Um dos objectivos desta magnifica exposição é mostrar,
através dos manuscritos jurídicos iluminados que se conservam nas
bibliotecas e arquivos portugueses, como o país durante
a Idade Média estava perfeitamente integrado espaço cultural europeu.
A tarefa com que os organizadores da exposição se
depararam não foi fácil, como já o constatara Isaías da Rosa Pereira (1):
Se temos muitos testemunhos medievais que dão
conta que entre os séculos XII e XV existiam em Portugal, numerosos manuscritos de obras jurídicas escritas em latim
ou em traduzidos noutras línguas, como o português.
Se sabemos que muitos portugueses, estudantes
e mestres, estudaram e ensinaram nas primeiras universidades europeias, tais
como o médico e bispo Afonso Dinis e os mestres franciscanos Álvaro Pais e
Gonçalo Hispano na Universidade de Paris, o mestre João de Deus, no século XIII,
na universidade de Bolonha, e mais tarde vários outros em universidades como
Oxford, Salamanca, Montpellier e Toulouse (2).
Se como assinalam também os organizadores da
exposição, entre os séculos XIII e XIV, por exemplo, sabemos da presença em
Portugal de mestres franceses, especialmente de eclesiásticos originários do sul
de França, que certamente teriam consigo manuscritos jurídicos.
O problema é que são muito raros os manuscritos
jurídicos medievais que se conservaram em Portugal, e os iluminados ainda são
mais raros. Das numerosas obras que existiam, os investigadores atuais apenas
encontram fragmentos de fólios que foram aproveitados para as encadernações de
outras obras. Identificar as obras e ligar estes fragmentos é uma tarefa
demorada e de grande complexidade.
Por tudo isto se compreende a importância desta
exposição.
Exposição
Os vários núcleos da exposição, ainda que só centrados em manuscritos
iluminados, comprovam este intenso diálogo jurídico de Portugal com a Europa, em
especial a região do sul da França e os restantes reinos peninsulares.
Não deixa de ser significativo assinalar que a
afirmação da independência de Portugal, no século XII, coincide com a grande
mudança no direito civil e canónico.
A exposição está organizada em dois núcleos essenciais: Fontes Normativas e
Literatura Jurídica.
Fontes Normativas
O conjunto de normas obrigatórias
que regulam as relações entre os membros de uma dada comunidade, fixando os seus
direitos e deveres tem a máxima importância numa sociedade organizada. A
evolução desta normas jurídicas reflete naturalmente a origem e evolução e
vivências de uma sociedade e a vida das suas várias comunidades, civis ou
religiosas.
Direito Canónico (Corpus Iuris Canonici)
Dada a importância do cristianismo
na génese e formação de Portugal, a compilação das normas que regiam as
relações sob a alçada da Igreja ocupam um espaço destacado nesta exposição. As
compilações das normas canónicas, muito dispersas e casuísticas até ao
século XI-XII, são nesta altura objecto de um processo de racionalização e
sistematização.
Este sistematização está ligada ao
processo de autonomização da Igreja do Sacro Império-Germânico e ao reforço do
poder do papado, o qual se consubstancia na afirmação do direito canónico como
um corpo de normas coerentes e independentes das normas civis.
-
Decreto Graciano (Decretum
Gratiani). Graciano,
monge do convento dos Santos Nabor e Félix, em Bolonha, onde ensina direito
canónico, realizou entre 1140 e 1145, um notável trabalho de sistematização das
normas canónicas, de diversas proveniências que se tornou uma
referência fundamental no ensino e nos tribunais eclesiásticos.
Emancipou o direito canónico da teologia.
Ver:
vários fragmentos de exemplares do Decreto Graciano (BPE, doc.28), cujos
fólios foram usados em encadernações de outras obras.
A profusão de concílios e decisões
papais após a publicação do Decreto Graciano, mostrou a necessidade de novas
compilações e sistematização, tarefa em que trabalharam alguns papas e mestres
de direito, como Alexandre III (Rolando Bandinelli),
Gregório VIII (Alberto Beneventano) e Inocêncio IV (Sinibaldo Flisco), gerando a
Collectiones Extravagantes.
- Decretais de Gregório IX (Decretales
Gregorii IX). O
papa Gregório IX (1227-1241)
ordenou a Raymundus de
Penaforte, uma nova coleção de direito canónico após Graciano. Coleção de
decretais de Gregório IX, divididos em 5 livros (juiz, juízo, clero, matrimónio
e delito), 185 títulos e 2.139 capítulos. Foi promulgado em 1234 pela bula Rex Pacificus, atribuindo força de lei para a Igreja universal.
Ver:
Decretais de (Gregório IX): BNP IL.49; Alc. 382; Alc.201.
- Livro Sexto. O papa
Bonifácio VIII mandou fazer uma nova compilação de normas não incluídas nos
cinco livros das decretais.
Ver:
Livro Sexto (de Bonifácio):Alc.274;Alc.217; Alc.215.
- Clementinas. O concílio de
Viena preparou uma nova compilação por ordem do papa Clemente V (1312)
- Coleções Extravagantes.
Coleções privadas.
Ver:
Bernardo de Pavia:BNP, Alc.381;
Ver:
Breviarium Extravagantium (Decretos do IV
Concílio de Latrão), colegido por Bernardus Papiensis. Alc. 173.
As compilações por ordem papal só
terminaram em 1582 com a aprovação pela Santa Sé da edição oficial do Corpus
Iuris Canonici.
Direito Civil (Corpus Iuris Civilis)
O direito romano foi uma das grandes realizações da antiguidade
clássica permitindo unificar debaixo das mesmas regras quase toda a Europa. A
sua lógica e sistematicidade influenciou o direito até aos nossos dias.
-
Código de Justiniano. No século VI, o imperador Constantino mandou
proceder a uma sistematização das leis do império, cuja codificação passou a ser
a principal fonte do direito civil. Na Península Ibérica, entre os séculos VII e
o século XII, o código justiniano foi secundarizado face ao código visigótico,
para voltar a renascer no século XII.
Ver:
um manuscrito do código justiniano da Biblioteca da Universidade de Coimbra
(BGUC, 3155), dois fragmentos do código (BPE, pasta 1, doc, 26 e doc.6), assim
como uma reprodução do código que está na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG LA
212)
- Código visigótico, Fuero de Juzgo.
Na Península Ibérica, como é referido nos textos da exposição, após a queda do Imperio Romano, formou-se no século V o
reino visigótico. Fruto da sua consolidação, o rei visigótico Recesvinto
(653-672) mandou compilar e sistematizar as leis visigóticas (654). Esta
compilação foi designada por Fuero Juzgo, ainda servindo como fonte
legislativa, no século XIII, no reino de Leão e Castela.
Este código e os costumes
municipais, como se escrevem os comissários da exposição, foram as principais
fontes do direito peninsular.
Ver: um Fuero de Juzgo, conservado na Biblioteca Nacional de Portugal (Iluminado IL.111)
Trata-se de uma cópia do século XIV, em castelhano, que pertenceu a Juan Afonso,
regedor de Logroño (1587).
IL. 111, BNP.
Fuero de juzgo. Século XIV.
Literatura Jurídica
Nesta exposição podem ser vistas obras de autores
canónicos como:
Raymundus de Penaforte (
c. 1175-1275):BNP
Alc.371; BNP IL.27; BNP Alc.271; BNP Alc.36
Bernardo de Pavia
(Bernardus Papiensis,
c.1150-1213):BNP, Alc.381;
Tancredus
Bononiensis
(1185-1236) : Alc. 202
Monaldo
da Giustinopoli
(da
Capodistria) (
1210-1280), franciscano:
- Summa Monaldina,
Fragmento, Paris. c. 1300, MElvas
Bartholomaeus Brixiensis (c.1200-1258):
Alc. 267
Johannes de Deo
(João de Deus Hispano): -
Liber Iudicum,
BNP, Alc.371
João de Deus
Hispano, português, nasceu em Silves (Algarve), nos
finais do século XII. Entre 1247 e 1254 esteve em
Bolonha, primeiro como estudante (discípulo de Zoen
Tencarario) depois como professor de Direito Canónico. Foi
capelão de Inocêncio IV e de Alexandre IV, intervindo em
numerosos assuntos jurídicos. Regressou a Portugal tendo
sido nomeado arcediago de Santarém, morreu no dia 15/03/1267.
Escreveu várias obras de direito canónico, entre as quais se
conta o Liber Iudicum (1241) (3). |
Goffredo da Trani (c.1200-1245):
Alc.43
Henricus de Segusio (c.1200-1271):
BPMP, iluminado
Johannes Andreae
(ca.
1270/1275 – Bolonha, 1348): Alc.273
Bártolo de
Sassoferrato (1313-1357):
Alc. 371
Franciscus de Zabarellis (1360-1417):
BGUC, 724
Domenicus de Sancto Geminiano
(c.1375-1424): BGUC, 723 e 722.
Johannes de Imola (c.1367-1436): BNP, Alc.273; BGUC, 725; BGUC, 721;
í
Lectura super sexto libro Decretalium- Domenicus de Sancto
Geminiano, (1401-1450), BGUC, ms 722
Abertura da Exposição
Na abertura da exposição, Inês Cordeiro, directora da BNP, fez
questão de evidenciar que estas exposições são o resultado de um trabalho
conjunto entre a biblioteca e os investigadores. Ao seu lado, da direita a
esquerda podemos ver José Mattoso, Adelaide Miranda, Maria Helena Cruz Coelho e
Maria Alessandra Bilotta,
comissária geral e coordenadora científica da exposição.
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Guy Lobrichon, autor com Pierre Riché da conhecida obra -
Le Moyen Âge et la
Bible (Paris,
Beauchesne 1984) -, observa com a sua simpática
esposa Marie Thérèse um exemplar da
Lectura Super Sexto Libro
de
Domenicus de Sancto Geminiano.
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