Mal Estar Docente

Carlos Fontes

 

 

O mal não é só português, mas característico dos países mais desenvolvidos. Em Portugal a situação atingiu uma dimensão nunca vista nas escolas públicas. De que se queixam os professores ? Muitos dos problemas que apresentam são males da civilização, mas que estão a ser agravados pelas últimas medidas do Governo.

1. Falta de Autoridade

Esta é uma das queixas mais ouvidas entre os professores. O problema é cultural, mas está a ser sentido de forma particularmente dramática nas escolas. Os professores não se sentem respeitados como pessoas e profissionais.

A des-estruturação das familias tem-se reflectido de forma negativa no ambiente das escolas. Muitos jovens estão hoje entregues a si próprios, sem que ainda tenham interiorizado regras de conduta equilibradas. Como se tudo isto não bastasse, multiplicam-se em muitas escolas os insultos e as agressões a professores por parte de "encarregados de educação". As escolas públicas são desta forma confundidas com espaços sem regras, onde tudo é possível.  

O Ministério da Educação tem feito tudo para desautorizar os professores, limitando-lhes a autonomia e os meios para resolverem os problemas com que se deparam no dia-a-dia. 

2. Excesso de Exigências

No passado requeria-se que o professor fosse sobretudo competente na sua especialidade, mas hoje esta competência não basta. 

Perante o colapso das familias a sociedade exige que os professores substituam os pais na função educativa que tradicionalmente lhes cabia. Nesta lógica perversa muitos deles limitam-se a ir às escolas apenas para acusarem os professores de não os estarem a substituir devidamente, naquilo que eles próprios se mostram incompetentes. 

Os governos pressionados pela "opinião pública" não param de fazer novas exigências às escolas. Para além de melhorarem as miseráveis estatísticas educativas, devem também intervir em todo o tipo de problemas sociais como desemprego, criminalidade, hábitos alimentares pouco saudáveis, sinistralidade rodoviária, consumismo, reciclagem, cuidados de saúde primários, desempenhos sexuais, etc, etc. A lista é deveras impressionante.   

As últimas medidas governamentais levaram ao absurdo esta situação, ao atribuírem aos professores a exclusiva responsabilidade pelos resultados dos seus alunos.  

Como se isto não bastasse, a legislação aprovada pelo Governo deu aos  pais a possibilidade de escolherem os directores das escolas, o que na prática lhes confere o poder de classificarem os professores.

3. Burocracia

Os professores vivem mergulhados em reuniões, relatórios, documentos para estudar, grelhas para preencher, etc. 

A estrutura burocrática que está montada nas escolas públicas é de tal modo complexa e rígida que impede a criatividade e a flexibilidade no desempenho das tarefas, o que acaba por gerar uma permanente sensação de alienação e inutilidade.     

As medidas governamentais aumentarem a alienação dos professores, ao imporem-lhes uma sobrecarga de tarefas extraordinárias na componente não lectiva.  

4. Massificação do Ensino

As escolas públicas nos principais centros urbanos são agora constituidas por uma população muito heterogénea na origem e cultura. Esta enorme diversidade coloca problemas radicalmente novos quanto à forma como as escolas se devem organizar e lidar com estas situações.

As escolas públicas não podendo ser selectivas na admissão dos seus alunos são naturalmente as mais afectadas por este fenómeno social, exigindo da parte dos professores um trabalho que ultrapassa em muito as suas competências, capacidades e meios disponíveis.

A rigidez imposta no funcionamento das escolas está a criar um clima pouco propício ao envolvimento afectivo dos professores com estas situações. A alienação está a minar as relações nas escolas públicas, contribuindo para o indiferentismo social. 

5. Condições de Trabalho Desgastantes

O excesso de barulho é um dos problemas que mais afecta os professores. A deficiente organização e gestão das escolas tem agravado os problemas. As aulas de 90 minutos, independentemente da natureza da disciplina, tem-se revelado um exercício esgotante para manter a atenção e a motivação dos alunos.   

Exaustão emocional passou a ser a doença crónica dos professores. Não admira que os mais jovens tenham passado a encarem esta profissão como último recurso. 

6. Imagem Pública

Incapazes de responder às múltiplas exigências que lhe são feitas, as escolas tornaram-se particularmente vulneráveis a "jornalistas" sem escrúpulos que andam a farejar casos de impacto mediático. O sistema de ensino é uma daquelas áreas onde todos se julgam com motivos para opinarem, uma vez que todos passaram escolas. Os julgamentos a este nível convergem todos para uma mesma conclusão: a culpa pela gravidez das adolescentes, a criminalidade juvenil, os maus tratos das crianças pelos pais, a obsesidade da população, a falta de dinamismo económico do país, etc, etc, está nas escolas. Temos visto de tudo. 

Está na moda a presença nos orgãos de comunicação social de pais que manifestamente sofrem de desequilibrios emocionais, ou alunos que procuram os seus momentos de "fama" entre os seus pares, e que aproveitando a apetência dos orgão de comunicação social por notícias sensacionalistas, vem a público denunciar "situações escandalosas" vividas nas escolas que depois se comprovam ser falsas.   

Com este enquadramento é fácil extrair a conclusão que os professores são uns incompetentes, porque não cumpriram a sua missão de solucionar todos os problemas com que a sociedade se depara. 

Como foi possível chegar-se a este ponto ? Uma explicação possível, mas empiricamente ainda não testada, diz-nos que o mal-estar dos professores resultou do seu excessivo voluntarismo. Nunca souberam dizer Não às múltiplas exigências que lhes foram fazendo. Hoje deparam-se diariamente com problemas para os quais não tem competências, capacidades ou meios para os resolver, mas são pressionados a fazê-lo.

Carlos Fontes, 2008

Carlos Fontes

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