Formação
Contínua de ProfessoresÚltimas DécadasCarlos Fontes Introdução . Conceito. Algumas Referências Históricas . Os Anos Noventa . Contradições Iniciais . Alterações no Modelo de Formação . Conclusão |
A expansão da formação contínua de professores em Portugal, nos anos noventa, constituiu para diversos autores uma resposta a três problemas essenciais que enfrentava o sistema educativo:
Apesar de nenhuma destas questões ser nova, na década de noventa, passou a ser consensual que a formação contínua iria desempenhar um importante papel neste novo contexto (José Alberto Correia).
A formação contínua aparece frequentemente como sinónimo de educação de adultos, aperfeiçoamento, formação em serviço, reciclagem, desenvolvimento profissional ou desenvolvimento dos professores. Garcia Álvarez, definiu-a da seguinte forma: "A actividade que o professor em exercício realiza como uma finalidade formativa - tanto de desenvolvimento profissional como pessoal, individualmente ou em grupo - para o desempenho eficaz das suas tarefas actuais ou que o preparam para o desempenho de novas tarefas" Esta formação ocorre depois do professor ter recebido um certificado inicial e ter iniciado a sua prática profissional. Mas não deve ser também confundida com a reciclagem, devido ao seu carácter permanente. Actualmente, o conceito de formação contínua tem vindo a ser substituído pelo de Desenvolvimento Profissional dos Professores, dado que este surge como mais apropriado para traduzir a concepção do professor como profissional do ensino. Para além de uma conotação evolutiva, este novo conceito valoriza em particular uma abordagem da formação de professores que tem em conta o seu carácter contextual, organizacional e orientado para mudança, superando assim a sua dimensão mais individualista de aperfeiçoamento pessoal. Subjacente a este novo conceito está ainda o de educação permanente, que emergiu no início dos anos 60, enquanto princípio organizador do ensino como um sistema coerente e integrado, concebido para responder às aspirações educativas e culturais de cada indivíduo, ao longo da sua vida e à medida das suas aptidões.
Algumas Referências Históricas A formação contínua de professores não é uma novidade em Portugal. desde o século XIX que se registam inúmeras iniciativas particulares e oficiais. Até aos anos noventa teve, contudo, sempre um carácter muito precário, quase sempre marcado por iniciativas pontuais. A título meramente ilustrativo, vejamos algumas referências históricas.
O Período Militante A formação contínua dos professores aparece amplamente documentada desde o século XIX, quase sempre associada à ideia de conferências pedagógicas. Com a Iª. República (1926-1926), conheceu um grande impulso, sobretudo nas acções dirigidas aos professores primários. A Fase Ideológica Com o Estado Novo (1933-1974), este tipo de formação conheceu certo incremento nos períodos de reforma do sistema de ensino. Assim aconteceu nos anos trinta, destacando-se as acções dirigidas aso professores do ensino primário. Voltará a acontecer nos anos sessenta, nomeadamente aquando da institucionalização do ciclo preparatório (1968-1969), quando se colocou com particular acuidade o problema da formação dos professores que o viessem a ensinar. Em plena reforma de Veiga Simão, regista-se em 1972-73, a abertura de Centros Regionais, destinados a dinamizar as escolas, promoverem acções de formação, prestarem apoio técnico e facilitarem o intercâmbio pedagógico. O Arranque No período subsequente ao golpe militar do 25 de Abril de 1974, realizou-se um notável esforço de actualização científica e pedagógica promovendo-se inúmeras acções de formação. Estas acções decorriam de dois factores:
a) A mudança política do regime implicava uma nova postura do corpo docente de modo consentâneo com os novos valores;
b) O fim dos Exames de Estado e dos Cursos de Ciências Pedagógicas nas Faculdades de Letras que implicou a transferência para os orientadores de estágios nas escolas da responsabilidade pela formação pedagógica dos professores. Rapidamente se tornou evidente que estes orientadores não possuíam uma formação pedagógica adequada para desempenho das novas tarefas que lhes foram confiadas. Passou a viver-se uma situação de total improviso, com os estagiários sujeitos às maiores arbitrariedades.
Seja como for, em 1974, ainda houve tempo para a realização de muitas improvisadas acções de sensibilização dos professores, sobre os temas mais variados.
Em 1975 regista-se a realização de cursos para delegados pedagógicos, e iniciam-se acções de reciclagem com o apoio de textos escritos e material audiovisual.
No ano seguinte, organizam-se cursos para todos os coordenadores pedagógicos, introduziu-se no horário do professor um espaço de tempo destinado à formação para reuniões de carácter pedagógico, aspecto que constituiu uma enorme inovação.
Em 1977, procura-se constituir uma estrutura capaz de suportar um processo de formação contínua de professores. Assim, é criada uma Comissão Instaladora de um Curso de Formação de Formadores. Esta comissão chegou a elaborar um curriculum destinado a formara um corpo de formadores de formadores, estabelecendo um tempo mínimo de 267 horas, contemplando as seguintes matérias: Dinâmica de Grupos; Expressão e Comunicação; Sociologia da Educação, Psicologia do Desenvolvimento; Avaliação Pedagógica, Correntes e Tendências em Educação e Investigação em Pedagogia, para além de Trabalho de Projecto e outras metodologias similares.As intenções eram boas, mas situação económica do país exigia forte contenção das despesas públicas, e o resultado foi continuar-se a improvisar em termos de formação de professores. A Institucionalização A institucionalização da formação ocorre nos anos 80, num contexto marcado por profundas mudanças, nomeadamente as que decorriam na difusão das novas tecnologias de informação e comunicação. Em Portugal o sistema de ensino atravessou nesta década uma enorme crise, devido a quatro factores essenciais:
a)Um orçamento que até finais dos anos 80, não permitia o crescimento das despesas educativas, nem investimentos que o sistema carecia;
b) O aumento preocupante do desemprego dos jovens, que na sua maioria continuavam a ser "despejados" no mercado de trabalho com uma escolaridade muito elementar e sem qualquer qualificação profissional;
c) O sistema de ensino revelava enormes dificuldades de adaptação dos objectivos, dos conteúdos e dos métodos de formação à rápida evolução tecnológica;
d) Nas escolas que abrangiam a faixa etária dos 12 aos 16 anos, aumentaram de forma exponencial as dificuldades de adaptação a esta população escolar ( número de alunos, heterogeneidade, etc).
É neste contexto que a formação contínua dos professores começa a ser encarada como uma necessidade estratégica por parte do Estado, para resolver uma situação que se reconhecia como problemática. Até aí, como escreve João Pedro da Ponte, pressupunha-se que os professores, uma vez em funções e desde que dispusessem de habilitações consideradas adequadas, estariam em condições de exercer para sempre a sua actividade profissional. Algo havia efectivamente mudado. O primeiro documento onde a mesma é consagrada, com o devido relevo foi na Lei de Bases de Sistema Educativo (Lei 46/86). Entre os quatro artigos que contemplam a formação dos professores, um deles, o artigo 35º, é dedicado formação contínua. Nele se regulamenta, de forma genérica, os princípios fundamentais da formação contínua, salientando-se os seguintes pontos: - O reconhecimento do direito à formação contínua para todos os professores, independentemente do nível de ensino.
- A diversificação dessa formação, por forma a “assegurar o complemento, aprofundamento e actualização de conhecimentos e de competências profissionais”, possibilitando ainda a “mobilidade e a progressão na carreira”;
- A responsabilidade das instituições de formação inicial, de nível superior, na organização da formação contínua, embora em cooperação com as escolas;
- A institucionalização dos anos sabáticos como períodos atribuídos aos docentes para a formação contínua.
Apesar desta boas intenções expressas no plano legislativo, em termos práticos, a formação contínua dos professores no final da década continuava a ser muito pontual. Em 1989, o relatório sobre A Situação do Professor do Professor em Portugal, então publicado, dava conta que 47,5% dos professores entrevistados tinha frequentado cursos de carácter científico/pedagógico, 13,7% cursos de carácter exclusivamente científico e 18,2% cursos de carácter pedagógico. Este mesmo relatório, como nota José Alberto Correia, revela que só 53,3% destas acções foram organizadas pelo Ministério da educação, cabendo as restantes aos sindicatos, associações de professores, sociedades científicas, escolas, etc. A questão da formação contínua é objecto de um largo debate. É neste contexto que é finalmente estabelecida uma carreira única dos professores, organizada em 10 escalões, e são fixados os requisitos e escalões de ingresso, assim como as condições de progressão na carreira. Para além do tempo de serviço, foram estabelecidas como condições de progressão na carreira, a avaliação de desempenho e a frequência de acções de formação contínua (Dec-Lei 409/89, de 18/11). Esta passou a ser a referência fundamental a que as iniciativas neste domínio passaram a ter em conta.
No ano de 1990 deram-se igualmente
importantes avanços na institucionalização da formação continua,
nomeadamente para efeitos de progressão na carreira. Foi então aprovado
e regulamentado o Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de
Infância e dos Professores dos Ensinos Básicos e Secundário, consagrando-se
nestes diplomas um vasto conjunto de princípios de enorme relevância sobre a formação dos professores.
Num estudo então publicado pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do
Ministério da Educação, constatava-se, uma vez mais, que a formação
continua dos professores, caracterizava-se pela (1) desarticulação entre as
necessidades de formação sentidas pelos professores e a oferta formativa; (2)a
falta de organização e de apoio das entidades responsáveis pela formação;
e,(3) a inexistência de repercussões nas práticas dos professores. Estas
conclusões aparecem de alguma forma reflectidas nas conclusões do 1ª.
Congresso Nacional de Formação Contínua de Professores, realizado em Aveiro,
em 1991, sendo no mesmo salientado que as acções que eram realizadas estavam
desarticuladas dos contextos organizacionais das escolas e dos problemas
sentidos pelos professores. O ano de 1992, marca o início da formação
continua em Portugal, numa dimensão e com estruturas, sem paralelo com o
passado.. A expansão da formação contínua dos anos 90, parece ter sido determinada
por três razões essenciais: a) A resolução do problema dos professores provisórios no ensino básico e
secundário. Na retórica política, desde o finais dos anos 70 que a questão da formação contínua aparecia com alguma frequência. Mas como vimos, estava longe de se traduzir em termos de acções concretas. As acções de formação tiveram sempre um carácter pontual. Para a maioria dos professores, não constituíam também uma prioridade. Os dois principais problemas que continuavam a afectar o professorado do ensino não superior, continuavam a ser a formação inicial e a profissionalização. Basta dizer que ainda em 1984/85, 42% dos docentes do ensino preparatório e 50% do secundário não possuíam formação profissional completa. O grande avanço na profissionalização só ocorre em 1989/90, tornando possível a partir daí encarar de uma forma nova a própria questão da formação contínua. b) A entrada de importantes fundos comunitários para a formação
profissio
c) A urgência de mobilizar os professores para a reforma do sistema de
ensino. As reformas empreendidas no sistema
educativo na sequência da publicação da Lei de Bases (1986), depois de uma
fase inicial de alguma mobilização dos professores, no principio da década de
90 estavam longe de geraram grandes entusiasmos. O expansão da formação
contínua superiormente controlada pelo Estado foi apontada como um poderoso
meio para mobilizar e preparar os professores para as mudanças em curso. As
avaliações posteriores, como veremos, demonstraram que tiveram um
impacto mínimo, senão mesmo desmobilizador na prática dos professores.
No período que precede o arranque da formação contínua, em 1992, verifica-se um intenso debate ideológico entre as duas centrais sindicais dos professores sobre o modelo a adoptar. A FNE defendia que a formação contínua deveria ser assegurada pelas escolas superiores, embora de forma articulada com as escolas. Este modelo acabou por vigorar, de certa forma, na primeira primeira fase. A FENPROF defendia que a formação deveria ser centrado nas escolas e envolvendo os seus professores. O então dirigente máximo desta central, António Teodoro, apontava como exemplo, a dinamização das escolas havia registado, entre 1974 e 1986, em consequência de um modelo de formação de professores que nelas se centrara. O governo apressou-se aliás a criar um orgão com competências a nível nacional para acreditar as entidades formadoras e as acções de formação, bem como acompanhar e avaliar o sistema de formação contínua dos professores - Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua. Era da competência do Governo estabelecer as prioridades de formação (Dec-Lei 249/92, de 9/11 e Dec-Lei 274/94, de 28/10). A questão da obtenção dos créditos para a progressão na carreira, conferidos pelas várias acções de formação, contaminou desde o principio os objectivos da formação contíinua. Rapidamente se tornou claro que o importante não eram as acções, mas os créditos que as mesmas conferiam. A ideia estava já presente no estatuto da carreira docente (1990), que entendia a formação contínua como um dever do docente, cujo não cumprimento lhe implicaria graves consequências no seu percurso profissional. Pressupondo que o ingresso num programa de formação resultava não de uma vontade de aprender ou de uma necessidade interior de evoluir profissionalmente, mas de uma obrigação que havia que cumprir para se sobreviver e progredir na carreira. A avaliação de desempenho, consagrada no Relatório Crítico que os docentes se viram obrigados a elaborar, mais não fez do que consagrar esta lógica: o importante não era o desempenho e empenho do docente, mas a confirmação burocrática dos deveres cumpridos (apresentação de certificados de acções frequentadas). Outras perversões não tardaram a aparecer.
Alterações no Modelo de Formação Na primeira fase, durante o FOCO 1, as escolas superiores tiveram um papel preponderante na formação contínua dos professores. Apostou-se num modelo próximo do preconizado pela FNE. Constatou-se um notório o envolvimento de grande numero de professores do ensino superior nestas acções de formação. Na segunda fase, os Centros de Formação de Associações de Professores (CFAPs), mas sobretudo os Centros de Formação de Associações de Escolas (CFAEs), a grande novidade do novo sistema, acabaram por impôr-se. A formação centra-se nas escolas e nos seus professores. No princípio as expectativas eram enormes sobre as potencialidades destes centros na promoção da reflexão dos professores sobre as suas próprias práticas, conduzindo-os a situações de inovação pedagógica, ou de superação de muitas situações problemáticas vividas nas escolas. Quase de imediato se constatou que esta formação, se havia tornado num negócio para os muitos improvisados formadores, muito mais bem pagos que a dar aulas ou explicações!. Os formandos-professores, as vítimas do sistema, a maioria das vezes, apenas esperavam que a formação fosse rápida, com o mínimo de esforço e custos, mas que conferisse os créditos necessários para a progressão na carreira (João Pedro da Ponte, 1994). Em meados da década de noventa, vários estudos sobre a formação continua que estava a ser realizada revelavam um preocupante quadro: a) ofertas de formação continuavam desligadas dos contextos escolares e das suas necessidades, sendo frequentemente determinadas apenas pela simples disponibilidade de formadores numa dada área; b) A procura da formação era cada vez mais destinada a resolver de forma expedita o problema dos créditos dos professores para progressão na carreira; c) os centros de formação estavam cativos de professores afastados de funções directivas nas escolas, ou que revelam algum cansaço das aulas.. Em finais dos anos noventa, constatava-se que as acções de formação estavam longe de corresponder às expectativas iniciais. As atitudes iniciais de entusiasmo e interesse haviam dado lugar à desmotivação. Os centros de formação das escolas, a grande inovação de 1992, tornaram-se simples agências de créditos para a progressão na carreira docente (Carlos Ruela, 1999). Outras avaliações, como o de José Alberto Correia (1998), traçaram um quadro ainda mais negro desta formação, ao mostrarem como interesses instalados comandam os respectivos centros de formação e as suas ofertas formativas, completamente afastados das necessidades dos professores ou dos problemas das escolas.
Apesar do salto quantitativo da formação contínua dos professores na década de noventa, constata-se que a mesma está longe corresponder às expectativas que gerou. Submergidos por lógicas clientelares, muitos centros de formação revelaram-se incapaz (1) de aproximarem a formação dos contextos escolares, (2) de articularem formação, pesquisa e inovação pedagógica, (3) de contribuírem para a autonomia das escolas, (4) ou mesmo de promoverem o desenvolvimento profissional dos professores. Qualidade e credibilidade são as duas únicas alternativas que hoje se apresentam para sair deste pantanal em que os centros mergulharam. Carlos Fontes, 2000 |