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A Filosofia Política preocupa-se com a constituição, função e
sentido do Estado e da sociedade. A Filosofia do Direito ocupa-se das Leis
e Instituições ordenadoras da sociedade e em particular dos seus
fundamentos.
Dois dos problemas centrais da reflexão da Filosofia Política
consistem em responder às seguintes questões:
a ) Qual a Legitimidade do Estado e do Poder Político ?
b ) Quais os princípios estruturantes da sociedade que o Estado deve
garantir ?
1. Legitimidade
O Estado assenta numa relação de
domínio de uns homens sobre outros. Uma relação apoiada pela
violência considerada, em princípio, legitima quando exercida pelo Estado. Só
o Estado tem o direito de coagir e obrigar os cidadãos a agir no respeito
pela legalidade estabelecida. Possui o monopólio da violência física
legitima. Para que um Estado exista é necessário que os dominados aceitem obedecer à
autoridade que quem detêm o poder no Estado.
Qual a razão porque os homens obedecem ? Porque razão reconhecem e
aceitam este poder de uns sobre outros ? A
resposta mais simples é porque acreditam que estes tem legitimidade para o exercer.
A legitimidade ou justificação do poder assenta portanto de uma crença
ou fundada convicção (interesse, necessidade, conveniência ) para que assim seja.
Ao longo da história muitas tem sido as teorias e justificações
sobre a legitimidade do poder, Max Weber (A Política como
Vocação) sintetizou as seguintes:
- Tradição. A legitimidade do poder é justificado através de
costumes ancestrais, cujos detentores se afirmam herdeiros. O exemplo
paradigmático deste tipo de justificações é dado pelas antigas e atuais monarquias absolutas.
- Força. A legitimidade do poder é justificado pelo carisma, coragem,
qualidades excepcionais ou pela devoção absoluta ao país de alguém que se
afirma apto a dirigir uma sociedade. A maioria dos ditadores utilizou este tipo de justificações
para se auto-legitimar.
- Legitimidade Democrática. A legitimidade assenta, neste caso, no respeito pelo Direito
estabelecido, nomeadamente quando os cidadãos em liberdade escolheram os seus
representantes (delegação de poder). É este tipo de legitimidade que vamos abordar, pois ele
é próprio das nossas sociedades democráticas.
As revoltas ou revoluções estão quase sempre ligadas à quebra da
confiança das populações nos governos ou no Estado, deixando-os
de reconhecer como legitimo o poder que detêm.
Os filósofos que vamos estudar - Aristóteles
(384-322 a.C.), Thomas Hobbes (1588-1679), John Lock(1632-1704),
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e John Rawls (1921-2002) e Habermas (1929) -, trouxeram
contributos muito importantes para pensarmos esta questão.
2. Princípios
Quais os princípios que o Estado deve
garantir ? Estes princípios procuram prevenir também a expansão
totalitária dos Estados, isto é, o exercício incontrolado do seu poder.
Na verdade, o poder que o Estado possui se é suficientemente forte para
proteger os cidadãos tem igualmente um poder capaz de os oprimir e
dispor arbitrariamente dos recursos colectivos para beneficiar apenas uma
minoria. Os Estados modernos ocidentais nasceram da luta das populações
contra as arbitrariedades dos Estados absolutos. Neste sentido, a
história da liberdade do cidadão é uma história da restrição e do
controlo do poder do Estado (Reinhold Zippelius, Teoria Geral do
Estado).
Desde o século XVIII
que foram sendo consagrados três grandes princípios - Liberdade, Igualdade e Solidariedade
- que são hoje aceites como matrizes dos regimes
democráticos:
- A Liberdade é um conceito com múltiplos significados. O célebre
artigo IV da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Agosto de 1789),
definia a Liberdade da seguinte forma: "A Liberdade consiste em poder fazer aquilo
que não prejudica o outro". O Outro é visto como o limite à minha liberdade, mas
igualmente como a sua garantia. Ao negar a sua liberdade, estou a
negar a minha (princípio da reciprocidade).
A liberdade está hoje associada a um conjunto de direitos: de expressão,
de reunião, de manifestação, de circulação, de propriedade, etc.
- A Igualdade é, como dissemos, um dos princípios centrais dos regimes democráticos.
Uma das principais fontes de conflitos sociais reside nas suas profundas desigualdades que
todos constatamos nas nossas sociedades. Uma minoria tende historicamente a concentrar na
sua posse toda a riqueza gerada, assim como a ter um tratamento privilegiado
pelos diversos Estados. Se a existência de um certo grau de desigualdades tem
sido justificado como essencial para estimular a criatividade dos indivíduos, ao
permitir-lhes acumular os ganhos adquiridos pelas suas iniciativas, a verdade é que
estas desigualdades podem não deixam de acentuar as tensões sociais. Se
as mesmas forem muitos graves, a própria ordem social é posta em causa.
A maioria da população sentindo-se lesada nas suas expectativas, acaba
por provocar rupturas sociais (revoltas ou revoluções sociais).
A Igualdade está hoje associada a um conjunto de direitos: de representação, de
dignidade, de equidade, etc
- A Solidariedade é um princípio que resulta da consciência da
nossa interdependência: Nenhuma sociedade pode subsistir se os seus membros se
recusarem a contribuir para o Bem Comum.
A legitimidade de um Estado ou de um Governo estão hoje intimamente ligadas
ao respeito destes valores.
3. Novos Consensos
No
final do século XX emergiu, após um longo processo histórico, um novo critério
para avaliar a legitimidade dos Estados e dos Governos: o respeito que
têm pelos Direitos Universais do Homem.
Um governo que não
respeita os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos poderá ser considerado legitimo?. O que é mais importante
em termos de Direitos Fundamentais: a perspectiva
nacional ou a universal ? A perspectiva universal tem-se vindo
a impor sobre a nacional.
Estamos perante uma nova concepção de
legitimidade que implica uma limitação da soberania nacional, que até
finais do século XX era considerada um privilégio absoluto de cada
Estado e que lhes permitia tratarem em cada país os cidadãos da forma
como entendiam.
Os Estados tem hoje que respeitar os
Direitos Humanos, caso contrário são alvo de acções internacionais,
como campanhas internacionais de denúncia que afectam profundamente a sua
imagem no mundo, mas também as relações que mantém com outros
Estados.
Esta nova concepção está intimamente ligada
às característica da sociedade planetária em que vivemos, onde se tornou
cada vez mais difícil aos governos ocultar o que se passa no interior de
cada país. A informação que passou a ser veiculada sobre os inúmeros
casos de violação de Direitos Humanos que ocorrem em muitos Estados
gerou uma nova sensibilidade na opinião pública mundial para
estes problemas, estimulando um crescente consenso em torno da necessidade
da defesa destes direitos universais. A rapidez na circulação da
informação à escala planetária deram uma enorme força a acções de
protesto e de denúncia destas violações, numa escala sem paralelo no
passado.
Testemunho
"Há 50 anos a execução sumária de um punhado de
revolucionários em qualquer longínquo país da Ásia ou da
América do Sul não mereceria sequer as honras de uma notícia de
duas linhas na imprensa mundial. Hoje o assunto ficaria em caixa
alta nas primeiras páginas dos jornais do mundo ocidental, seria
implacavelmente denunciado por todas as organizações de Direitos
Humanos e, nos areópagos da O.N.U., o Governo responsável pelo
crime seria alvo de críticas de todos os quadrantes e poderia
mesmo sofrer sanções, que cada vez se vão tornando mais
rigorosas". António Maria Pereira, Direitos Humanos, Lisboa,
Pub. Dom Quixote.1979.
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A primazia dos
Direitos Humanos sobre as soberanias nacionais, nas últimas décadas tem-se manifestado de
diversas maneiras:
a) Convenções Internacionais. Desde
aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), tem-se
sucedido as convenções internacionais que consagram um conjunto de
Direitos e valores supra-nacionais. O caminho não tem sido linear, mas
mostra-se imparável. Um dos momento decisivos deste percurso foi a
assinatura, em 1975, da Acta Final da Conferência de Helsínquia (1975),
a qual estabelecia, no seu princípio nº.7, o dever que que incumbe a
cada Estado respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos
seus cidadãos. Muitas outras convenções tem sido estabelecidas na mesma
linha de vincularem os Estados a compromissos internacionais neste
domínio.
b ) Propaganda Ideológica. A partir da
década de 70 do século XX, os EUA, passaram a usar o valor universal dos
Direitos Humanos como uma arma ideológica para atacarem certos Estados
que alegadamente os violavam. Apesar do seu carácter oportunista e
muitas vezes hipócrita, a verdade é que muitos outros Estados passaram a
usar esta arma ideológica para atacarem outros que os não cumprem,
reforçando desta forma a força destes direitos e valores.
b
) Intervenções militares internacionais. Muitas intervenções
militares passaram a usar estes direitos, como justificação. Algumas
ditaduras tem sido derrubadas sob o pretexto de que violavam os direitos
humanos.
b ) Organizações Internacionais. Num esforço de
institucionalizar esta nova concepção, tem surgido várias
organizações internacionais destinadas a denunciar ou julgar todos
aqueles que violam os direitos humanos. A última das grandes
organizações neste domínio é o Tribunal Penal Internacional (TPI).
O TPI foi criado em 1998 e tem por missão julgar todas as
pessoas que tenham cometido crimes de genocídio, de guerra ou contra a
humanidade, como escravatura, discriminação racional (apartheid ),
extermínio de pessoas, assassinatos, desaparecimentos forçados,
torturas, sequestros, agressões e entre outras. O TPI tem a sua sede em Haia
(Holanda).
A legitimidade dos Estados e dos Governos,
deixou assim assim de ser vista apenas à luz do Direito interno de cada
país, para ser considerada num plano internacional com base em valores
assumidos como universais.