Sobre o Currículo

Carlos Fontes

 

O currículo constituiu um dos factores que maior influência possui na qualidade do ensino. Este aparente consenso, esconde um equívoco. Não existe uma noção mas várias noções de currículo, tantas quantas as perspectivas adoptadas  O curriculo continua a ser frequentemente identificado, com o "plano de estudo". Currículo significa, neste caso, pouco mais do que o elenco  e a sequência  de matérias propostas para um dado ciclo de estudos, um nível de escolaridade ou um curso, cuja frequência e conclusão conduzem o aluno a graduar-se nesse ciclo, nível ou curso. "Em termos práticos, como escreve Ribeiro (1989), o plano curricular concretiza-se na atribuição de tempos lectivos semanais a cada uma das disciplinas que o integram, de acordo com o seu peso relativo no conjunto dessas matérias e nos vários anos de escolaridade que tal plano pode contemplar".   Este conceito de currículo, muito próximo do conceito de programa, como foi formulado por Bobbit (1922), evoluiu para um conceito mais amplo que privilegia o contexto escolar e todos os factores que nele interferem. Procurando traduzir estas novas concepções Ribeiro (1989), propôs a seguinte definição mais operacional de currículo : "Plano estruturado de ensino-aprendizagem, incluindo objectivos ou resultados de aprendizagem a alcançar, matérias ou conteúdos a ensinar, processos ou experiências de aprendizagem a promover". 

    Mas o curriculo não é apenas planificação, mas também a prática em que se estabelece o diálogo entre os agentes sociais, os técnicos, as famílias, os professores e os alunos. O currículo é determinado pelo contexto, e  nele adquire diferentes sentidos conforme os diversos protagonistas. 

 

A Natureza Política do Currículo      

   No final dos anos quarenta, Tyler (1949), definiu as quatro questões básicas que qualquer currículo deveria responder:

    a) Que finalidades educacionais deve procurar a escola atingir?

    b) Como podem seleccionar-se as experiências de aprendizagem que podem ser úteis para alcançar estes objectivos?

    c) Como podem organizar-se as experiências  de aprendizagem para uma instrução eficaz?

    d) Como se pode avaliar a eficácia das experiências de aprendizagem?

    Estas questões partem do pressuposto que a primeira definição de um currículo é de natureza filosófica e política e não técnica. A primeira tarefa não é seleccionar ou organizar experiências de aprendizagem, mas definir a finalidade da educação. Antes da definição de um currículo as sociedades devem interrogar-se sobres  as intenções e funções sociais das escolas e quais os saberes relevantes em cada cultura que se deseja que os seus cidadãos possuam. A principal função de um currículo é assim, a de materializar estas intenções, tornando-as explicitas, isto é, susceptíveis de serem debatidas e conhecidas pelo conjunto da sociedade, e para poderem servir de orientação aos diversos agentes que intervêm na planificação e concretização do processo de ensino e aprendizagem.   

     A reforma curricular não é mais do que a concretização, dos objectivos definidos numa nova política educativa para todo o país, tendo em vista produzir alterações significativas no sistema educativo. É neste quadro complexo que se irá configurar o currículo, sendo essencial ter presente questões, tais como:  a) A definição mais ou menos explicita dos objectivos que deverão ser prosseguidos;    b) A tradição curricular do respectivo sistema educativo;  c) O tipo de currículo (aberto ou fechado); d) O modelo de organização (centrado em disciplinas ou em temas);  e) A selecção das matérias e respectivos conteúdos;  f) A forma como os intervenientes  no sistema educativo participarão;   g) As medidas de apoio à mudança curricular, etc. 

Definição, Inovação e Adaptação Curricular

    A definição curricular é  um momento de grande tensão. A fundamentação racional da selecção das matérias e conteúdos do currículo é apenas uma parte do processo. A outra menos evidente, mas decisiva são os conflitos entre as disciplinas por questões de status, recursos e territórios ( Goodson, 1987). Isto explica, como refere Marchesi (1998), que apesar dos avanços científicos e técnicos, o currículo tende a manter a mesma estrutura de disciplinas ao longos dos tempos. Qualquer alteração ao currículo é vivida como uma ameaça aso grupos instalados, e uma oportunidade aos que pretendem entrar no sistema. Os grupos de pressão ligados às várias disciplinas, nas alturas de reforma curricular, desenvolvem no sistema educativo uma intensa luta de bastidores por uma distribuição das matérias e conteúdos mais favoráveis aos respectivos grupos.

    A inovação curricular apesar de tudo acontece. Gonzáles e Escudero (1987), definiram neste domínio três grandes enfoques teóricos: a) No enfoque técnico-científico as mudanças curriculares são tratadas como meras questões técnicas. Os currículos são altamente estruturados, limitando-se o papel dos professores á simples execução de instruções superiores. b) No enfoque cultural dá-se uma grande importância à complexidade dos processos de mudança e às suas interacções. A cultura das escolas é particularmente valorizada. O papel do professor é valorizado, como agente e interprete das culturas em presença. c) No enfoque sócio-político, a mudança é perspectivada em termos políticos e ideológicos. O que é particularmente valorizado são as condições históricas e sociais. Os professores tendem a ser reduzidos ao papel de simples instrumentos do poder.       

    O curriculo está permanentemente a ser construído. Na prossecução dos objectivos definidos para o curriculo, os professores não realizam simples operações mecânicas.  Embora apliquem o curriculum para atingirem certos objectivos, podem sempre seleccionar e organizar as experiências de aprendizagem, adaptando assim o curriculo. A questão é saber se ao fazê-lo não estarão já a definir novos objectivos e portanto a alteraram a essência do curriculo. 

Avaliação Curricular

     A avaliação curricular, no entendimento  que desde os anos oitenta tem sido consagrado, procura justamente averiguar, em diferentes níveis,  a eficácia dos objectivos que foram definidos para o currículo. 

    A avaliação curricular deveria constituir um trabalho prévio a qualquer reforma curricular. A realidade portuguesa demonstra que só muito pontualmente esta avaliação é feita. Decreta-se uma reforma curricular sem previamente se analisarem as causas dos resultados negativos de todo o sistema de ensino. As causas podem não estar nos currículos, mas em outros factores que interferem nas escolas

    Foi contra esta tentação apressada de decretar reformas curriculares que Hoeben (1994), revendo a literatura, definiu os parâmetros de uma avaliação do currículo centrada nos resultados. Segundo este autor a mesma deveria considerar apenas questões, tais como: Estão os objectivos ou os efeitos pretendidos com o currículo a ser cumpridos? O tempo é suficiente para os professores poderem ensinar e os alunos aprenderem? A estruturação dos objectivos e dos conteúdos é clara, progressiva e geradora de novas oportunidades de aprendizagem ? O currículo está dividido em pequenas unidades que possibilitem uma eficaz construção de instrumentos de avaliação da aprendizagem (testes, observações, etc.) ? Face ao rendimento inadequados oferece aos professores possibilidades para deixarem que os alunos recuperem os atrasos?  O currículo eficaz, nesta perspectiva, é todo aquele que apresenta uma estruturação que facilita a estruturação das oportunidades dos alunos a aprenderem num tempo e ritmo adequados ao seu desenvolvimento. 

    Esta perspectiva técnica, não ignora que outros factores não possam influir na eficácia de um currículo, como: as características dos alunos ( capacidades, desenvolvimento, motivação, nível sócio-económico dos país, etc); as características dos professores (formação académica, formação pedagógica, actualização científica, motivação, etc), as características dos recursos didácticos disponíveis (manuais, mediatecas, etc); as características dos subsistemas educativos (aulas, escolas, administrações regionais e locais, etc). Em todo o caso, estes  factores não se podem confundir com o currículo propriamente dito, são de outra natureza.

Carlos Fontes

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