Uma das formas mais frutuosas de encarar as relações da
escola e a sociedade é dada pelo modelo sistémico. As escolas, enquanto organizações, embora gozando de certa autonomia, não podem ser desligadas de um mundo mais vasto
chamado sociedade que lhes determina os respectivos fins e
condiciona os seus processos de mudança.
Para aplicarmos o modelo sistémico às escolas temos segundo
Yves Bertrand e Paul Valois, de ter em conta três conceitos, o
de "campo paradigmático", de "campo político"
e de "campo organizacional".
O Campo Paradigmático, aqui restringido ao Campo Paradigmático
Socio-Cultural, orienta as organizações educativas. Numa
perspectiva sociológica pode ser entendido como o conjunto de concepções e generalizações e valores que englobam uma concepção
de conhecimento, uma concepção das relações entre as pessoas, a sociedade e natureza, um conjunto de valores e de interesses,
uma forma de executar, um significado global da actividade humana
que definem e delimitam para um determinado grupo social, a dimensão possível do seu campo de acção e da sua prática
social e cultural, assegurando, assim, a sua coerência e relativa unanimidade. É no campo paradigmático que são
definidas as orientações da sociedade. Embora exista sempre um paradigma
dominante, como iremos ver, este nunca é totalmente hegemónico, pelo temos que ter em conta em conta os
contra-paradígmas. A inovação passa primeiro por eles.
O Campo Político é o espaço onde se opera a transformação
das orientações definidas pelo campo paradigmático, materializando-as sob a forma de normas, leis e regras. Esta é a
instância do poder, onde por isso se jogam as relações sempre assimétricas de interesses para definir o que é legítimo e
ilegítimo, o aceitável e o inaceitável, a norma e o desvio.
O Campo Organizacional é a área das organizações concretas
, onde não apenas as normas, as leis e as regras são transformadas em práticas, devido à sua ligação à esfera política.
mas também, onde se concretizam um dos paradigmas educativos que se debatem no campo paradigmático. A sua acção contribuirá
desta forma para alterar ou não a hegemonia do paradigma dominante.
Os autores acima citados, seleccionaram quatro grandes paradigmas educativos que percorrem as actuais escolas: Paradigma
Industrial; Paradigma Humanista; Paradigma da Dialéctica Social e o Paradigma da Simbiosinérgico. Estes
paradigmas são, quanto a nós, um bom ponto de partida para a abordagem desta problemática.
O Paradigma Industrial orienta-se para a reprodução da sociedade
tal como existe. Neste sentido, valoriza a transmissão dos conhecimentos reconhecidos e os valores tradicionais. Estamos
perante o paradigma oficial da educação, ligado aos grandes valores da racionalidade do mundo moderno, nomeadamente ao
progresso material. A educação acabou por ser nele encarada como uma tecnologia social subordinada à economia. Numa
perspectiva pedagógica orienta-se para a utilização, com a máxima eficácia, dos melhores meios para transmitir os conhecimentos e
os valores (eficácia da comunicação educativa).
A subordinação da escola à economia não pode ser vista de
forma tão linear. Basta equacionarmos a questão da finalidade
do sistema educativo, para encontrarmos, por exemplo, duas posições
muito bem definidas para enquadrar a questão da subordinação
da escola à economia:
a) O sistema educativo, pode ter por finalidade reproduzir a
estrutura da sociedade onde está inserida e se reproduzir. A
escola vocaciona-se assim para sistemas sociais estáveis e
fortemente hierarquizados, nos quais imprime aos valores que
veicula, uma dimensão a-histórica e a-temporal ajudando desta
forma a "naturalizar" a ordem social e económica
dominante.
b) O sistema educativo pode também servir o sistema económico,
como um mecanismo facilitador da adaptação social às mudanças
julgadas pelo poder dominante como inevitáveis ou necessárias.
Os sistemas educativos pelo seu processo de funcionamento
produzem deste modo mudanças internas convergentes com as mudanças
tecnológicas produzidas no contexto social. A escola funciona
neste contexto não apenas na reprodução social da ordem
estabelecida, mas na própria preparação das mudanças sociais
que o sistema económico dominante necessita para se manter.
Em ambas as situações temos a subordinação da escola à
economia, só que com enfoques diversos.
O
Paradigma Humanista centra-se naquilo que afirma ser o desenvolvimento da pessoa humana nas suas múltiplas
dimensões. Assume uma perspectiva crítica da subordinação das
escolas à economia, recusando que as mesmas possam ter como
finalidade a mera transmissão de conhecimentos, medidos pela sua
quantidade e eficácia prática, em detrimento da construção
dos saberes integrados que possibilitem aos alunos uma compreensão
mais ampla do mundo e de si próprios. Diversas correntes pedagógicas
tem defendido estas ideias, desde pedagogos ligados a movimentos
políticos e filosóficos como o Anarquismo ou Personalismo, a
movimentos mais pedagógicos como o da Escola Nova ou a Educação
Progressiva , ou ainda teóricos como C. Rogers. Todos comungam
dum mesmo pressuposto: as grandes mudanças da sociedade começam
pela sua mudança dos indivíduos. Actuar nas escolas é a longo
prazo contribuir para modificar a sociedade num dado rumo.
O
Paradigma da Dialéctica Social assume claramente o propósito de modificar profundamente a organização da sociedade, abolindo as
relações de exploração do homem pelo homem. A educação torna-se mais do que nunca um acto político, assumido e
explicitado, e que deve conduzir os educandos à reflexão crítica da sociedade, nomeadamente dos seus mecanismos de alienação
cultural. O pensamento marxista, e particular a Escola de Frankfurt, criaram as teses centrais desta corrente pedagógica.
O
Paradigma Simbiosinérgico, o mais recente de todos os que foram
indicados, é claramente uma resposta aos cenários mais catastrofistas sobre a degradação do meio ambiente e a
necessidade de alterar o actual estado de coisas. A educação deve,
segundo os seus teóricos, criar uma nova visão social,
ecológica e espiritual da sociedade, tendo em vista a constituição
de comunidades de vida e de trabalho diversas das actuais. Numa
perspectiva pedagógica privilegia-se uma acção que leve os
educandos a terem uma visão integrada da sua relação com o
cosmos, abolindo as dicotomias sujeito-objecto, cultivando um
conjunto de saberes que despertem o indivíduo para estas dimensões:
um saber-fazer que tenha em conta não apenas o resultado
das acções, mas também as suas consequências; um saber
pensar que ultrapasse os aspectos meramente lógicos, para se
situar numa análise crítica da sociedade e dos seus modelos de
desenvolvimento; um saber viver, que forme os indivíduos
para novas formas de convivialidade mais responsáveis e solidárias;
um saber partilhar que tenha em conta a dimensão da
comunidade como um todo; um saber dizer, como manifestação
de uma nova comunicação que urge reinventar...
Em resumo, o ensino implica sempre uma escolha de uma dado paradigma, e qualquer opção implica sempre a escolha de um dado
modelo de sociedade.
Carlos Fontes