Etapas da Vida de Professor Carlos Fontes Emergência dos Estudos - Conceito - Modelo Organicista - Modelo Continuísta - Ciclo da Vida dos Professores - Primeiros anos de carreira - Meio da carreira - Fim da carreira
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Desde meados dos anos oitenta, tem crescido a popularidade dos estudos sobre a vida dos professores. Várias razões tem sido apontadas para explicar a emergência deste fenómeno. Para alguns autores, como Maria Helena Cavaco, a explicação está na crise que atravessam os grandes sistemas teóricos, o que terá provocado a necessidade de repensar tudo de novo. Os grandes quadros conceptuais, centrados nos sistemas de ensino foram, por este motivo, substituídos por abordagens centradas em protagonistas singulares, como os professores. É a partir deles que se procura compreender o próprio sistema mais global. Neste sentido passou-se a estudar, por exemplo, quais são os seus percursos profissionais e o modo como vivem a sua profissão, e em termos mais genéricos, a forma como compatibilizam a tríade - Homem-Cidadão-Profissional. Outros, como Andy Hargreaves, atribuem este fenómeno às consequências sociais da pós-modernidade. Esta ao imprimir uma orientação social para o individualismo, acentuou as tendências narcísicas e de auto-referencialidade. Interpretes destas tendências sociais profundas, muitos investigadores dos fenómenos educativos face a um mundo caótico procuraram descobrir o sentido da educação nas biografias e narrativas pessoais dos professores. Mais conjunturais, outros, como Rui Gomes, associam o aparecimento deste fenómeno, no anos oitenta, ao generalizado mal estar na profissão revelado pelos professores. Foi a necessidade de compreender as razões destes sentimentos que terá desencadeado estes estudos. Seja como for, o estudo sobre as vidas dos professores são hoje objecto de inúmeros trabalhos, e eventualmente panaceia para muitos males da educação. O Conceito O início dos estudos sistemáticos sobre o desenvolvimento da vida humana, datam do princípio do século XX. A ideia de estudar o comportamento em função da idade é nova. Desde a antiguidade clássica que se dividia a vida humana em três ou quatro idades: Infância, Juventude, Maturidade e Velhice. A obra Origem das Espécies de C. Darwin, revolucionou os pressupostos teóricos destas análise, ao aproximar o Homem das suas raízes biológicas, ao negar que existisse um abismo entre este e o animal. E. Haeckel reforçou esta perspectiva quando formulou a Lei fundamental da biogenética, segundo a qual a ontogénese representa uma breve recapitulação da filogénese. Influenciados por estas ideias muitos psicólogos criaram um novo ramo da psicologia a Psicologia do Desenvolvimento ou da evolução. Os primeiro estudos incidiram sobre a Infância e a Juventude, permitindo reconhecer então uma série de fases ou etapas para a vida adulta, que continuou a permanecer um período obscuro. Nos anos trinta Charlotte Buhler, com base em estudos de biografias procurou determinar as várias fases do desenvolvimento humano desde o nascimento até à morte. A primeira conclusão que rapidamente se chegou é que a vida não pára de se modificar devido a factores biológicos, psicológicos e sociais. Há momentos, como escreve esta psicóloga, em que uma função, uma categoria de realização ou uma forma de vida se quebram e são substituídas por outras novas. A maneira como se divide a vida depende, em suma, das transformações que o investigador considere essenciais. Não é pois de espantar a falta de consenso sobre as divisões da vida humana. Neste sentido, a partir dos anos 60, foi praticamente abandonada a classificação da vida por etapas fixas, optando-se por uma divisão genérica em décadas, nas quais ocorrem "temas" característicos ( R. Peck, H. Thomne, U. Lehr), ou "tarefas de desenvolvimento" específicas ( E.H.Erikson, R.J.Javinghurst). Estas décadas não se tratam de idades, mas sim de pontos de orientação para a compreensão de um fenómeno complexo. O Modelo Organicista O primeiro modelo de análise da ciclos da vida, assentou em pressupostos organicistas. O Homem é entendido antes de mais um ser vivo, e como tal está sujeito a um processo cíclico de desenvolvimento orgânico. A sociedade é o campo onde as suas fases se realizam, podendo-as acelerar, modificar pontualmente, mas não as pode anular. A principal determinante do comportamento reside em factores biológicos. Charlotte Buhler, em 1933, por exemplo, estabeleceu cinco fases, partindo do pressuposto que a vida humana podia ser analisada a partir de duas ideias básicas: a autodeterminação e a escolha de uma finalidade na qual o indivíduo exprime a indentidade. A Infância e Puberdade (até ao 13 anos), o indivíduo é totalmente dependente, e não possui identidade própria.. É a época pré-escolar e da primeira fase de socialização escolar. A Juventude (14 e os 25 anos), a autodeterminação tem ainda um carácter provisório e de tentativa. É a época da preparação para a profissão, dos inícios profissionais, e das relações pré-conjugais. A Idade Adulta (25 aos 50 anos), o indivíduo fixa-se normalmente na vida com uma autodeterminação definitiva, revelando-se os resultados das suas finalidades. É a época da plena actividade profissional, do casamento e da fundação da família. Estamos no cume da vida, entre o crescimento e a decadência. A Idade dos balanços (50 aos 65 anos), é determinada pelo pressuposto que nesta fase os indivíduos examinam os resultados da sua vida, em função de corresponderem ou não às expectativas, e se a vida pode ainda ser remediada e continuada a formar-se ou não. É a época em que tomam importância os êxitos e feitos da profissão, em que por vezes se dá um retrocesso profissional, e em que os filhos saem de casa, se tornam independentes e talvez enriqueçam a primitiva família mediante a fundação de uma família própria, ou então a empobrecem separando-se da mesma. A última fase, começa por volta dos 70, e é marcada, conforme os indivíduos, por um período de calma após a vida activa, e a que corresponde também uma nítida decadência física e de elasticidade mental.É a época em que as profissões primitivas são substituídas por profissões parciais ou "hobbies" e em que muitas vezes se verifica a perda de um dos cônjuges. Muitos outros psicólogos estabeleceram os seus próprios ciclos de vida, de forma mais ou menos original, de acordo com perspectiva adoptada. M.U.Tiling (1936) e F. Kunkel (1936), dividiram a vida em função dos períodos de "crises de desenvolvimento" que situaram por volta dos 14, 28, 42, 56 e 70. Mais longe foi W. Hellpach (1941) que estabeleceu a "lei pendular da vida", segundo ritmos de mudança de 7 em 7 anos. Após épocas de grande desenvolvimento ou rendimento, surgiam as "crises vitais". A "plenitude" da vida atingia-se por volta dos 35 anos, a da formação do carácter aos 42, e a do rendimento aos 49. A partir daí começava a decadência até à senilidade. Críticas Nos anos 60 Thomae, Lehl e outros demonstraram as limitações de todos os tipos de classificações por etapas. Em primeiro lugar, ignoram frequentemente que as transformações ou as mudanças que ocorrem na vida, são um processo contínuo. Em segundo lugar, este tipo de divisões têm consistido na preponderância concedida aos factores endógenos, o que se traduz na desvalorização das influências externas que influem no processo de desenvolvimento. Ora, os contributos trazidos pela sociologia para o estudo dos ciclos de vida, demonstraram que as diversas etapas são acima de tudo construções sociais que enquanto modelos acabam por influenciar o comportamento real dos professores. Modelo Continuísta Reagindo contra o modelo organicista e a divisão da vida em etapas, emergiu uma outra corrente para o qual a vida humana não pode ser reduzida a ciclos de crescimento, maturidade e decadência. Pelo contrário ela apresenta-se como um contínuo, intercurtada por crises de Transição /Estruturação (Levianos), Assimilação / Acomodação (Piaget), Diferenciação/Integração (Werner), Mudança/Estabilidade (Whtbourne e Weinstock). Estes modelos apesar de não excluírem a referência a etapas da vida não lhes atribuem grande significado, sobretudo em relação à vida adulta. A aplicação destes modelo ao estudo do professores tem sido muito amplo, destacando-se duas linhas de investigação: - Os estudos sobre as etapas do desenvolvimento cognitivo dos professores, que tem procurado descrever as transformações que ocorrem nas formas de construir e dar sentido às experiências por parte dos professores. Os principais contributos devem-se a Pintrich, Thiés-Sprinthall e Sprinthal. - Os estudos que procuram determinar as etapas do desenvolvimento das preocupações dos professores. Os principais contributos devem-se a Hall e Hard, Loucks-Hooley e Stiegelbaeur e a Frances Fuller. O Ciclo a Vida dos Professores Partindo de uma visão mais ampla sobre os ciclos de vida, nomeadamente tendo em conta as contribuições da sociologia da educação, vários investigadores abordaram as vidas dos professores, partindo do pressuposto que as diferentes experiências, atitudes, percepções, expectativas, satisfações, frustrações, preocupações parecem estar correlacionados com as diferentes fases da vida profissional e pessoal dos professores. Admite-se que cada uma destas fases não são de passagem obrigatória, e que existem aspectos ou situações pessoais, profissionais, contextuais que influenciam os professores. Aceita-se que a vida dos professores, como escreve Huberman, é um processo, não um sucessão de acontecimentos. Este processo não é linear, mas está repleto de oscilações ou regressões. Entre os trabalhos mais significativos são de referir os de Fuller, Paterson, Adèle Chené, P. Sikes, Huberman e Schapira, Burke, Levinson, Pajak e Blaise. Ao longo dos anos foram-se acumulando um vasto conjunto de dados sobre as principais etapas de orientação para o estudo da vida dos professores. Uma coisa deste já se pode assinalar, é que a forma como a profissão é vivida desde o início, não é igual em todos os professores. Facto que será decisivo no modo como se chega depois ao fim da carreira. Uns permanecem ainda entusiastas pelo ensino, nas outros estão já completamente desalentados, por anos e anos de frustrações. Eís algumas das contribuições mais significativas que lançaram alguma luz sobre estes percursos, organizadas segundo os três períodos tradicionais do ciclo de vida. Fuller, num estudo clássico, assinalou que na fase de pré-ensino, os futuros professores manifestam-se muito preocupados com a situação dos alunos, tendo frequentemente uma visão fantasiosa da vida de professor. Nos primeiros tempos de leccionação, face aos problemas que encontram nas escolas e nas suas relações com os alunos, passam a centrar as suas preocupações na sua própria sobrevivência, e na sua imagem como professores. O progressivo domínio da situação do ensino, nos três ou quatro primeiros anos, possibilita-lhes abandonarem esta visão egocêntrica centrando agora as suas preocupações nos alunos e nas suas condições de aprendizagem, alargando progressivamente a sua reflexão a todo o sistema. Nesta fase, afirma Paterson, devido á maior proximidade da idade do professor com a dos seus alunos, este tende a comportar-se como um irmão ou uma irmã, mais velhos. Mais preciso, e também de forma mais linear, Sikes, afirma que entre os 21 e os 28 anos, o professor está sobretudo centrado nos problemas da disciplina, devido à ausência da autoridade. Preocupa-o de forma premente o domínio dos conteúdos. É a sua fase de socialização. Huberman caracteriza os primeiros anos como de sobrevivência e descoberta, apontando desde logo, para a formação de duas atitudes face à profissão. Os que se situam mais na sobrevivência sofrem, de modo particular, o choque com a realidade, centrando-se em si próprios, e nas diferenças entre os ideais e a realidade. Os outros, que assumem uma atitude de descoberta, manifestam de forma viva o entusiasmo pela experimentação, o orgulho de ter a sua classe, os seus alunos, e de fazerem parte de uma corpo profissional. Em síntese a entrada na profissão não é vivida por todos da mesma forma. Meio da carreira. Devido a uma idade mais elevada, compromissos familiares, e outros factores similares, o professor, segundo Paterson, passa subtilmente a estabelecer relações mais formais ou paternalistas com os alunos. Entre os 28 e os 33 anos, segundo Sikes, a carreira do professor entra numa fase de Transição. É a fase de estabilidade para uns e a procura de um novo emprego para outros. Nesta fase os professores começam a estar mais interessados no ensino do que no domínio dos conteúdos. Huberman, afirma que 4 a 6 anos depois do início da profissão, os professores entram numa fase de estabilização. De uma forma geral, esta fase é caracterizada pela atitude revelada pelos professores e que se manifestam plenamente integrados nas escolas, mas também revelam um grande independência e domínio nos conteúdos, nos métodos e técnicas pedagógicas. Entre os 30 e os 40 anos, os professores estão cheios de energia física e intelectual, mostram-se preocupados com a sua afirmação profissional, através da melhoria da sua competência, mas também almejam por uma promoção. Huberman, ao contrário de Sikes, mostra que após 7 anos de ensino, os professores estão longe de encararem o ensino todos da mesma maneira. Uns canalizam as suas energias para melhorar a sua capacidade como docentes. Outros centram a sua acção na promoção profissional investindo, por exemplo, no desempenho de funções de direcção ou cargos administrativos; Outros ainda entram numa fase de verdadeira angustia existencial. submergidos pelo peso da rotina, as frustrações quotidianas. Entre os 40 e os 55 anos, ainda segundo Sikes, os professores atingem a fase de maturidade. Nas escolas é sobre eles que recai muitas das responsabilidades pelo seu funcionamento. Mas nem todos os professores encaram a situação da mesma forma. Uns aceitam estas responsabilidade com naturalidade, outros reagem amargurados e críticos do sistema. Para Huberman, neste período, o professor está sobretudo concentrado na procura de uma situação profissional estável. É um período em que os professores se interrogam sobre a sua própria eficácia como docentes. Mais uma vez uns, assumem a actividade profissional de forma mais descontraída e menos emocional. Desvalorizam a preocupação com a promoção profissional, para se centrarem na vida da escolar e na própria docente, procurando desta forma desfrutar o melhor possível a sua profissão. Outros pelo contrário sentem-se como nunca amargurados com a sua vida profissional, estagnam e não se revelam interessados na sua promoção profissional. Estes professores queixam-se de tudo, dos colegas, dos alunos, do sistema. Próximo do fim da carreira, ainda segundo Paterson, o professor torna-se no conselheiro generoso, mas mais distante, ou crítico amargo e desiludido com os alunos e os colegas das gerações mais novas. Entre os 55 até à jubilação, os professores segundo Sikes, afrouxam a disciplina e as exigências para com os alunos. Huberman assinala que esta é a fase, é possível encontrar três tipos de atitudes, cristalizando três tipos de percursos profissionais anteriores: Os "positivos" prosseguem o seu alegre caminho de aperfeiçoamento pessoal e profissional; Os "defensivos" que face às experiência passadas se mostram mais do que nunca pouco optimistas e generosos; Os "desencantados", como o nome indica estão cansados e prontos a desancar todos os que encontram pela frente. Em suma, são diversas as formas de viver a profissão e os modos de a terminar, tudo parece depender do projecto de vida de cada um. O assunto é demasiado importante para que fiquemos por estes apontamentos. Voltaremos em breve. Carlos Fontes |