Ensino da Filosofia em Portugal Carlos Fontes Tempos Medievais - Período Jesuítico
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O ensino da filosofia sob múltiplos aspectos é uma verdadeira tradição nas escolas portuguesas, estando pelo menos desde o século XIII, amplamente documentado. Funcionou quase sempre como um ensino preparatório para os estudos superiores. Apenas na Faculdade de Filosofia em Coimbra, criada por Marquês de Pombal, constituiu uma área autónoma no ensino superior, mas teve uma vida efémera. Voltou a ter um espaço próprio no Curso Superior de Letras de Lisboa, criado em 1858, mas estava numa amalgama com os estudos históricos e filológicos. A reorganização deste curso em 1901, distribuiu as matérias de Filosofia por dois anos: no primeiro ensinava-se Lógica e Psicologia, e no segundo História da Filosofia. A Companhia de Jesus, em 1885, abriu um curso de Filosofia, em Setúbal, mas foi fechado em 1910. Em 1934 o curso foi reaberto, em Braga, sendo apenas em 1942 reconhecido como curso superior. A mudança mais significativa, neste nível de ensino, foi todavia a criação, em 1911, das Faculdades de Letras de Coimbra e Lisboa, onde a Filosofia surgia, mais uma vez, misturada com outros cursos, neste caso a história e a geografia. Somente nos anos cinquenta se constituiu como um curso superior autónomo. O estudo da Filosofia, durante a Idade Média, estava ligado às chamadas "Artes Liberais", entre as quais se incluía a Lógica, a Dialéctica e a Retórica, consideradas indispensáveis para o acesso aos estudos superiores, nomeadamente de Direito ( Civil ou Canónico) e de Medicina. Não é pois de estranhar que nos Estudos Gerais de Lisboa, criados em 1290, fosse exigido o estudo da Lógica. Recorde-se que foi neste século que viveu Pedro Hispano (c.1220-1277), o único papa português, e o autor do mais conhecido manual de Lógica usado nas escolas medievais- a Summulae Logicales, do qual até ao século XVI, em toda a Europa se contaram mais de 260 edições. Numa carta de D. Diniz, datada de 1309, na qual regulamenta a transferência da Universidade para Coimbra, refere a existência de doutores e mestres de Dialéctica. Quando a Universidade volta a Lisboa, no século XV, o Infante D. Henrique entre as novas cadeiras que estabelece, surge a de Retórica. A Filosofia Natural e Moral ocupava já então o espaço da Dialéctica. No século XVI, a principal inovação foi a criação do Colégio das Artes em Coimbra, no ano de 1547, cuja finalidade era exactamente a preparação dos alunos para o ingresso na Universidade. O curso que neste colégio era ministrado, tinha a duração de 4 anos, e era leccionado por professores da Companhia de Jesus. A Filosofia constituía o tronco central de todas as matérias, compreendendo as de Dialéctica, Lógica, Física e Metafísica, sendo na sua quase totalidade ocupada com comentários às obras de Aristóteles. A partir de 1590, estes padres adquiriram o monopólio do ensino da filosofia em Portugal. O Curso ministrado em Coimbra, foi de tal modo considerado excelente que se tornou numa espécie de norma para o ensino desta Companhia, não apenas em Portugal, mas em todo o mundo. A sua principal lacuna era todavia o imobilismo, numa altura em que a ciência, e em particular a Física faziam enormes avanços no conhecimento. Sentindo-se cada vez mais desfasados do seu próprio tempo, em 1750, os Jesuítas solicitam a D. João V autorização para reduzirem a duração da lógica, afim de dedicarem mais tempo à Física, pretendendo também acompanhar o seu estudo com experiências. Por esta altura, os Oratorianos haviam já alterado profundamente o ensino que ministravam da Filosofia. Compreendendo a necessidade de uma reforma profunda que carecia o ensino em Portugal, em 1759, Marques de Pombal, inicia a reforma dos estudos menores, nos quais se incluía o ensino da Filosofia. Ao expulsar os Jesuítas, deixa este ensino numa muito situação precária. As novas disciplinas que então são decretadas para acesso ao ensino superior - Latim, Grego e Retórica - apenas a última abarcava matérias filosóficas. O ensino da Retórica que durava dois anos, tratava também da Lógica, Metafísica, Ontologia, História da Filosofia e a Moral. Eram demasiadas matérias, para uma única disciplina. Devido também à falta de professores habilitados para o seu ensino, os resultados foram considerados desastrosos. Como era de prever, em 1772, a retórica foi substituída pela disciplina de "Filosofia Racional e Moral". Dando corpo a esta reforma foram publicadas duas obras, que ao longo dos anos serviram de base no ensino de filosofia nas nossas escolas: Instituições de Lógica e Metafísica, de António Genuense (aprovado por Marques de Pombal, em Fevereiro de 1773), e a Ética de Heinécio, pouco depois substituída pela de Eduardo Job (Coimbra. 1794). Estas obras registaram ao longos dos anos um número apreciável de edições em latim e português. O ensino de Filosofia Racional e Moral, era em princípio para ser dada apenas num ano, o que se revelou impraticável. As Ordens Religiosas que o asseguravam por todo o país, dedicavam-lhe 3 anos, devido ao facto do curso da Faculdade de Filosofia, criado em 1772, ter matérias que exigiam uma formação anterior mais alargada em filosofia. Esta duração acabou por se generalizar. Reformas do ensino da Filosofia no Século XIX As constantes convulsões políticas que ocorreram no país entre o início das invasões napoleónicas, e o fim da Guerra Civil, não foram propícias ao desenvolvimento da educação. Tudo se manteve quase na mesma. A reforma de Passos Manuel, em 1836, procura recuperar o atraso do país em relação à Europa. No papel foi criada uma rede de liceus e estabelecido o conjunto de matérias que neles seriam ministradas. A cadeira de Filosofia Racional e Moral, foi então desdobrada em duas novas cadeiras: Moral Universal e Ideologia, e Gramática Geral e Lógica. O objectivo desta medida, segundo Vasco Pulido Valente, era fazer "propaganda do pensamento político oficial". A aplicação destas disposições legais nunca foi completada. Durante muitos anos, em simultâneo continuaram a existir as antigas cadeiras independentes como Filosofia Racional e Moral. Neste período para além do manual de Genuense, é de destacar o aparecimento de Noções Elementares de Philosophia Geral, de Pinheiro Ferreira, e Noções Elementares de Philosophia Racional Acomodadas às Instituições de Genovense, de um autor anónimo. A reforma de Costa Cabral, em 1844, procura de forma mais realista organizar o curriculum do ensino secundário, reduzindo o número de cadeiras de dez para seis, nas quais se integrava a de Filosofia Racional e Moral e princípios de Direito Natural. O Direito Natural, existia na Universidade desde a Reforma Pombalina, com esta reforma entrava também, na instrução secundária. O Estado aconselhava uma orientação ecléctica, não recomendando qualquer autor ou compêndio. Os liceus continuavam a seguir as obras de Genuense e Job. Em 1888, os programas de Filosofia foram reduzidos a metade. Começavam pela origens da Ciência e da Filosofia, passavam depois para a Psicologia Analítica, Lógica, Metafísica, Teologia Racional, Psicologia Racional, terminando na Moral. Até 1895, nenhuma outra reforma significativa ocorreu. Neste período, é de assinalar a edição de um levado número de manuais reflectindo a preocupação dos professores em manter o ensino actualizado com as correntes de pensamento da época. Reformas de 1894/95 No meio de uma intensa contestação, as reformas de João Franco, em 1894-95, estabeleceram uma certa ordem no ensino liceal. Os ensino deixou de se basear em disciplinas para ser organizado em função dum curriculum. Passava a haver um curso geral de cinco anos e um curso complementar de dois (6º. e 7º. Anos). A reforma do ensino da filosofia foi concebida por Jayme Moniz e Adolfo Coelho, ambos de formação filosófica. O programa era uma clara reacção ao avanço do Positivismo associado ao movimento republicano. Entre os manuais deste período, destacam-se os seguintes: Curso de Philosophia Elementar, de A. Ribeiro da Costa e Almeida; o Compendio de Philosophia Elementar conforme o programa oficial de 1895, de Pr. Bernardo Augusto de Madureira; Os Princípios Geraes de Philosophia, de João M. da Cunha Seixas; Princípios Gerais da Filosofia, de Cunha Seixas, com prefácio de Manuel Ferreira Deusdado. Reformas do Ensino da Filosofia no Século XX No início do século face ao avanço do positivismo e das correntes materialistas, o ensino da filosofia começa a ser contestado. A proposta mais consistente foi a de Marco e Sousa, em 1902, quando propõe que a Filosofia fosse distribuída pelas restantes disciplinas, dando a estas um carácter filosófico. Em 1904, os professores do Liceu votaram a sua abolição. A consequência mais imediata desta processo, foi a reforma de 1905, que introduziu no ensino da filosofia as ciências positivas, sob inspiração de Augusto Comte. O curso que tinha 2 anos de duração, foi reduzido de 4 para 2 horas semanais. Atendendo ao facto de não existir nenhum compêndio adaptado ao novo programa, as aulas seguiam, na prática, o programa anterior. O primeiro manual segundo as novas orientações só surgiu em 1913 - Elementos de Filosofia Scientifica, Alves dos Santos. A República, instaurada em 1910, procurou também modificar os programas de filosofia em 1918 e 1919, retirando-lhe curiosamente a carga positivista, mas os resultados foram muito limitados. A mudança da situação política do país, em consequência do fim do regime parlamentar e da instauração de uma ditadura militar, em 1926, conduziu, como em tantos outros domínios a alterações neste ensino. A metafísica banida em 1905, é apontada, em 1931, como o eixo do novo programa. Este aparece dividido nas seguintes matérias: Psicologia, Lógica, Moral e a Metafísica. Aponta-se o método socrático como o mais ajustado ao seu ensino. O programa de 1934, revela segundo Éduard Fey, uma orientação nitidamente ecléctica. A Reforma de 1936 traduz mais claramente as ideias do Estado Novo e os novos mecanismo de controlo que então são implantados. Neste ano institui-se, por exemplo, os exames nacionais,e a partir de 1940, será introduzido o princípio do livro único. O ensino da Filosofia foi reduzido a um ano, adquirindo a Psicologia enormes proporções. As temáticas filosóficas foram confinadas à lógica, e em particular ao silogismo aristotélico. Os dois manuais mais utilizados foram - Noções de Filosofia, de Eugénio Aresta (chegou a ser livro único entre 1950 e 1956) e Noções de Filosofia, de José da Silva e J.Bonifácio Ribeiro. A reforma dos programas em 1948, corresponde a um período de viragem do regime. Procurou-se então diminuir o peso que deste 1934 vinha sendo dada à psicologia. Esta fica confinada ao primeiro ano, sendo o segundo ano dedicado à Lógica, Teoria do Conhecimento, Ética, Estética e à Metafísica. O número de horas semanais passou de 2 para 4 horas. A tónica geral do programa era historicista. A nova reforma do programa, em 1956, procurou limitar o formalismo com que era ensinada a lógica aristotélica. A reforma de Veiga Simão em 1972, poucas alterações fez nos programas anteriores. No 6º. Ano o ensino centrava-se na Psicologia e no seu valor prático. No 7º. ano começava pela Lógica, passava-se depois à Lógica Formal, Metodologia (das ciências), Teoria do Conhecimento, Metafísica, Ética, terminando na Estética. A mudança de regime ocorrida a 25 de Abril de 1974, traduziu-se também por profundas mudanças no ensino da filosofia. A reforma de 1975, consagrou as grandes questões da contemporaneidade e dos seus valores. Em termos imediatos separou a Filosofia da Psicologia, sendo todavia o primeiro ano dedicado a esta última disciplina. O programa começava com a questão da reflexão Filosófica, seguindo-se a Fundamentação Lógica do Pensamento (ciências matemáticas, físico-químicas, biológicas, humanas...), a Natureza e Valor da Ciência, Ciência e Filosofia, Conhecimento e Ser, para finalmente se concluir com a questão do Homem e os seus Valores. Em virtude da criação da ano Propedêutico, em 1975, depois institucionalizado como um 12º. ano, em alguns cursos a filosofia era aprofunda através de temáticas como: Razão; Antropologia Fundamental como Horizonte da Reflexão Filosófica Contemporânea, Actividade Cognoscitiva; Problemática da Acção; Filosofia da Cultura e da História, Filosofia e a sua História... Reforma de 1978 A reforma que entrou em efectivação no ano lectivo de 1978/79, distribuiu o ensino da Filosofia por dois anos. Concluía-se na altura a implantação do ensino unificado. No 10º ano, o programa centrava-se na questão dos valores. Começava com Reflexão Filosófica, passava para a questão do Homem como Realidade Psíquica, mergulhando em seguida n`O Homem e os seus Valores, detendo-se em particular nos valores éticos, políticos, estéticos e religiosos. No 11º., centrava-se sobre os problemas da epistemologia das ciências e Conhecimento e o Ser, dando-se uma atenção especial a alguns autores.. A prática lectiva veio contudo simplificar o programa, nomeadamente ao nível do 10º. Ano, impondo uma orientação historicista que reduziu as questões da Filosofia às suas origens. Começava-se pelo estudo das origens do Homem, a formação do pensamento mítico, a ruptura do pensamento racional, os vários filósofos gregos.. Como o tempo era escasso, pouco mais se adiantava na questão da acção e dos valores. Reforma de 1989 A reforma de ensino decretada em 1989, só se efectivou em 1992, nesta disciplina. O programa de Introdução à Filosofia (10º. e 11º. Ano), pretendia abrir uma clara ruptura com a orientação historicista anterior. No 10º. Ano, inicia-se com a temática do vivido ao pensado, para se equacionar depois a problemática do lugar da filosofia, a acção humana e os seus valores. O eixo programático é agora estruturado em volta de conceitos como experiência, saber, acção e valores. O 11º., oscila entre a lógica e o conhecimento científico, quando se tem tempo, ainda se aborda a questão da Ontologia. O 12º. ano, continua centrado na discussão de autores. Mas esta Reforma e a que se aproxima, merecem uma atenção particular. Voltaremos em breve ao assunto. Carlos Fontes |