1.O
Ocidente. Aquilo que designamos por Cultura
Ocidental  não passa de uma
construção ideológica que ao longo dos séculos os europeus foram
formando para se distinguirem dos outros povos, nomeadamente os
orientais. Este conceito acabou por ser assumido por algumas das antigas
colónias europeias, onde foi possível destruir as culturas dos povos
        que nas mesmas existiam, como ocorreu nos EUA, Canadá, Austrália, etc. 
	
        2. As
        Grandes Tradições.  Há muito que os
        europeus reclamam a superioridade da sua cultura e das tradições que a
        originaram. Paul Valéry, afirma que a Cultura Ocidental foi forjada por
        três tradições: 
        - No domínio moral: a tradição
        cristã, em particular a católica;
        - No domínio do direito, da
        política e do Estado: a tradição do direito romano;
        - No domínio do pensamento e das
        artes: a tradição grega.
        A selecção destas três
        tradições é de natureza ideológica. Como refere  Roger Garaudy,
        ela exclui desde logo as raízes da Europa: a mesopotâmia e o Egipto, o
        mesmo é dizer, a Ásia e a África. Parte-se do pressuposto que os
europeus não têm raízes e se criaram a si próprios.
3. A
Tradição Grega. A cultura grega 
continua a ser abordada como não tendo raízes. A filosofia, a ciência
e as artes gregas surgiram por "milagre", ou célebre
"milagre grego". Aos gregos são atribuídas, entre outras
coisas, as seguintes: 
a) O
Pensamento Racional. Tudo pode e deve ser
explicado, após um exame crítico e de uma forma fundamentada. 
Parte-se do pressuposto que a razão é capaz de resolver todas os
problemas e os únicos problemas reais são aqueles que ela ainda não
conseguiu resolver. 
b) A
Dessacralização da natureza. A natureza
é reduzida a uma simples dimensão material, mecânica. Abandona-se a
personificação e divinização das forças da natureza, nomeadamente
a intervenção de divindades na sua origem e sucessão dos fenómenos
naturais. A natureza está sujeita a leis necessárias para cujo
conhecimento o saber se encaminha. "Coisificada" está apta
a ser explorada e manipulada pelo homem segundo os seus próprios
          interesses.
          c) A
          Filosofia e a Ciência. As
          duas maiores criações do pensamento grego. Ainda hoje se afirma que
          todos os grandes momentos de criatividade do pensamento ocidental
          foram e são marcados pela redescoberta ou reinterpretação de ideias
gregas.
4. A
Tradição Romana. Durante cinco
séculos os romanos forjaram um Estado militar, fortemente centralizado
e burocratizado, assente num conjunto instituições de direito que
permitiram unificar grande parte da Europa, dando-lhe uma língua
oficial comum. Aos romanos atribui-se, entre outras coisas, as
seguintes:
a) Fundamentação do direito assente no
          estatuto jurídico dos homens e das coisas.
          No plano teórico os juristas romanos, inspirados nas filosofias dos
          estóicos, procuraram aproximar as leis escritas ditadas pela razão
          das leis que governam a própria natureza, incluindo todos os homens
          (Direito Natural). É preciso todavia dizer que o direito servia de
          política e de moral aos romanos, nos assuntos que estes não
          resolviam pela força das armas... 
          b) A
          Ideia de Império como comunidade de povos com origens e culturas
          muitos diversas. Esta ideia não era
          nova, aparece já no Império de Alexandre da Macedónia. Mas o
          Império romano na Europa, mesmo depois de ter desaparecido, 
          nunca deixou de funcionar como um modelo de inspiração para as
          múltiplas tentativas da sua reconstituição através de vias muito
diversas. 
5. A
Tradição Cristã. Como acontece com o
pensamento grego, na explicação da origem e ideias do cristianismo
tende a excluir igualmente as suas raízes orientais. À tradição
cristã é costume
associar-se também certos elementos da tradição judaíca. Aos
Cristãos atribui-se, entre outras coisas, as seguintes:
a) Moral
universal. 
b) Conceito
de pessoa humana. A pessoa humana é
única, irrepetível, possui liberdade para escolher entre o bem
e  mal, mas por isso mesmo assume por inteiro a responsabilidade
pelos seus actos. 
c) Concepção
do tempo linear e irreversível. Na
visão cristã, mas também judaica do tempo, deixa de haver lugar
para o tempo ciclíco, o "eterno retorno" dos gregos, dos
Hindus, etc. 
6. Num mundo globalizado, a
cultura ocidental é cada vez mais questionada, não apenas pela sua
pretensa superioridade, mas também em virtude dos resultados
históricos revelados na aplicação algumas das suas ideias.
	Carlos Fontes