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A circulação do Direito na Europa Medieval:

manuscritos jurídicos europeus em bibliotecas portuguesas

 

26 fev. - 31 maio de 2016

 

Comissária geral e coord. científica: Maria Alessandra Bilotta. Comissários: Francisco Díaz e Mário Farelo.

 

 

 

 

 

Um dos objectivos desta magnifica exposição é mostrar, através dos manuscritos jurídicos iluminados que se conservam nas bibliotecas e arquivos portugueses, como o país durante a Idade Média estava perfeitamente integrado espaço cultural europeu. 

 

A tarefa com que os organizadores da exposição se depararam não foi fácil, como já o constatara Isaías da Rosa Pereira (1):

 

Se temos muitos testemunhos medievais que dão conta que entre os séculos XII e XV existiam em Portugal, numerosos manuscritos de obras jurídicas escritas em latim ou em traduzidos noutras línguas, como o português.

 

Se sabemos que muitos portugueses, estudantes e mestres, estudaram e ensinaram nas primeiras universidades europeias, tais como o médico e bispo Afonso Dinis e os mestres franciscanos Álvaro Pais e Gonçalo Hispano na Universidade de Paris, o mestre João de Deus, no século XIII, na universidade de Bolonha, e mais tarde vários outros em universidades como Oxford, Salamanca, Montpellier e Toulouse (2).

 

Se como assinalam também os organizadores da exposição, entre os séculos XIII e XIV, por exemplo, sabemos da presença em Portugal de mestres franceses, especialmente de eclesiásticos originários do sul de França, que certamente teriam consigo manuscritos jurídicos.

 

O problema é que são muito raros os manuscritos jurídicos medievais que se conservaram em Portugal, e os iluminados ainda são mais raros. Das numerosas obras que existiam, os investigadores atuais apenas encontram fragmentos de fólios que foram aproveitados para as encadernações de outras obras. Identificar as obras e ligar estes fragmentos é uma tarefa demorada e de grande complexidade.

 

Por tudo isto se compreende a importância desta exposição.

 

Exposição

 

Os vários núcleos da exposição, ainda que só centrados em manuscritos iluminados, comprovam este intenso diálogo jurídico de Portugal com a Europa, em especial a região do sul da França e os restantes reinos peninsulares.

 

Não deixa de ser significativo assinalar que a afirmação da independência de Portugal, no século XII, coincide com a grande mudança no direito civil e canónico.  

 

A exposição está organizada em dois núcleos essenciais: Fontes Normativas e Literatura Jurídica.

 

Fontes Normativas

 

O conjunto de normas obrigatórias que regulam as relações entre os membros de uma dada comunidade, fixando os seus direitos e deveres tem a máxima importância numa sociedade organizada. A evolução desta normas jurídicas reflete naturalmente a origem e evolução e vivências de uma sociedade e a vida das suas várias comunidades, civis ou religiosas.

 

Direito Canónico (Corpus Iuris Canonici)

 

Dada a importância do cristianismo na  génese e formação de Portugal, a compilação das normas que regiam as relações sob a alçada da Igreja ocupam um espaço destacado nesta exposição. As compilações das normas canónicas, muito dispersas  e casuísticas até ao século XI-XII, são nesta altura objecto de um processo de racionalização e sistematização.

 

Este sistematização está ligada ao processo de autonomização da Igreja do Sacro Império-Germânico e ao reforço do poder do papado, o qual se consubstancia na afirmação do direito canónico como um corpo de normas coerentes e independentes das normas civis. 

 

- Decreto Graciano (Decretum Gratiani). Graciano, monge do convento dos Santos Nabor e Félix, em Bolonha, onde ensina direito canónico, realizou entre 1140 e 1145, um notável trabalho de sistematização das normas canónicas, de diversas proveniências que se tornou uma referência fundamental no ensino e nos tribunais eclesiásticos. Emancipou o direito canónico da teologia.

 

Ver:  vários fragmentos de exemplares do Decreto Graciano (BPE, doc.28),  cujos fólios foram usados em encadernações de outras obras.

 

A profusão de concílios e decisões papais após a publicação do Decreto Graciano, mostrou a necessidade de novas compilações e sistematização, tarefa em que trabalharam alguns papas e mestres de direito, como Alexandre III (Rolando Bandinelli), Gregório VIII (Alberto Beneventano) e Inocêncio IV (Sinibaldo Flisco), gerando a  Collectiones Extravagantes.

 

- Decretais de Gregório IX (Decretales Gregorii IX). O papa Gregório IX (1227-1241) ordenou a Raymundus de Penaforte, uma nova coleção de direito canónico após Graciano. Coleção de decretais de Gregório IX, divididos em 5 livros (juiz, juízo, clero, matrimónio e delito), 185 títulos e 2.139 capítulos. Foi promulgado em 1234 pela bula Rex Pacificus, atribuindo força de lei para a Igreja universal.

 

Ver: Decretais de (Gregório IX): BNP IL.49; Alc. 382; Alc.201.

 

- Livro Sexto. O papa Bonifácio VIII mandou fazer uma nova compilação de normas não incluídas nos cinco livros das decretais.

 

Ver: Livro Sexto (de Bonifácio):Alc.274;Alc.217; Alc.215.

 

- Clementinas. O concílio de Viena preparou uma nova compilação por ordem do papa Clemente V (1312)

 

- Coleções Extravagantes. Coleções privadas.

 

Ver: Bernardo de Pavia:BNP, Alc.381;

Ver: Breviarium Extravagantium (Decretos do IV Concílio de Latrão), colegido por Bernardus Papiensis. Alc. 173.

 

As compilações por ordem papal só terminaram em 1582 com a aprovação pela Santa Sé da edição oficial do Corpus Iuris Canonici.

 

 

Direito Civil (Corpus Iuris Civilis)

 

O direito romano foi uma das grandes realizações da antiguidade clássica permitindo unificar debaixo das mesmas regras quase toda a Europa. A sua lógica e sistematicidade influenciou o direito até aos nossos dias.

 

- Código de Justiniano. No século VI, o imperador Constantino mandou proceder a uma sistematização das leis do império, cuja codificação passou a ser a principal fonte do direito civil. Na Península Ibérica, entre os séculos VII e o século XII, o código justiniano foi secundarizado face ao código visigótico, para voltar a renascer no século XII. 

 

Ver: um manuscrito do código justiniano da Biblioteca da Universidade de Coimbra (BGUC, 3155), dois fragmentos do código (BPE, pasta 1, doc, 26 e doc.6), assim como uma reprodução do código que está na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG LA 212)

 

- Código visigótico, Fuero de Juzgo. Na Península Ibérica, como é referido nos textos da exposição, após a queda do Imperio Romano, formou-se no século V o reino visigótico. Fruto da sua consolidação, o rei visigótico Recesvinto (653-672) mandou compilar e sistematizar as leis visigóticas (654). Esta compilação foi designada por Fuero Juzgo, ainda servindo como fonte legislativa, no século XIII, no reino de Leão e Castela.

Este código e os costumes municipais, como se escrevem os comissários da exposição, foram as principais fontes do direito peninsular.

 

Ver: um Fuero de Juzgo, conservado na Biblioteca Nacional de Portugal (Iluminado IL.111) Trata-se de uma cópia do século XIV, em castelhano, que pertenceu a Juan Afonso, regedor de Logroño (1587). 

 

IL. 111, BNP. Fuero de juzgo. Século XIV.

 

Literatura Jurídica

 

Nesta exposição podem ser vistas obras de autores canónicos como:

 

Raymundus de Penaforte ( c. 1175-1275):BNP Alc.371; BNP IL.27; BNP Alc.271; BNP Alc.36

Bernardo de Pavia (Bernardus Papiensis, c.1150-1213):BNP, Alc.381;

Tancredus Bononiensis (1185-1236) : Alc. 202

Monaldo da Giustinopoli (da Capodistria) ( 1210-1280), franciscano: - Summa Monaldina, Fragmento, Paris. c. 1300, MElvas

Bartholomaeus Brixiensis (c.1200-1258): Alc. 267

 

Johannes de Deo (João de Deus Hispano):  - Liber Iudicum, BNP, Alc.371

João de Deus Hispano, português, nasceu em Silves (Algarve), nos finais do século XII. Entre 1247 e 1254 esteve em Bolonha, primeiro como estudante (discípulo de Zoen Tencarario) depois como professor de Direito Canónico. Foi capelão de Inocêncio IV e de Alexandre IV, intervindo em numerosos assuntos jurídicos. Regressou a Portugal tendo sido nomeado arcediago de Santarém, morreu no dia 15/03/1267. Escreveu várias obras de direito canónico, entre as quais se conta o Liber Iudicum (1241) (3).

 

Goffredo da Trani (c.1200-1245): Alc.43

Henricus de Segusio (c.1200-1271): BPMP, iluminado

Johannes Andreae (ca. 1270/1275 – Bolonha, 1348): Alc.273 

Bártolo de Sassoferrato (1313-1357): Alc. 371

Franciscus de Zabarellis (1360-1417): BGUC, 724

Domenicus de Sancto Geminiano (c.1375-1424): BGUC, 723 e 722.

Johannes de Imola (c.1367-1436): BNP, Alc.273; BGUC, 725; BGUC, 721;

 

 

í

Lectura super sexto libro Decretalium- Domenicus de Sancto Geminiano, (1401-1450), BGUC, ms 722

 

 

Abertura da Exposição

 

Na abertura da exposição, Inês Cordeiro, directora da BNP, fez questão de evidenciar que estas exposições são o resultado de um trabalho conjunto entre a biblioteca e os investigadores. Ao seu lado, da direita a esquerda podemos ver José Mattoso, Adelaide Miranda, Maria Helena Cruz Coelho e Maria Alessandra Bilotta, comissária geral e coordenadora científica da exposição. 

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Guy Lobrichon, autor com Pierre Riché da conhecida obra - Le Moyen Âge et la Bible  (Paris, Beauchesne 1984) -, observa com a sua simpática esposa Marie Thérèse um exemplar da Lectura Super Sexto Libro de Domenicus de Sancto Geminiano.

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  A investigação que suporta esta exposição deriva do projeto de pós-doutoramento de Maria Alessandra Bilotta, financiado pela FCT (ref.ª: SFRH/BPD/74298/2010), que pretende salientar os laços artístico-culturais de Portugal com o resto da Europa, com particular destaque para os manuscritos das regiões meridionais (Península Ibérica, sul de França e Península Itálica). Em paralelo, entre 25 e 27 de fevereiro de 2016, decorreu um colóquio internacional: Medieval Europe in Motion 3 - Circulations juridiques et pratiques artistiques, intellectuelles et culturelles en Europe au Moyen Âge (XIIIe – XVe siècle), FCSH/NOVA e Biblioteca Nacional de Portugal, sob a coordenação também de Maria Alessandra Bilotta.  

Notas:

(1) PEREIRA, Isaías da Rosa – Livros de Direito na Idade Média. Lusitania Sacra. Lisboa. ISSN 0076-1508. 7 (1964-1966) 7-60; 2ª parte do artigo em: Lusitania Sacra. Lisboa. ISSN 0076-1508. 8 (1967-1969) 81-96

(2) Folha de apresentação da Exposição....

(3) Martin, Antonio Pérez - Españoles en el Alma Mater Studiorum: Profesores Hispanos en Bolonia, de ...

 

 

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