Reformas do Ensino Secundário em Portugal - PSD

O Colapso do Sistema (2002-2005)

Carlos Fontes

1. Promessas

A chegado do PSD ao poder (Março de 2002), prometia uma viragem no situação que se apresentava catastrófica. O novo ministro da Educação (David Justino),  tinha a clara consciência que era preciso acabar um sistema educativo que fomenta a irresponsabilidade, o desperdício de recursos, promovendo a mediocridade generalizada. Justino começou por suspender a Reforma do Ensino Secundário, e após algumas modificações relançou-a no ano lectivo de 2003/2004. Procedeu também à reestruturação do Ministério da Educação, pondo fim a serviços e institutos parasitários. O país aplaudiu.

Em Julho de 2004 abandonou a pasta da Educação, deixando uma situação pior do que aquela que encontrou. A sua sucessora, tal como todo  governo de Pedro Santana Lopes (Julho de 2004/Fevereiro de 2005) acabou por ser afastada pelo Presidente da República (Jorge Sampaio) por manifesta e reconhecida incompetência após 4 meses de total desvario. A confusão atingiu os limites do absurdo, quando em Setembro de 2004, os serviços do Ministério da Educação se revelaram incapazes de fazerem a colocação dos professores no ano lectivo de 2004/2005 atrasando o inicio do ano lectivo. 

O sistema educativo português é ingovernável? Está Portugal condenado a manter-se na cauda da União Europeia (UE) em termos e indicadores educativos ? Olhando para o panorama da educação praticada entre nós, qualquer observador minimamente informado diria que as medidas são extremamente simples. Estão ao nível do senso comum. O problema é que ninguém parece ter vontade de as tomar, tão vastas e ramificadas são as redes de interesses instalados. 

2. Decréscimo de alunos

Nos último anos, o ensino básico ( 9 anos de escolaridade), perdeu cerca de meio milhão de alunos. Nos próximos anos, perspectiva-se uma redução ainda maior. No ano lectivo de 2004/5, o 2º. Ciclo tinha 245.869 alunos e o 3º. Ciclo: 357.420 alunos é fácil concluir que tudo aponta para o decréscimo do número de alunos e não para o seu aumento. Este é um dado objectivo que toda a gente conhece, mas não parece ter sido levado em conta nas políticas educativas. No 1º. Ciclo continuam a proliferar as escolas com 1, 2, 3, 4 ou 5 alunos. No ensino secundário, por exemplo, muitas antigas escolas têm uma ocupação e utilização baixíssima. Tudo isto exigiria uma rápida redução do parque escolar, de forma a concentrar os recursos onde eles são mais necessários.

3. Aumento do Número de Professores

 Apesar da diminuição do número de alunos, a verdade é que o número de professores no sistema de ensino não parou de aumentar (mais 20 mil). Subiu também o número dos que têm "Horário Zero" (dispensados da componente lectiva). Cresceu também o número dos requisitados para todo o tipo de tarefas fora das escolas. Embora globalmente exista um excesso de professores, a verdade é que em muitas escolas eles continuam a faltar, ou continuam a existir turmas com um elevado número de alunos. A situação é de todo incompreensível.   

4. Elevadas Despesas com o Sistema Educativo

 As despesas do sistema educativo em Portugal estão muito acima da média da União Europeia. As escolas públicas possuem, em geral, condições excepcionais de funcionamento no contexto da UE: um elevado número de funcionários auxiliares, uma gestão colectiva com muitos professores, cantinas, bares, papelarias, etc, etc. Os gastos com o funcionamento corrente do sistema tem crescido de forma continua para suportarem a ineficiência do próprio sistema. Das largas centenas de milhões de euros inscritos no orçamento de Estado para a Educação, apenas 2% são para investimento. Trata-se de um vasto conjunto de recursos dos quais se poderia (e deveria) esperar resultados satisfatórios e nunca mediocres. 

5. Descomunal Máquina Ministerial

 Os serviços centrais e regionais do Ministério da Educação, apesar de todos os cortes nos funcionários continuam a abarrotar de pessoal, muitos dos quais são professores. Esta máquina embora seja reconhecidamente pesadíssima, não deixa de ser apoiar em  inúmeras empresas de serviços, e um sem número de assessores, consultores, técnicos exteriores. Apesar disso, é também consensual que não funciona de forma minimamente satisfatória. Não consegue, por exemplo, colocar todas as escolas a funcionar com o mesmos programas informáticos de forma optimizar recursos e permitir a migração de dados. A comunicação social, diariamente, vai dando conta dos inúmeros casos que revelam o total desnorte destes serviços, demonstrando aquilo que todos sabem: um dos maiores obstáculos à melhoria da educação em Portugal está no próprio Ministério que absorve uma enorme fatia do orçamento destinado à Educação. 

6. Prioridades Camarárias

Mário Soares (ex-presidente da República Portuguesa), não apanhou ninguém de surpresa quando afirmou que muitas câmaras municipais estavam dominadas por especuladores imobiliários ou são dirigidas por políticas corruptos ou incompetentes. Ora acontece que estas câmaras municipais tem a seu cargo a manutenção dos edifícios onde funciona o ensino público do 1º. ciclo (4 anos de escolaridade). A elas compete igualmente criarem importantes estruturas locais de apoio à educação e cultura (bibliotecas, centros de estudo, etc). Se analisarmos as prioridades nos investimentos dos municipais,  rapidamente nos apercebemos que as suas prioridades não são a educação ou a cultura. O grosso das verbas que lhes são atribuídas são directa ou indirecta canalizadas para nobres funções como as negociatas dos clubes de futebol. O problema é que os pais que protestam pelas péssimas condições em que funcionam as escolas que são frequentadas pelos seus filhos, continuam a votar nestes autarcas contribuindo desta forma para manterem a situação.     

7. Pulverização de Recursos Educativos

Desde a formação de novos professores, à sua permanente requalificação o país tem hoje uma vasta rede instituições, onde se realiza igualmente uma relevante investigação em todas as áreas das ciências da educação (Faculdades e Escolas Superiores de Educação, centros de formação inter-escolas, etc). Se apenas tivermos em conta estes dados, podemos afirmar que estamos à frente da maioria dos membros da UE em matéria de formação de professores e investigação em educação. A única certeza que todavia temos é que nunca se investiu tanto neste domínio como nas duas últimas décadas. O país está cheio de pedagogos, mestres e doutores em ciências da educação. As escolas superiores continuam a formar carradas de candidatos a docentes que terminam todos os anos no desemprego dada a escassez de alunos. 

8. Autonomia das Escolas

A esmagadora maioria das escolas portuguesas possuem actualmente um corpo docente de eleição, quer em termos de formação científica, quer pedagógica. Esta enorme "massa crítica", em princípio, deveria estar à altura de poder gerir as suas escolas com autonomia e mediante contratos com o Ministério da Educação, onde estivesse claramente definidos os objectivos a atingir. Embora reconhecida na lei, a autonomia das escolas é frequentemente uma pura ilusão, porque as próprias escolas não a querem assumir, preferindo o "guarda chuva" dos ineficientes serviços do Ministério.

9.Orgânicas Corporativas

As escolas portuguesas, nomeadamente as secundárias, apesar de todas as reformas continuam a não ter uma estrutura orgânica e um modo de funcionamento orientado para os alunos. A sua orgânica interna reproduz a estrutura dos grupos disciplinares dos professores. Os vários "Departamentos" das escolas não espelham, por exemplo, os "serviços" que a escola presta à comunidade educativa (cursos gerais, cursos tecnológicos, etc), mas sim os poderes nela instalados (Departamento de Português, etc). Este facto faz com que todos os cursos do secundário, por mais específicos que sejam acabem desvalorizados.

10. Exclusões

O mapa das escolas que registam elevadas taxas de insucesso são do conhecimento geral. Os problemas decorrentes do aumento do número de alunos filhos de imigrantes são conhecidos, assim como as formas de actuar nestas situações. As próprias escolas possuem um conhecimento preciso e em tempo real dos seus casos problemáticos de abandono e insucesso escolar. Se não tomam medidas adequadas é por incompetência na maioria dos casos. Ninguém pode alegar falta de informação. Em última instância recorrendo a professores excedentários ou candidatos a professores no desemprego, seria facílimo ciar equipas para actuarem em situações que se revelassem excepcionais em termos de insucesso escolar. A verdade é que estes casos continuam a multiplicar-se, conduzindo ao abandono precoce da escolaridade de milhares e milhares de alunos. 

11. Resultados Catastróficos

 O panorama do sistema ensino, após todas as reformas, no inicio de 2005, continua a ser de um completo desperdício de recursos humanos e financeiros, mas também de resultados escolares que são simplesmente vergonhosos: 

- A descoordenação global dos serviços do Ministério é manifesta. A incompetência minou o que restava da sua credibilidade. A colocação de professores no ano lectivo de 2004/2005 demonstrou à saciedade esta realidade.  

- Os novos cursos tecnológicos, lançados no anos lectivo de 2004/2005, apresentam já os piores sintomas, nomeadamente uma fraca procura.   

- As taxas de abandono escolar no ensino básico e secundário são as mais elevadas da UE. O insucesso escolar continua a ser elevadíssimo e foi já assumido de forma resignada por muitas escolas.

- A percentagem de portugueses entre os 20 e os 24 anos com apenas o ensino básico concluído aproxima-se dos 40%, um valor só suplantado por Malta (45%) e muito longe da média dos países dos 25 da União Europeia (16%) (dados UE-2004).

- Os alunos portugueses até ao 15 anos são em todos os países da OCDE,  os menos aptos a resolver problemas elementares de ciências; o conhecimento de Matemática só é pior entre gregos e italianos. A leitura está ao nível dos italianos, só ultrapassando gregos e eslovacos (dados da OCDE-2003).

- A violência nas escolas, nomeadamente as agressões a professores e a insegurança nas escolas não pararam de aumentar. Multiplicaram-se também os programas de combate à droga e ao consumo de alcool entre os jovens, mas este flagelos continua a medrar, mas como em tudo, ninguém apura as responsabilidades.  

O resultado de tudo isto é de fazer envergonhar qualquer português: Apenas 20% da população activa portuguesa possui o 12º. Ano de escolaridade, enquanto a média da UE é de 40%. Se tivermos em conta os enormes investimentos feitos no sistema de ensino nada justifica semelhante panorama.

 12.Formação Profissional

Os sistema de Formação Profissional em Portugal, exterior  ao Ministério da Educação, poderia ser uma excelente alternativa para os muitos milhares de jovens que abandonam as escolas. Poderia mas não é. Apesar dos rios de dinheiro que têm sido gastos na formação profissional, o panorama também não é melhor, muito pelo contrário. Apenas um pequeníssima percentagem dos trabalhadores continua a participar em acções de formação. Não existe qualquer articulação com as estruturas educativas do Ministério da Educação.

Educação e Formação Profissional continuam a funcionar de costa voltadas.  

A principal entidade pública que opera neste domínio, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) vive há anos no mais completo caos. Após anos e anos a consumir recursos nacionais e da UE, não tem um sistema de formação consolidado: a maioria dos seus cursos parecem ter apenas dois objectivos: a) Entreter os desempregados, dando-lhes alguns meios de subsistência; b) Dar trabalho a dezenas de milhares de formadores contratados "à hora" ou "à tarefa", e justificar por último os enormes investimentos em estruturas, funcionários, etc. O descrédito e o vazio de ideias neste sistema é completo.   

13. Pulverização de Escolas no Ensino Superior

 A situação do Ensino Básico e Secundário, repete-se no ensino superior, onde o desperdício é igualmente chocante. O número de alunos no ensino superior está a diminuir, e para agravar a situação continuam elevadas as taxas de insucesso escolar (abandono, repetências, etc). Embora tudo isto seja verdade, as universidades e as escolas superiores públicas continuam a multiplicar-se por todo o país ao sabor dos interesses locais. O resultado é a criação de enormes encargos globais com instalações e o desperdício de recursos.

13.1. Pulverização de Cursos

. A submissão do ensino superior às lógicas das diferentes clientelas acabou conduzir à criação artificial de cursos superiores (licenciaturas, mestrados, pós-graduações, etc). Portugal é hoje em toda a UE o país com maior número de cursos superiores em escolas públicas. Um grande número dos mesmos nem sequer chega a abrir por falta alunos, outros funcionam apenas para justificar a existência de um ou outro professor. Para cúmulo, em áreas fundamentais em que o país é carente de profissionais, como a medicina e a enfermagem, milhares de jovens são obrigados a irem estudar para a Espanha, França, República Checa, EUA, dadas as fortes restrições a este ensino em Portugal. Chocante!   

Embora o ensino superior publico tenha um claro excesso de professores, a verdade é que as escolas acabam sempre por arranjar forma de contratarem novos professores para darem as aulas dos professores excedentários. Como se tudo isto não bastasse, uma grande percentagem destes professores acumula o ensino público com outras actividades externas: aulas em universidades privadas ou trabalhos em empresas privadas. Ninguém pede ou exige responsabilidades.      

13.2. Desfasamento da Sociedade

. Não é apenas a existência de um grande número de escolas e cursos artificiais que tornam absurdo o sistema, mas também uma lógica de funcionamento que está completamente desligada das necessidades do país. Face a este panorama temos que concluir que na maioria dos casos, o ensino superior em Portugal, faz ponto de honra pairar acima de qualquer articulação com o mercado de trabalho, a economia ou as preocupações de desenvolvimento do país. Limita-se a reclamar sempre mais dinheiro, opondo-se a todas as medidas que exijam compromissos mensuráveis de modo a evitar qualquer tipo de avaliação externa. 

14. Um problema também ético

Os problemas do sistema de ensino em Portugal são conhecidos, os seus mediocres resultados também. As soluções são até consensuais, a questão de fundo é a vasta teia de interesses muito difusos que  nele estão enraizados. Face a esta situação o problema não é apenas de natureza política, mas sobretudo ética. É inaceitável a demissão dos professores portugueses perante este desvario do sistema educativo.   

Lisboa, Fevereiro de 2005

Continuação

Carlos Fontes

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