Ponto da Situação da Formação e Educação em Portugal - 2002

Carlos Fontes

 

.

1.Estudos

Desde os anos 60 que se acumulam em Portugal quilómetros de estudos sobre o sistema de ensino e de formação. Nas duas últimas décadas, como nota J. Palma Rita, foram introduzidas algumas alterações importantes neste domínio. A principal foi o aparecimento de um conjunto de especialistas como Fraústo da Silva,  Roberto Carneiro, Marçal Grilo, Meira Soares, Alberto Amaral, Machado Santos, Valadares Tavares, Joaquim Azevedo, Bártolo Paiva Campos, Augusto Santos Silva, Oliveira Martins, Ana Benavente, Emídia Nadal, Emilia São Pedro, ligados de uma forma mais ou menos directa às estruturas do próprio Ministério da Educação (Gabinetes de Estudos, Conselhos Nacionais, etc.), e que ciclicamente fazem o diagnóstico do sistema e apontam para a necessidade de verdadeiras reformas. Quando são chamados a ocuparem lugares de decisão política no próprio ministério, limitam-se a tomar medidas avulso, e esquecem rapidamente tudo aquilo que em fundamentados estudos preconizavam.

Todo o trabalho de investigação que produziram é atirado num ápice para o lixo, consumando-se o mais completo divórcio entre a teoria e a prática. Para manterem o espectáculo, acabam por encomendar àqueles que foram substituir, novos estudos e propostas, cuja apresentação pública é sempre rodeada de um forte impacto mediático. Uma situação algo semelhante ocorre no Ministério do Emprego. O limiar do ridículo foi há muito ultrapassado, hoje o espectáculo só pode continuar se houver uma mudança de  comediantes.

2. Ineficiência do Sistema

O sistema de ensino e formação em Portugal é, em termos internacionais, medíocre no seu funcionamento e nos seus resultados, apesar de consumir ( e esbanjar) enormes recursos, não apenas dos contribuintes portugueses, mas também dos da União Europeia. O último dos estudos produzido por uma equipa de ex-governantes sem a mínima falta de pudor, é arrasador sobre o descalabro da sua acção governativa. O estudo intitula-se justamente: "O Futuro da Educação em Portugal: Tendências e Oportunidades. 2020: 20 anos Para Vencer 20 Décadas de Atraso Educativo" (Janeiro de 2001).O que re-descobrem há muito que é afinal conhecido, e não é nada que não tenha sido já apontado por relatórios de organizações internacionais, como a OCDE, FMI, ONU (PNUD), União Europeia, etc. Eis alguns exemplos desta dura realidade:

a) Metade dos analfabetos que existem nos 15 países da União Europeia são portugueses (dados publicados em Fevereiro de 2001).

b) Apenas 20% da população activa do pais possui uma instrução superior à escolaridade obrigatória ( 9 anos);

d) O desemprego atinge 30.000 a 40.000 licenciados em Portugal, revelando em inúmeros casos uma total desarticulação entre os cursos superiores e as necessidades do mercado de trabalho;

e) O ensino politécnico que pretendia ser uma formação de nível superior articulada com as necessidades do tecido produtivo está deste afastado, e limita-se a ser uma cópia caríssima do ensino universitário.

f) O país carece de profissionais em certas áreas, como médicos e enfermeiros, mas as respectivas estruturas corporativas (vulgo Ordens) procuram limitar o máximo possível a formação de novos profissionais, a fim de manterem os privilégios dos que a exercem;

g) Os investimentos realizados na formação, desde Janeiro de 1986, não têm paralelo com o passado. É assinalável o gigantismo das nossas estruturas de formação, para as quais existem actualmente mais de 70.000 formadores acreditados pelo IEFP. Apesar dos serem números impressionantes, a produtividade do país é a mais baixa da União Europeia, assim como as qualificações dos nossos trabalhadores. A constatação mais obvia é que os investimentos realizados neste domínio serviram não para melhorarem a produtividade ou a qualidade dos serviços prestados, mas para manterem e engordarem a parasitagem do sistema.

A listagem completa destas constatações é demasiado longa e desde há muito conhecida. Concentremos agora a nossa atenção em dois dois aspectos que tem sido ultimamente bastante referidos: a falta de articulação entre formação-educação e a deficiente preparação dos professores e formadores. 

      

3. Articulação Formação-Educação

Os recursos de qualquer país são sempre limitados, e carecem de um mínimo de racionalidade na sua aplicação. Portugal não foge à regra, excepto na racionalidade. O melhor exemplo a este respeito é dado pela falta de articulação entre a educação e a formação. Não existe pura e simplesmente. Mas não é tudo.

Nas escolas secundárias, desde 1983 que se investem recursos consideráveis em relançamentos sucessivos do ensino-técnico profissional. Quase vinte anos depois os resultados obtidos continuam aquém das expectativas mais pessimistas. As escolas profissionais que a partir de 1989 começaram a surgir através de parcerias entre o Estado e entidades privadas, acabaram também por ficar aquém dos resultados esperados, a eficiência mínima. O custo por aluno suportado pelos contribuintes é um verdadeiro escândalo.

 

Todos os ministérios arvoraram-se em promotores de formação, mas em geral a que produzem é medíocre, cara e insustentável sem o recurso a fundos comunitários. Constata-se muitas vezes que a única justificação para a manutenção de muitos seus centros de formação, é o sustento que proporcionam às suas clientelas.

 

No Ministério do Emprego há muito que o diagnóstico está feito: é urgente pôr fim ao caos que está instalado, e para o qual muito contribuiu as sucessivas mudanças orgânicas que foram sendo realizadas de forma desconexa e sem um programa claro. O IEFP é hoje um organismo desarticulado, desqualificado e sem um rumo definido. Uma coisa é imperioso mudar: Não é possível continuar a produzir uma formação que, em grande medida, serve apenas para justificar as estruturas criadas, sem que daqui advenha nenhuma melhoria em termos produtivos no país. A criação do INOFOR e da ANEFA apenas veio ampliar o problema, não contribuiu para a sua resolução. 

4. Formação de Formadores/Professores

 

O sistema de ensino e de formação está condicionado nos seus resultados pela fraca qualificação dos professores e formadores. Esta afirmação de princípio reúne um largo consenso e é por isso frequentemente repetida. O problema é que embora o funcionamento do sistema seja muito mau, nunca como hoje se investiu tantos recursos na formação continua de formadores e dos professores. A conclusão que se retira é que, mais uma vez ,a formação prestada é muito má e de reduzida utilidade.  

As soluções há muito que estão testadas noutros países, e passam por uma intervenção cada vez mais activa das escolas superiores na formação, aperfeiçoamento e reciclagem de professores e formadores. Acontece que estas assumiram como função pairarem acima dos problemas do país, fugindo a qualquer forma de avaliação que ponha a descoberto a parasitagem que albergam.Nada feito enquanto o próprio ensino superior não mudar.

 

Conclusão

 

A situação na educação e na formação não é diferente da que ocorre no país, onde é patente um generalizado sentimento de frustração. Após a entrada na União Europeia, em Janeiro de 1986, geram-se grandes expectativas de mudança. As condições de vida melhoraram, subiu para padrões próximos dos europeus, mas o país descobre-se que as estruturas em que assenta estão num caos: A educação está doente, como a justiça, a segurança social, mas também as nossas cidades, o transito, etc; a formação é ineficaz, despesista e clientelar como o Estado, os institutos e empresas públicas. Os problemas são os mesmos. Até quando?

 

Carlos Fontes, Lisboa 2002

 

Continuação

Carlos Fontes

Navegando na Educação