Navegando na Filosofia - Carlos Fontes

O que distingue o Sagrado do Profano?

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Síntese da matéria

Das Organizações Religiosas à Religiosidade Popular

 

 

1.Organizações Religiosas 

 

A religião é uma manifestação colectiva, geradora de fortes sentimentos de identidade entre os seus membros. Os crentes não apenas se juntam para manifestarem a sua fé, mas também para criarem os meios de a perpetuar e difundir. 

 

As organizações religiosas procuram não apenas manter as suas práticas rituais, mas também influenciar o curso dos acontecimentos sociais. Neste sentido desdobram-se num vasto conjunto de organizações que actuam em todas as áreas da sociedade, ultrapassando desta forma a simples dimensão ritualista. Tomando como referência o que ocorre na Igreja Católica, podemos dizer que as organizações religiosas, no seu conjunto procuram asseguram três funções básicas:

 

- Perpetuar a religião. Qualquer religião para subsistir tem assegurar continuamente os meios necessários à manutenção e construção de novos templos, mas também à subsistência ou à formação de sacerdotes. No passado, como aconteceu em Portugal, as organizações religiosas que asseguravam estas e outras funções chegaram a ser verdadeiros potentados económicos, absorvendo enormes recursos do país.

 

- Difundir a religião. Captar novos crentes é essencial para a sobrevivência de qualquer religião, caso contrário esta tende a extinguir-se. Entre as organizações que ficaram célebres no desempenho destas acções de difusão da fé destacam-se as ordens dos franciscanos ou a dos jesuítas. Durante a Idade Média chegou-se também a recorrer a processos violentos para atingir este objectivo. Foram então criadas no ordens militares para combater os infiéis (Templários, Santiago de Espada, Calatrava, Avis, Ordem de Cristo, etc). Nos nossos dias, assistimos no mundo islâmico à utilização de métodos igualmente violentos para dominar ou exterminar os infiéis ( os que seguem uma outra religião). 

 

- Velar pela ortodoxia da religião. Uma das preocupações de todas as religiões foi sempre evitar os desvios que possam surgir no seio colocando em causa os seus fundamentos. A Inquisição (Tribunal do Santo Ofício) foi uma organização católica tristemente célebre pela forma brutal como ao longo de séculos condenou à morte milhares pessoas consideradas hereges.  

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2.Religião e Sociedade 

 

As principais religiões estão profundamente ligadas à sociedades onde estão implantadas, os seus percursos históricos confundem-se. Ao longo de séculos moldaram a cultura dos povos que as seguiam. As grandes civilizações atuais correspondem às áreas de influência das grandes religiões que nelas predominaram. É difícil de explicar, por exemplo, a história de Portugal, se não se tiver em conta a profunda influência que aqui possuiu a Igreja Católica. 

 

Apesar da crescente des-sacralização, a influência social da religião continua a ser enorme. Os acontecimentos religiosos são frequentemente assumidos como acontecimentos sociais.

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 Três exemplos:

 

- Ao longo do ano podemos observar como os momentos de descanso ou de festa estão ligados a dias que assinalam acontecimentos de natureza religiosa (Domingo, Natal, Carnaval, Páscoa e outros dias feriados).

 

- Os momentos marcantes da vida das pessoas, como o nascimento, o baptismo, o casamento ou a morte, continuam a ser assinalados por cerimónias religiosas. 

 

- A moral, como já referimos,  é outro aspecto revelador da influência social da religião, nomeadamente como um poderoso meio de controlo social através da difusão das suas normas de conduta (comportamento).

 

3. Religião e Política

 

A religião por tudo o que anteriormente dissemos, tem estado sempre ligada à política. Umas vezes controlando o poder político, outras vezes funcionando como um instrumento de domínio social ao seu serviço. Esta relação, embora possa variar bastante de religião para religião, é muito diversificada e depende muito do tempo.

 

 

Em algumas sociedades, a religião assume tais proporções que o Estado se tornou a expressão directa da própria religião dominante, como acontece no Irão. Os chefes religiosos são também chefes políticos (Estado teocrático).

 

Alguns exemplos:

 

- No Judaísmo, a política deve estar a serviço da religião. O objectivo político  dos judeus foi sempre o de refundar na "terra prometida" um "reino" independente do "povo eleito" por Jeová. Neste sentido, em toda a parte onde se encontrem são chamados a participar ou contribuir para a concretização deste objectivo milenar.

 

- No Cristianismo, esta ligação é muito diversificada, dada a separação proclamada por Jesus de Nazaré entre os dois "reinos", o de "Deus" e os dos "Homens". É por esta razão que as algumas correntes cristãs, como as Testemunhas de Jeová, os seus membros recusam participar em atividades políticas (eleições) ou em assumirem cargos públicos. Pelo contrário, outras assumem como sua missão um intervenção política organizada, possuindo os seus próprios partidos políticos.

 

- No Islamismo existe uma clara subordinação da política à religião. Maomé, ao contrário de Jesus de Nazaré,  foi simultaneamente um chefe político e um líder religioso. O Alcorão tem inúmeras prescrições de natureza política e até militar.

 

- O Hinduísmo ao sustentar a existência de castas, grupos sociais estratificados, separados por relações endogâmicas, comensais e profissionais manteve uma profunda influência na organização política da sociedade indiana. 

 

- O Budismo tende a renegar a política, levando os seus crentes a confiarem o poder político a uma aristocracia alegadamente de homens sábios, o que não deixa de ser posição política.

 

Nas sociedades democráticas ocidentais desde o século XVII que se tem vindo a defender uma crescente separação entre a religião e a política, de modo a garantir a liberdade dos cidadãos.

 

Instrumentalização Política da Religião

 

Ao longo dos tempos e em todos os continentes, reis, imperadores, conquistadores e ditadores não só colocaram a religião ao seu serviço, mas também se fizeram adorar como seres divinos. Assim aconteceu, por exemplo, no antigo Egipto, China, Japão ou no Tibete, ou no continente americano, entre os incas, maias ou os aztecas.

 

Na Europa a situação não foi distinta. Alexandre, o Grande, segundo Plutarco era filho do amor entre a sua mãe (Olimpia) e um Deus. Os imperadores romanos, desde Augusto, exigiam ser adorados como deuses. O primeiro que institui este culto foi o imperador César Augusto (63 a.C.-14 d.C.

 

Henrique II (1519-1559) pratica o toque num doente com uma afecção de pele, as escrófulas. in, Livro de Horas de Henrique II.

 O ditador Napoleão Bonaparte, nesta obra de Jean Gros (1804), visita pessoas infectadas por peste em Jafa (costa da Palestina). Toca no corpo de um dos infectados para milagrosamente o curar.

 

 

Os reis em França e na Inglaterra, a partir do século XIII, assumiram-se como seres possuídos de poderes milagrosos capazes de curarem pessoas com moléstias de natureza tuberculosa, usando apenas com o toque das suas mãos (reis taumaturgos).

 

Um poder milagroso que o pintor Antoine Jean Gros procurou fazer querer que o ditador Napoleão Bonaparte também possuía. Muitos outros ditadores até aos nossos dias organizaram cultos da sua personalidade de modo a que fosse encarados como seres divinos, salvadores dos respectivos povos que dominaram.

 

Estaline (Josef Stalin, 1878-1953), o "Pai dos Povos". URSS, Cartaz

Mao Tsé-Tung (1893-1976). China, Cartaz, 1968

 

No século XX, o culto da personalidade na maioria das ditaduras, assentava em imagens propagandísticas que elevava os ditadores, como Estaline, Mussolini, Hitler, Salazar, Franco,  Mao ou Kim ill-Sung e tantos outros, à categoria de seres sobre humanos, divinos. Desde cedo fora-lhes confiada uma missão transcendente, como a salvação dos respectivos povos ou da própria humanidade, uma missão que só seres com as suas características as podiam realizar. O poder político (sempre efêmero) era desta forma ligado a uma dimensão sobrenatural, eterna, supostamente mais segura.

 

Nicolau Maquiavel, em obras como "O Príncipe" (1532), sustentou que a religião devia ser encarada como um instrumento do poder político, essencial para a sua conquista e manutenção.   

 

 

 

4.Religiosidade Popular

 

As grandes religiões são quase sempre percorridas  por duas correntes religiosas nem conciliáveis: a "oficial" e a "popular".

 

A "oficial está ligada à elite dos sacerdotes. Caracteriza-se por uma elevada racionalização das crenças e ritos religiosos, transformando-as num corpo doutrinal muito intelectualizado, depurado de outras tradições religiosas. Apresenta-se quase sempre numa linguagem abstracta e universal. O divino apresenta-se enquadrado numa estrutura teórica muito complexa. O comum dos crentes raramente compreende ou sente a religião desta forma. A obra de grandes teóricos dos cristianismo, como Agostinho de Hipona ou Tomás de Aquino são exemplos desta corrente.

 

A corrente "popular" está ligada à forma como a maioria das pessoas encara a religião: a emoção sobrepõe-se à razão. O vivido ao pensado. O desvio da norma oficial é por vezes total. Caracteriza-se por uma visão espontânea, emotiva, sincrética e concreta da religião. Esta religiosidade popular é herdeira de tradições ancestrais, podemos encontrar na mesma crenças e ritos de antigas religiões há muito desaparecidas. O crente não sente qualquer incoerência em acreditar, por exemplo, no cristianismo e em praticar também rituais de origem pagã. Na religiosidade popular em Portugal podemos encontrar inúmeros exemplos deste sincretismo milenar. 

 

Estas manifestações populares de religiosidade atribuem uma grande importância a tudo o que pode ser visto, tocado ou sentido directamente. O crente procura sentir de forma muito viva o contacto com o divino e obter um testemunho concreto deste contacto. É por esta razão que nela se apela a tudo o que é de natureza física, como os gestos e se recorre a práticas mágicas, feitiços, exorcismos, sacrifícios, peregrinações, etc. que envolvem de forma marcante quer o crentes quer o sacerdote; usa e abusa-se de objectos de culto como mezinhas, imagens de santos, virgens, estátuas, medalhas, etc , para se obter isto ou aquilo, ou simplesmente para se testemunhar que se esteve neste ou naquele local sagrado. 

 

As relações com o divino são quase sempre, neste caso, relações de troca: O crente promete fazer uma oferta (promessa, voto) caso o divino lhe dê o lhe pede. Uma vez recebida a dádiva, o crente vê-se obrigado a efectuar o pagamento.  

 

Procissão em Kursk (1883), de Ilya Repin (1880-1883). Rússia

As Promessas (1933), de José Malhoa (1859-1933). MJM Caldas da Rainha

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Continuação

         Carlos Fontes

 

Carlos Fontes

 11º.Ano- Programa de Filosofia

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