No dia 31 de Outubro de 1517, vespera da festa católica de Todos os Santos, o agostinho, teólogo e pregador Martim Lutero (1483-1546) dá a conhecer, na porta da Igreja de Wittemberg, as suas 95 teses sobre as indulgências e o cristianismo, abrindo uma profunda rutura com a Igreja romana (católica) (3). A data passou a assinalar o inicio da reforma protestante. Pintura de Ferdinand Pauwels (1872).
1. Contexto Internacional
A construção da Casa-Igreja de S. Roque (1569-1590) deve ser enquadrada no contexto do conflito que opôs católicos a protestantes. Um conflito que não se confina à Europa, mas alastra a todo o mundo.
Estados católicos, como o português, liderados pelo espanhol recorrem a todos o meios para contenter a expansão do protestantismo.
O estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536) ou o Concílio de Trento (1545-1563) não pode ser desligado deste conflito politico-religioso.
2. Jesuitas
A criação da Companhia de Jesus, em 1534, por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados por Inácio de Loyola, representa uma resposta estruturada ao movimento protestante. A congregação, reconhecida pelo papa em 1540, através de um muito organização centralizada, disciplinada e muito eficiente, procura não apenas defender as poições da Igreja Católica nos pulpitos das igrejas, mas moldar o pensamento dos crentes através do ensino nos seus colégios.
A retórica, ou arte de bem falar, torna-se numa competência particularmente desenvolvida dada a "propaganda da fé" que jesuitas terão que difundir nos púlpitos das igrejas ou nas aulas dos colégios.
O Aristotelismo, com a sua concepção de um universo hierarquizado e geocentrico, é também a base do seu ensino nos colégios. Defendem até ao limite uma concepção do mundo que se opõe a que a ciência moderna estava a criar, com as descobertas, por exemplo, de Galileu Galilei.
3. Jesuitas em Portugal
Entre os co-fundadores da Companhia de Jesus conta-se um português - Simão Rodrigues (1510-1579) - que se tornará no primeiro provincial da ordem em Portugal.
Estabelecem-se em Portugal em 1540, sendo-lhes confiado o ensino pré-universitário (4). Este facto dá-lhes um enorme poder, na medida que podem moldar mentalidades e o saber científico que aqui era difundido.
Colégios jesuitas.
Os jesuitas entre 1540 e 1759, data da sua expulsão, irão criar em Portugal e nas suas antigas possesões ultramarinas um vasta rede de colégios. Três magnificos exemplos em Portugal:
Na cidade de Coimbra, em 1542, será criado o primeiro colégio jesuita do mundo, cuja influência no ensino na universidade de Coimbra foi enorme. No Colégio de Jesus foram elaborados os célebres manuais de estudo - o Curso Conimbricense ou Curso de Filosofia do Colégio das Artes - usado em muitos colégios de todo o mundo. René Descartes aprendeu filosofia por eles.
Em Lisboa, abrem em 1553 um colégio na Mouraria, trasladado em 1579 para o enorme Colégio de Santo Antão (atual Hospital de S. José).
Em Évora foi-lhes construido o Colégio do Espírito Santo (1551-1559) que está na origem da universidade nesta cidade (1559).
Igrejas.
A construção da Igreja de S. Roque (1569-1590), reveste-se de particular significado, não só porque será a sede dos jesuitas em Portugal, mas porque o modelo desta igreja será replicado até meados do século XVIII, em inúmeras igrejas jesuitas em Portugal, Brasil e na Ásia.
A Igreja de S. Roque, seguindo o modelo das igrejas dos colégios de Coimbra na Rua Sofia, tem apenas uma única nave. O seu interior é concebido como se fosse um auditório, uma praça pública, no qual se destacam dois pulpitos. Era neles que o pregador, na linguagem vernácula e não em latim, discursava sobre os mais variados temas, fossem eles religiosos, políticos ou mundanos. As oito capelas, intercomunicantes, inicialmente com decorações muito
simples, tinham um programa iconográfico que refletia a concepção social e religiosa dos jesuitas em Portugal.
Entre outras preciosidades que podem ser contempladas, destaca-se a capela de S. João Baptista, encomendada em 1742 por D. João V, aos artistas italianos Nicola Salvi e Luigi Vanvitelli.
Nesta igreja estão sepultados entre outros, Simão Rodrigues de Azevedo, que introduziu os jesuitas em Portugal (no corredor da sacristia) e Francisco Suaréz (1648-1717).
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Cristina da Suécia e René Descartes, pintura de Nils Forsberg (1884)
4. Cristina da Suécia, René Descartes e António Vieira
O século XVII continuou a ser marcado pelo conflito entre católicos e protestantes, divindo toda a Europa. Na Suécia, Cristina (1626-1689), a filha do rei Gustavo Adolfo, defensor do protestantismo, depois de ascender ao trono inclina-se para o lado dos católicos.
Em 1649 convence o filósofo René Descartes a deslocar-se à Suécia, para lhes expor a sua filosofia e os fundamentos da religião católica. Descartes morre um ano depois na Suécia envenenado...
O primeiro padre católico que estabelece contactos regulares com Cristina é um jesuita português - António Macedo, capelão da legação portuguesa em Estocolmo (1651). É ele que serve de intermediário entre Cristina e Roma.
Cristina, em 1654, acaba por abdicar do trono e converte-se ao catolicismo. Abandona a Suécia e refugia-se em Roma (1656), onde passa a viver.
António Vieira
Agora temos que falar do padre António Vieira. Figura maior da cultura portuguesa. Nasceu em Lisboa junto à Sé, foi para o Brasil com seis anos. Estudou no Colégio de Jesus de São Salvador da Bahia, não sem algumas dificuldades iniciais (1). Integrou a Companhia, onde foi missionário e professor, nomeadamente de retórica em Olinda
Regressou a Portugal em 1641 para vir defender o novo rei (D. João IV) , restaurador da independência nacional. Entre 1641 e 1645 vive na Casa dos Jesuitas em S. Roque. Destaca-se desde logo como orador, sendo os seus sermões muito elogiados.Intervém ativamente na vida politica do país, nomeadamente através dos seus sermões. Sem ser um embaixador do rei, informalmente, em várias capitais da Europa, como Roma, Paris, Amesterdão ou Londres estabelece contactos, concebe projectos políticos e negócios (2).
A sua defesa dos indios, dos cristãos-novos e dos judeus, a sua denúncia da escravatura dos negros (abusos) trouxe-lhe inúmeros inimigos. Em 1667 acaba por ser condenado pela Inquisição em Portugal, sendo obrigado a exilar-se em Roma, onde se destaca também como orador.
Cristina da Suécia, chama-o para seu orador e fica por ele encantada. O papa Clemente IX autoriza que António Vieira seja nomeado capelão particular de Cristina.
Passam a ter encontro frequentes no Palácio Riario, onde Cristina residia. Para os célebres encontros que a mesma organiza da Academia Reale, António Vieira, escreve textos lidos por Cristina e figuras destacadas do Vaticano. A relação entre os dois é interrompida em 1675, quando Clemente X, o absolveu da Inquisição e ele tem que regressar a Portugal. Vieira regressa ao Brasil, onde prepara a versão final dos seus sermões, e nos últimos anos se dedica a escrever "Clavis Prophetarum".
Quando Cristina morre, em 1689, foi sepultada na Basílica de S. Pedro, segundo consta, a pedido do Padre António Vieira.
Roma ficou com uma rainha. A Suécia continuou protestante. A verdade da "Arte de Pregar" de Vieira, no século XVIII, cede lugar à verdade do "Método de Estudar" de Luis António Verney, os tempos são de mudança na forma de pensar. Os jesuitas são expulsos de Portugal (1759). A campa número 14, onde Vieira foi sepultado na antiga Igreja do Colégio dos Jesuitas (atual catedral Basílica da Bahia) é aberta no final do século XVIII e os seus ossos atirados ao lixo.
Como diria Vieira, tudo é efémero na vida humana.
Carlos Fontes |