou da igreja em matéria de consciência, opõe-se os que reclamam a necessidade de se reconhecer os direitos dos cidadãos, como o direito à liberdade, à vida e à propriedade. Na segunda metade do século XVII, generaliza-se em Inglaterra um movimento contra o regime absolutista em defesa dos direitos individuais. Os cidadãos exigem um maior controlo do Estado e das suas instituições, uma maior intervenção na produção legislativa e sobretudo a igualdade de todos perante as leis. f ) Estas rupturas foram feitas por filósofos que estavam fora das instituições que corporizaram a velha ordem. Os filósofos da Idade Moderna estavam quase todos desligados do ensino académico. Descartes não era professor universitário. Espinosa também não, embora ainda tenha recebido um convite para ensinar em Heidelberg. Leibniz foi um homem de acção que nunca quis ser professor. Locke desempenhou importante cargos no Estado inglês. Berkeley era bispo. Hume conseguiu uma cátedra, mas nunca teve grande êxito. Em França, filósofos como Voltaire, Diderot, Rousseau e outros eram todos homens de letras que se interessavam pela filosofia. Foram estes e não os académicos que renovaram a filosofia. g ) À medida que as novas ideias eram difundidas e se implantavam nos vários países, sucediam-se também as revoluções sociais que as consagram como novos ideais: Revolução Inglesa (1688), Revolução Americana (1776), Revolução Francesa (1789), etc. A ordem política vai-se adequando às novas ideias do tempo. É neste contexto de mudanças políticas que na segunda metade do século XVIII acaba por impor-se uma ideia que inaugura os novos tempos, a ideia de progresso, evolução. O mundo deixa de ser visto como estático, para ser encarado como resultado de uma evolução. Uma concepção que se estenderá aos animais e á própria humanidade. |
. 5. Difusão da Cultura Europeia O século XV e XVI foram de descobertas e conquistas, mas o século XVII e XVIII serão já de colonização e exploração das possessões ultramarinas. A cultura europeia desenvolve o mito da sua superioridade militar, económica, mas sobretudo intelectual. É neste quadro que irá germinar as modernas teorias racistas que o século XIX foi fértil. Carlos Fontes |
Carlos Fontes