O drama do insucesso escolar é relativamente recente.
É a partir dos anos sessenta que encontramos as suas primeiras
manifestações. Foi então que se começou a exigir que as
escolas, por razões económicas e igualitárias, encontrassem
formas de garantir o sucesso escolar de todos os seus alunos. O
que era atribuído até então ao foro individual, tornou-se
subitamente um problema insuportável sob o ponto de vista social.
A preguiça, a falta de capacidade ou interesse, deixaram de ser
aceites como explicação para o abandono todos os anos de
milhares e milhares de crianças e jovens do sistema educativo.
A
culpa do insucesso escolar dos alunos passou a ser assumida como um
fracasso de toda a comunidade escolar. O sistema não fora a
capaz de os motivar, reter, fazer com que tivessem êxito. O
desafio tornou-se tremendo, já que todos os casos individuais se
transformaram em problemas sociais.
A escola secundária era a
menos preparada para a mudança. Durante séculos assumira como
sua vocação hierarquizar os alunos de acordo com o seu
rendimento escolar, seleccionando os mais aptos e excluindo os
que não fossem capazes de acompanhar as exigências que ela
mesma impunha. A sua nova missão era agora igualizar todos no
sucesso educativo, garantindo 0% de negativas ! Este era o novo
padrão que permitia aferir o sucesso de cada escola.
É em grande parte por esta razão que
hoje
principal problema
educativo é o de identificar as manifestações e as causas do
insucesso escolar. A listagem destas não pára de aumentar à
medida que prosseguem os estudos.
Manifestações
As manifestações de insucesso escolar são múltiplas,
mas três delas são particularmente referidas pela possibilidade
que oferecem de se poder medir a própria eficácia do sistema
educativo:
-Abandono da escola antes do fim do ensino obrigatório;
- As reprovações sucessivas que dão lugar a
grandes desníveis entre a idade cronológica do aluno e o nível
escolar; Os níveis de fracasso que podem ser totais (em
todas as disciplinas ou quase) ou parciais (numa ou duas
disciplinas).
- A passagem dos alunos para tipos de ensino menos
exigentes, que conduzem a aprendizagens profissionais
imediatas, mas os afasta do ingresso no ensino superior.
Esta listagem, recolhida em Luísa Morgado, poderia
ser indefinidamente prosseguida, mas não é esse agora o nosso
objectivo.
Causas
É na listagem das causas onde aparecem naturalmente
as maiores controversas, o que se compreende já que a sua própria
realização pressupõe que se identifiquem também os seus
responsáveis. Neste ponto ninguém se acha inteiramente culpado,
o que em certo sentido é mesmo verdade. A grande dificuldade
destas análises, como veremos, reside na impossibilidade de se
isolar as causas que são determinantes em todo o processo.
Apresenta-se de seguida algumas causas arrumadas em
função dos seus agentes, deixando uma interpretação mais
detalhada para outra altura.
Alunos
- Falta de
vocação. Uma das causas mais frequentes para o desinteresse,
desmotivação e indisciplina dos alunos está opções de um dado curso.
Quando confrontos com o manifesto insucesso escolar no mesmo,
muitos são os que insistem em prosseguir na mesma área vocacional pelos
mais variados motivos (amigos, fuga a disciplinas consideradas difíceis,
etc).
-Atrasos do desenvolvimento cognitivo. As escalas
psicométricas de inteligência tem sido apontadas como um
bom indicador para identificar estas causas individuais de
insucesso escolar. O problema é que a grande maioria dos
alunos que falham nos resultados escolares, têm um
desenvolvimento normal. Há que não abusar desta explicação
-A instabilidade característica na adolescência,
consta entre as muitas causas individuais do insucesso. Esta
conduz muitas vezes o aluno a rejeitar a escola, a
desinvestir no estudo das matérias, e frequentemente à
indisciplina.
- Estilos de vida. Dificuldade em compatibilizar as
exigências escolares, com as mais diversas solicitações ( saídas
nocturnas frequentes, jogos de computador absorventes, desportos, etc),
provocando hábitos pouco regrados de vida. O aluno passa a encarar as
actividades escolares como pouco estimulantes, trabalhosas e rotineiras.
Famílias
- País autoritários, conflitos familiares, divórcios
litigiosos, fazem parte de um extenso rol de causas que podem
levar a que o aluno se sinta rejeitado, e comece a
desinteressar-se pelo seu percurso escolar, adoptando um
comportamento indisciplinado.
-O ciúme e a vingança dos país contribuem também
para fazer estragos nos resultados escolares do alunos.
Muitas vezes com medo que os filhos lhes deixem de manifestar
afecto, trocando-os pela escola ou os professores, adoptam
atitudes que contribuem para os afastar dos estudos. Outras
vezes, fazem-no para se vingarem de não lhes terem sido
proporcionado também na infância as mesmas oportunidades.
-A origem social dos alunos tem sido a causa mais
usada para justificar os piores resultados, sobretudo quando
são obtidos por alunos originários de famílias de baixos
recursos económicos, onde aliás se encontra a maior
percentagem de insucessos escolares. Os sociólogos construíram
a partir desta relação causa-efeito uma verdadeira panóplia
determinantes sociais que permitem explicar quase tudo:
a) Nas famílias desfavorecidas, por exemplo, os
país tendem a ser mais autoritários, desenvolvendo nos
filhos normas rígidas de obediência sem discussão. Ora,
quando estes chegam á adolescência revelam-se pior
preparados para enfrentarem as crises de identidade-identificação,
na afirmação da sua independência. A sua instabilidade
emocional torna-se mais profunda, traduzindo a ausência de
modelos e valores estáveis, levando-os a desinvestir na
escola;
b) Os alunos oriundos destas famílias raramente são
motivados pelos pais para prosseguirem os seus estudos; pelo
contrário, ao mais pequeno insucesso, estes colocam logo a
questão da saída da escola, o que explica as mais elevadas
taxas de abandono por parte destes alunos;
c) A linguagem que estes alunos são obrigados a
utilizar nos níveis mais elevados de ensino, sendo cada vez
mais afastada da que utilizavam no seu meio familiar, aumenta-lhes
progressivamente as suas dificuldades de compreensão e
integração, levando-os a desinteressarem-se pela escola.
Para prosseguirem nos estudos são obrigados a renunciarem à
linguagem utilizada no seio familiar.
d) Os valores culturais destas famílias são,
segundo alguns sociólogos, opostos aos que a escola propõe
e supõe (mérito individual, espírito de competição, etc).
Perante este confronto de valores, os alunos que são
oriundos destas famílias estão por isso pior preparados
para os partilharem. O resultado é não se identificarem com
a escola. Nesta linha de ideias, Holligshead, afirmou que os
mais desfavorecidos norteam-se por objectivos a curto prazo (o
presente), o que estaria em contradição com os objectivos
visados pela educação (a longo prazo). Esta diferença de
objectivos (e valores) acaba por os conduzir a um menor
investimento escolar.
- A demissão dos país da educação dos filhos,
é hoje uma das causas mais referidas. Envolvidos por inúmeros
solicitações quotidianos, muitas vezes nem tempo tem para
si próprios, quanto mais para dedicarem à educação dos
filhos. Quando se dirigem às mesmas, raramente é para
colaborarem, quase colocam-se na atitude de meros compradores
de serviços, exigindo eficiência e poucos incómodos na sua
prestação.
Professores
- Métodos de ensino, recursos didácticos, técnicas
de comunicação inadequadas às características da turma ou
de cada aluno, fazem parte igualmente de um vasto leque de
causas que podem conduzir a uma deficiente relação pedagógica
e influência negativamente os resultados.
- A gestão da disciplina na sala de aula, é
outro factor que condiciona bastante o rendimento escolar dos
alunos. Mas estamos longe de poder afirmar que uma aula
completamente disciplinada, seja aquela onde o insucesso
escolar desapareça.
- Os professores no início do ano criam
expectativas positivas ou negativas sobre os alunos que
acabam por influenciar o seu desempenho escolar. Embora não
sejam os professores a inventar os bons e os maus alunos, as
investigações de Rosenthal e Jacobson, demonstraram que os
preconceitos destes são muitas vezes inconscientes,
prejudicando muitas vezes os alunos sem que os professores se
apercebam. Uma coisa parece certa, os alunos baixamente
expectados são mais prejudicados do que são favorecidos os
altamente expectados. Ora, acontece que os alunos de estatuto
sócio-cultural mais baixo são os mais negativamente
considerados, tornando-se as principais vítimas das
expectativas negativas ou baixas. Os alunos mais baixamente
expectados são em geral mais mal tratados pelos professores
.
- Existe na cabeça da maioria dos professores, um
padrão de avaliação que tende a coincidir com uma curva
normal. Assim, na avaliação que produzem, partem em geral
do pressuposto que apenas alguns são bons, a maioria são médios,
e proporcionalmente ao número dos primeiros, existem uns
quantos que são mesmo maus e tem que ser eliminados.
- A avaliação, conforme demonstram inúmeros
estudos nunca é absoluta, pelo contrário varia em função
de uma multiplicidade de factores. As modas pedagógicas, o
contexto escolar, os métodos de avaliação, as disciplinas,
os professores, os critérios utilizados, o modo como estes são
interpretados, etc. Em resumo: a avaliação dá também um
forte contributo para o insucesso escolar.
- A dificuldade dos professores em lidarem com fenómenos
de transferência, conduz por vezes a situações com graves
reflexos no aproveitamento dos alunos. O docente ao ser
identificado com o pai (mãe) que o aluno se deseja afastar,
torna-se no alvo contra o qual o aluno dirige toda a sua
agressividade, gerando deste modo permanentes conflitos na
sala de aula, conduzindo-o ao insucesso.
- À crescente feminização do ensino são
igualmente atribuídas culpas pelo insucesso. As professoras,
conforme apontam alguns estudos, parecem ter uma maior preferência
pela raparigas, o que poderá explicar o melhor
aproveitamento destas face ao conseguido pelos rapazes, os
mais penalizados.
Escolas
A organização escolar pode contribuir de diferentes
formas para o insucesso dos alunos. Frequentemente esquece-se esta
dimensão do problema, vejamos algumas casos típicos.
- O estilo de liderança do director, presidente do
conselho executivo, etc. A questão não é displicente, nem mesmo
nas nossas escolas burocratizadas e muito dependentes do Ministério.
Todos conhecemos directores ou presidentes que quase sempre conviveram com
excelentes resultados nas escolas por onde passaram, e outros que parecem
atrair problemas ou maus resultados colectivos.
- Expectativas baixas dos professores e dos alunos em
relação à escola. Nas escolas onde isto acontece os resultados
tenderão a confirmar o que todos afinal estão à espera.
- Clima de irresponsabilidade e de falta de trabalho.
Os exemplos abundam para que esta afirmação careça de grandes
justificações.
- Objectivos não Partilhados. Se só alguns conhecem
os objectivos prosseguidos pela escola, ninguém se pode identificar com
ela. Não tarda que alguns se sintam como corpos estranhos, contribuindo
para a sua desagregação enquanto organização, provocando a
desmotivação generalizada.
- Falta de Avaliação. Ninguém sabe o que anda a
fazer, numa organização que sistematicamente não avalia os seus
resultados em função dos objectivos que definiu, e muito menos se não
procura identificar as causas do seus problemas. O clima de
irresponsabilidade não tarda a instalar-se e com ele o maus resultados.
- A deficiente orientação vocacional que muitos
alunos revelam no ensino pós-obrigatório, é agravada pela
ausência nas escolas de serviços de informação e orientação
adequados. Quem pode negar a pertinência desta causa?
- O elevado número de alunos por escola e turma,
tendem igualmente não apenas a provocar o aumento dos
conflitos, mas sobretudo a diminuir o rendimento individual.
- A organização de turmas demasiado heterogéneas,
não apenas dificulta a gestão da aula pelo professor, mas
também a sua coesão do grupo, traduzindo-se no incremento
de conflitos internos. Tudo somado, temos mais uma causa para
o insucesso.
- O clima escolar, isto é, a qualidade do meio
interno que se vive numa organização, é consensual que
influência bastante o comportamento dos seus membros
contribuindo para o seu sucesso ou fracasso. O problema é
que o clima escolar resulta de uma enorme variedade de
factores, sobretudo dos que são de natureza imaterial como
as atitudes, esperanças, valores, preconceitos dos
professores e alunos, o tipo de gestão etc, e não tanto do
ambiente físico (instalações, localização da escola, etc).
O problema é identificar quais são as causas determinantes
para um mau clima escolar. Uma coisa coisa é certa, os
alunos que trabalham num bom clima tendem a obter melhores
resultados que os restantes.
- A cultura organizacional, sucedânea no plano teórico
do conceito de clima escolar, tem obviamente a sua cota parte
no insucesso escolar. O problema é que desde os anos 60 que
não param de se identificar novos tipos de culturas
escolares.
No início apenas se diferenciou as culturas das
escolas urbanas(antigas) e das suburbanas (recentes).
Concluiu-se então que nas primeiras a questão da disciplina
sobrepunha-se à preocupação com os resultados. As relações
professor-aluno eram marcadas pela dureza, formalismo, etc.
Nas segundas, talvez porque as instalações são mais
recentes, e o corpo docente mais novo, respirava-se um certo
ar de descontracção, o que conduzia a que os resultados
escolares fossem postos em primeiro lugar face aos problemas
disciplinares.
A partir deste modelo, começaram a ser construídos
outros, entendidos como mais adequados para explicarem a
diversidade das realidades escolares. Hoje temos modelos para
todos as perspectivas ideológicas. Centrado nas escolas
portuguesas, Rui Gomes, identificou, por exemplo, quatro
grandes modelos culturais:
a) Na Escola Cívica, onde tudo está subordinado
aos diplomas oficiais, não há lugar para as diferenças
individuais, muito menos para a inovação pedagógica, o que
conta são os regulamentos, as ordens dimanadas do Estado.
Nesta escola, os que podem ter êxito são os mais obedientes,
dóceis, ou seja, os que continuamente se anulam a si mesmos,
na sua individualidade e nas suas aspirações.
b) Na Escola Doméstica, o estatuto de cada um
depende da sua posição numa hierarquia definida por uma
rede de dependências pessoais. Os laços pessoais, a importância
relativa do grupo de pertença, a antiguidade no território,
estes são os únicos dados que contam para se ter êxito ou
não.
c) Na Escola Industrial e de Mercado levam-se a sério
os grandes desafios da actual sociedade, privilegiando-se
valores como "competência", "especialização"
e "capacidade de inovação". Estamos perante uma
escola tecnocrática, apostada em responder de forma adequada
às crescentes exigências do mercado. Os menos aptos, ou os
que possuem ritmos de aprendizagem mais lentos são
naturalmente sacrificados em nome das exigências impostas
pela competitividade.
d) A Escola Narcísica está sobretudo interessada
na imagem de si a partir do reflexo que produz nos outros.
Trata-se de uma escola construída a partir da produção de
uma imagem de marca ("fachada"), onde tudo é feito
em função deste objectivo mobilizador. Os resultados
concretos do ensino são claramente subalternizados, por um
discurso retórico de auto-satisfação.
Em todas as culturas, uns são beneficiados, outros são
conduzidos para o fracasso.
Currículos
- Desfasamentos no currículo escolar dos alunos.
Os alunos ingressam em novos ciclos, sem que possuam os pré-requisitos
necessários. Não há documento sobre a avaliação
curricular que não tenha uma referência crítica esta questão.
- Currículos demasiado extensos que não permitem
que os professores utilizem metodologias activas, onde os
alunos tenham o lugar central. A necessidade de cumprir os
programas inviabiliza a adopção de estratégias mais
activas, mas sobretudo retira tempo ao professor para
ultrapassar as dificuldades individuais de aprendizagem que
constata nos alunos.
- Desarticulação dos programas. Esta situação
faz, por exemplo, com que os alunos repitam os mesmos conteúdos,
de modo diverso e incoerente ao longo dos anos e das
disciplinas, levando-os a desinteressarem-se pelas matérias,
e a sentirem-se confusos. O rosário de queixas é conhecido.
- As elevadas cargas horárias semanais ocupadas
pelos alunos em actividades lectivas, mais tradicionais, são
desde há muito consideradas excessivas. Os alunos tem pouco
tempo para outras actividades de afirmação da sua
individualidade, desenvolvimento de hábitos de convivência,
participação em acções colectivas em prol da comunidade,
etc.,etc. O resultado é sentirem-se num escola-prisão, sem
qualquer relação com os seus interesses.
Sistema
Educativo
- Neste nível as causas apontadas são igualmente
inúmeras, a começar pela pouco diversidade das ofertas
formativas nos níveis terminais do sistema, em particular no
secundário. Outras vezes, quando existem, estão
desarticuladas, por exemplo, das necessidades do mercado de
trabalho. O resultado final acaba por ser o seguinte: ainda
que o aluno tenha tido êxito no seu percurso escolar, por
desajustamento de competências está depois voltado ao
fracasso, na sua transição para a vida activa.
- A elevada centralização do sistema de
educativo, não apenas torna a capacidade de resposta (adaptação)
muito lenta, como fomenta a irresponsabilidade ou a
burocracia, ao nível local (as escolas).
Sociedade
Ninguém tem dúvidas em concordar que a actual
sociedade assenta num conjunto de valores que desencorajam o
estudo e promovem o insucesso escolar. Diversão, Individualismo
e Consumismo, três valores essenciais na sociedade actual, são
em tudo opostos ao que a escola significa: atitudes reflectida,
procura incessante do saber e de valores perenes, , etc.
Conclusão
Perante o quadro anterior quem se arrisca a retirar
algumas conclusões ? Ou a apontar "remediações" ? É
o que faremos em breve.