Preconceitos

 

Dos Preconceitos à Barbárie

 

 

 

 

 

Breves notas para uma reflexão global.

Nas sociedades democráticas em que vivemos, face à lei somos todos iguais. A igualdade de oportunidades é um princípio sagrado, mil vezes repetido, mas que a realidade frequentemente nega. Basta uma simples observação sobre a origem dos inúmeros conflitos que minam as nossas sociedades, para constatarmos que os mesmos decorrem de atitudes, comportamentos e medidas políticas sentidas como discriminatórias associadas a preconceitos.

Ninguém nasceu a não gostar de um determinado grupo (racial religioso, etc), as pessoas aprendem a fazê-lo. Pais intolerantes, por exemplo, podem elogiar filhos que expressam preconceitos, e desta forma levando-os à discriminação. Os meios de comunicação social são também importantes veículos de difusão de preconceitos.

Nesta reflexão apenas nos interessam os preconceitos partilhados por um grupo social, pois são aqueles cujas consequências podem conduzir à desagregação de uma sociedade ou a guerras entre povos.

1. Génese dos Preconceitos

Os preconceitos fazem parte integrante da nossa maneira de pensar daí sua universalidade e importância. Retenha-se os seguintes conceitos:

- Conceitos. Na base do nosso pensamento abstrato estão conceitos, que podemos definir como representações mentais de coisas da mesma espécie, em que retemos apenas as suas propriedades essenciais.

- Categorias. Aristóteles colocou em destaque outro elemento importante na forma como pensamos: as categorias, isto é, a atribuição de um atributo, propriedade, qualidade a um sujeito, ou coisa.

Neste processo predicação associamos as coisas entre si, como base em diversas aspectos, como a sua semelhança, proximidade, movimento, etc. Desta forma as coisas ou pessoas são arrumadas em grupos, classes, conjuntos.

- Preconceitos. Agrupadas as coisas em categorias formulamos juízos positivos ou negativos sobre estes grupos de coisas ou pessoas, e os comunicamos a outros. Esta partilha permite que outros possam conceber uma ideia de coisas ou grupos de pessoas que nunca viram.

- Preconceito Negativos sobre Pessoas. Este é o campo que vulgarmente os preconceitos são abordados. Retenha-se pois a seguinte definição:

"O julgamento prévio (pré-conceito) negativo dos membros de uma raça ou de uma religião, ou dos que desempenham qualquer papel social significante, que se mantém mesmo que os factos o desconfirmem", E.E. Jones (1972)

- Estereótipos. As opiniões que são formadas de grupos de coisas ou pessoas transformam-se em crenças, estereótipos. Estes são constituídos por elementos objectivos (baseados em impressões sensoriais imediatos), mas também em elementos subjectivos que são acrescentados de forma arbitrária e que se acredita serem reais. As caracteristicas individuais das pessoas são ignoradas, para apenas se ter em conta as suas alegadas características comuns, ultrasssimplificadas.

Exemplo: Que ideia formamos de um cientista? um indivíduo magro, despenteado, com óculos com muito graduados, com movimentos corporais descontrolados, etc. Provavelmente nunca encontraremos nenhum cientista que corresponda à totalidade destas caracteristicas que acreditamos serem reais.

- Discriminação. Atitudes e comportamentos normalmente associados a preconceitos designam-se por discriminação. Pode conduzir à exclusão das pessoas do acesso a oportunidades educacionais, empregos, etc.

2. Natureza dos Preconceitos Negativos

Três ideias básicas a reter:

Os preconceitos são generalizações sociais. As características que são atribuídas a um grupo supostamente são as que se podem observar em todos os individuos que o integram. Exemplos: Estabelecida a crença que os alentejanos são todos preguiçosos, se este individuo é alentejano, forçosamente tem que ser preguiçoso. Indícios ou sinais que um individuo manifesta levam-nos a arrumá-lo numa dada categoria que já tenhamos formado.

A constituição destes grupos sociais, com base num suposto conjunto de carecterísticas comuns dos individuos que os constituem (categorias), se permite antecipadamente evitar contactos incómodos ou perigosos, por outro lado alimenta também juízos precipitados sobre pessoas que nem sequer conhecemos.

As generalizações negativas provocam diferentes graus de hostilidade:

Verbalização negativa (produzir comentários entre pessoas amigas ou estranhos); Evitamento ( evitar o contactos com os grupos hostilizados); Discriminação (praticar ações com consequências no grupo alvo); Ataque físico ( assumir comportamentos hostis exacerbados, sob a forma violência física); Extermínio (participar em ações de linchamento, massacres, programas de extermínio...)

Os preconceitos são construções sociais e como tal partilhados socialmente. Não têm uma raiz biológica.

 

3. Tipos de Preconceitos

a) Preconceitos Culturais: etnocentrismo, europocentrismo, nacionalismos, Orientalismo - Edward Said, Ocidentalismo - Ian Buruma e Avishai Margalit, xenofobia, etc.

b) Preconceitos Religiosos

c) Preconceitos Sexuais: machismo, homofobia, etc

d) Preconceitos Físicos: deficientes, gordofobia, cor do cabelo, racismo, etc

e) Preconceitos Sociais: diferentes estatutos sociais, aparência, etc

f) Preconceitos Linguísticos: sotaques, erros gramaticais, etc

4. Armadilhas

As profecias auto-confirmativas ocorrem quando membros um grupo esteriotipado se comportam de formas que reflectem o próprio esteriotipo. Identificam-se com a imagem negativa que a sociedade gerou sobre eles, desistindo de afirmarem a sua individualidade.

Os preconceitos, nomeadamente os raciais, podem servir como pretexto para a auto-vitimização, na qual uma pessoa se coloca no papel de vítima de modo a negar as suas responsabilidades, anular críticas, opiniões ou objeções contra as quais não consegue contra-argumentar.

Avitimização é, em muitos casos, uma estratégia manipuladora, permitindo criar uma espécie de imunidade que faz parecer que tudo o que a vítima diz é verdade e que tudo o que ela faz é bem intencionado. O vitimista procura colocar o outro no posição de culpado por não estar na sua posição, por não ter sofrido como ele, por não ter sido também alegadamente discriminado, etc, etc. Não pára de reclamar sobre tudo o que acontece, independentemente da forma como as coisas ocorrem, apresentando sempre razões presentes, passadas e futuras para se queixar e se fazer de vítima.

 

5. Barbárie

O que conduz os individuos a assumirem comportamentos hostis em relação a outros, baseados em preconceitos, ao ponto de os procurarem exterminar ?

a) Personalidades Autoritárias. Pessoas que foram sujeitas a uma educação repressiva, com padrões severos de disciplina, tendem mais tarde a sublimar ou deslocar a sua agressividade acumulada, resultante de frustrações, repressões sexuais e outras, para grupos percepcionados como fracos, frágeis, em particular minorias (étnicas, religiosas, sexuais, etc).

b) Espíritos Fechados. Pessoas com um sistema de crenças rígidas e pensamentos simplistas, manifestam grande dificuldade em conciliarem posições. Resistem à mudança de crenças, mesmo quando a realidade as nega; Recorrem a argumentos (falácias) autoritárias para justificar a manutenção das suas crenças. Estas pessoas tendem a tolerar apenas aquilo que lhes é semelhante, manifestando-se hostis em relação ao diferente, dissemelhante. Os preconceitos em relação a outros está deste modo apoiado em crenças rígidas.

c) Frustração - Agressão. Pessoas frustadas por não conseguirem atingir os seus objectivos, devido a interferências reais ou simbólicas, tendem a sublimarem ou a deslocarem a sua agressividade para os grupos mais fracos, criando, por exemplo, "bodes expiatórios".A expressão desta agressividade, sendo socialmente controlada, obriga as pessoas a definirem alvos que num dado contexto sejam socialmente admissiveis. Os grupos minoritários, devido à sua fragilidade tendem em certos contextos a serem os "bodes expiatórios" ideais, não apenas de pessoas autoritárias, mas de grupos sociais de frustrados que não conseguiram atingir os seus objectivos.

d) Privação Relativa. Sentimento de injustiça associado à percepção de ausência de um recurso (poder, prestígio, dinheiro ) a que se julga ter direito, por comparação com a posse do mesmo recurso por parte de um dado grupo de referência. Esta discrepância entre o que se "é" ou "tem" e o que se julga devia "ser" ou "se tem" (ideal) é uma fonte de conflitos. As desigualdades sociais assim percepcionadas estimulam hostilidades intergrupais, mais do que as que existem dentro do próprio grupo. Nesta comparação o grupo de referência tende a ser inferiorizado, diminuido nas suas capacidades, estereotipado, de modo a legitimar o próprio sentimento de injustiça e a hostilidade manifestado. "É injusto! Para o que eles fazem, não deviam ter o mesmo como nós!"

e ) Competição. Numa situação em que dois grupos têm o mesmo objectivo, mas só um pode sair vencedor, a hostilidade desencadeia-se assim como os preconceitos negativos sobre o Outro.

Para reflectir:

Na origem dos grandes massacres na história da Humanidade, Guy Richard, afirma estar sempre o medo, decorrente do ódio, às vezes o desprezo. O massacrador, julga-se, pertencente a uma raça superior, por vezes a uma etnia, a uma tribo, a uma casta, a uma família ou a uma classe, a quem uma lei biológica ou política teria encarregue de esmagar os outros que ele explora ou "civiliza".

"Esse ódio pode dirigir-se contra individuos que a natureza ou o dinheiro - nos tempos modernos - dotou de benefícios motivadores de inveja. Os nazis, no começo do século XX, são amargos, falhados que descobrem subitamente, graças a Hitler, que pertencem à raça dos senhores. Os sub-homens, judeus, checos, polacos, russos devem ser expulsos do lebensraum, espoliados, exterminados e, finalmente reduzidos a cinzas", A História Inumana. Massacres e Genocídios das Origens aos Nossos Dias, Dir. Guy Richard, 1992.

6. Diogenes de Sinope, Cínico ou "o Cão" ( 404-324 a.C)

Filósofo cínico, defendia que os seres humanos viviam uma vida artificial, assente em preconceitos, falsidades. Preconizava uma vida de acordo com a natureza, a autosuficiência, o desapego das coisas e das convenções sociais ou crenças religiosas. Defendia, entre muitas outras coisas, a igualdade entre os homens e as mulheres. Ficou célebre a sua afirmação: "Sou uma criatura do Cosmo, e não de um Estado ou cidade." Mais do que elaborar um sistema de pensamento, procurou deixar exemplos de comportamento: a virtude, aquilo que todo o sábio procura, não é um saber, mas uma forma de conduta, um modo de vida.

Vivia como um mendigo, todo nu, dentro de um barril. Deambulava pela cidade de Atenas com um lanterna, e quando lhe perguntavam o que procurava, respondia: "Um Homem!"

7. Como podemos lutar contra os preconceitos?

- Aumentar o contacto entre o alvo dos preconceitos e o detentor dos mesmos.

- Denunciar os preconceitos mostrando a sua inconsistência.

Carlos Fontes

  

Para nos contactar: carlos.fontes@sapo.pt