A escola de massas alterou por completo as condições
em que decorreu durante séculos a prática deste ensino da Filosofia. Foi o ponto de partida de J. Neves Vicente e que o
levou a definir um Paradigma Organizador da Ensino da Filosofia Enquanto Disciplina Escolar do Educação Secundária.
Ensino Filosófico de Massa
A justificação da necessidade deste novo paradigma, decorre
da constatação que houve uma alteração quantitativa e
qualitativa do novo público escolar no ensino secundário.Os
alunos que hoje frequentam as aulas de Filosofia já não são
oriundos duma minoria social privilegiada. Esta disciplina deixou
de ser o coroamento de uma formação humanística que era
ostentada como um traço distintivo de pertença a uma elite
social ou cultural. De um ensino filosófico para uma elite
passou-se a um ensino filosófico de massa. Grande parte dos
alunos que frequentam hoje o secundário, como afirma este autor
são linguistica e culturalmente muito mais deficitários do que
a elite das décadas anteriores. Facto que explicará em parte, a
actual desqualificação do ensino da Filosofia, mas também para
a sua banalização
A Justificação do Ensino da Filosofia
Perante esta educação de massas, coloca-se com toda a
acuidade a questão se os actuais alunos possuem ou não
capacidade para acompanhar um tal ensino, atendendo ao facto de
serem oriundos de famílias no seio das quais, as grandes questões
filosóficas não suscitam qualquer preocupação. Face a este
panorama, numa lógica segregacionista, muitos são os que
defendem a sua substituição por matérias mais facilmente
instrumentalizáveis pelos alunos oriundos de meios
desfavorecidos.
Em termos internacionais, a questão da continuidade deste
ensino é posta em termos de tradição escolar. Em muitos países,
como os anglo-saxónicos, a Filosofia é ensinada apenas ao nível
do ensino universitário, dado que se considera que o seu ensino
não é indispensável para qualquer cidadão, mas também requer
uma grande maturidade e formação escolar de base. Nos restantes
países, entre os quais se destacam os países latinos, o ensino
da Filosofia é ensinado no secundário, sustentado pela convicção
socialmente partilhada que o mesmo é indispensável para formação
de qualquer cidadão, postulando-se por consequência, a
educabilidade filosófica de todos.
O problema não é pacífico, nomeadamente no contexto da
escola de massas, onde são inúmeras e constantes as pressões
para nivelar por baixo todo os conteúdos de ensino, e para
retirar dos currículos as matérias que exijam um maior trabalho
intelectual.
Obstáculos ao ensino da Filosofia
A prática do ensino da filosofia na escola de massas, não
deixa de ser igualmente controversa por motivos filosóficos.
Ultrapassando a questão se a filosofia é ou não ensinável, as
questões que agora vamos referir, prendem-se com o sugestivo
roteiro de obstáculos que se colocam ao seu ensino, e que foram
identificados por J. Neves Vicente. Entre os mesmos seleccionamos
seis que consideramos de grande relevância para a análise desta
questão.
O primeiro obstáculo ao ensino da filosofia decorre da
própria relação entre o professor e o saber. Sem uma procura
efectiva do saber por parte do professor, como pode este ensinar
aos seus alunos esta via ? Esta questão não é todavia
exclusiva dos professores de Filosofia, mas antes constituiu uma
questão prévia que se deve colocar ao exercício de qualquer
actividade docente.
O segundo obstáculo está na resistência que muitos
professores universitários e do secundário têm em pensar a
filosofia como uma "disciplina escolar" do/no ensino
secundário. O ensino da Filosofia é identificado como um espaço
de investigação, segundo uma matriz universitária. O resultado
são práticas lectivas autistas. Ao nível do secundário, os
professores têm que ter presente três exigências básicas:
- O ensino tem que se reportar sempre à Filosofia, às suas
problemáticas, lógicas discursivas, história, sob pena de ser
outra coisa que não Filosofia;
- Como disciplina escolar, não pode deixar de ter em conta os
alunos para os quais se dirige, e o desenvolvimento de novas
metodologias para o seu ensino;
- Como uma disciplina integrada num dado curriculum formativo,
não pode esquecer as finalidades que são prosseguidas neste nível
de ensino.
O terceiro obstáculo está na resistência em
reconhecer a legitimidade da didáctica da filosofia, ou com
maior rigor, em admitir a "didactização do trabalho filosófico".
A didáctica, tem sido encarada não apenas como inútil à
Filosofia, mas também como um malefício, na medida que tende a
fragmentar o que é uno, simplificar o que é complexo,
vulgarizar o que é profundo, alimentando a superficialidade tão
do agrado dos que evitam o esforço de pensar. A alternativa a
esta posição de princípio é postular que ser professor ou filósofo
é um dom inato. Os que o possuem ensinam sem aprender, ou pensam
filosoficamente sem necessidade de mestres. Em qualquer dos casos,
estamos perante receitas que já não se coadunavam com as
antigas escolas secundárias do passado, e muito menos com as
actuais.
O quatro obstáculo está na falta de consenso sobre as
finalidades e os objectivos específicos do ensino da Filosofia
na educação secundária. Neste ponto existe uma total dispersão
de ideias, situação que revela a forma como o peso da tradição
deste ensino, acabou por desvalorizar a reflexão sobre a sua própria
prática.
O quinto obstáculo é a predominância de uma lógica
do ensino sobre uma lógica da aprendizagem. Os professores tem
orientado a sua acção segundo um modelo produtivista, isto é,
fragmentam constantemente as matérias em conteúdos prontos para
serem assimilados e rapidamente memorizados, para serem depois
reproduzidos nos momentos padronizados de "avaliação".
Todo o trabalho mais profundo de construção de saberes pelos
alunos é simplesmente abandonado. A alternativa proposta está
em centrar o ensino no aluno, na construção dos seus saberes,
valorizando a elaboração de recursos didácticos diversificados
pelos professores.
O sexto obstáculo consiste na resistência que os
professores de filosofia concedem às mediações didácticas e/ou
na dificuldade em concebê-las e fazer uso delas. O exercício de
filosofar por parte do professor, ainda que seja feito perante os
alunos, não garante só por si o exercício do filosofar por
parte dos alunos, a não ser por parte de uma minoria muito
motivada, próxima do professor cultural e linguisticamente. A
superação desta distância exige da parte do professor a
elaboração de mediações didácticas, ou seja, a confecção
de dispositivos, o desenho de tarefas, a construção de
actividades, a criação de guiões de trabalho, etc., que
coloquem os alunos no caminho de pensarem por si mesmos, de
filosofarem, caminho que eles e só eles hão-de percorrer ainda
que guiados ou apoiados em instrumentos fornecidos pelo professor.
A elaboração destes percursos faz parte da competência do
professor.
As ideias para um novo paradigma de ensino da Filosofia, são
mais pobres do que a sistematização dos obstáculos. Estamos
perante um domínio em que todos os métodos pedagógicos são
falíveis. O autor reafirma o postulado do direito à filosofia
para todos e a educabilidade da filosófica de todos (1),
mostrando que o seu ensino no secundário deverá alicerçar-se
na criação de um espaço próprio, sejam compatibilizadas três
tipos de exigências: a especificidade da Filosofia; a adequação
da prática lectiva às características dos alunos, e por último,
o respeito pelos objectivos formativos que estão fixados para
este nível de ensino(2). Postula também que ensino deverá ser
centrado na aprendizagem e não somente na transmissão de conteúdos
(3), implicando por isso o seu contínuo desdobramento para
efeitos didácticos, em grandes operações intelectuais em que
se materializa o pensamento e o discurso, e que são
designadamente a conceptualização, a problematização
e a argumentação (4). Face à necessidade de gerir
pedagogicamente a democratização do acesso à filosofia,
recomenda-se como imperativo didáctico a diferenciação pedagógica
de modo poder corresponder à heterogeneidade socio-cultural dos
novos públicos escolares (5). Por último, a avaliação deverá
de ser de natureza formativa e fazer parte integrante do próprio
processo de ensino aprendizagem (6).
O assunto merece uma abordagem mais ampla. Voltaremos em breve
a este tema.
Carlos Fontes