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Os seres humanos são a única espécie animal cujos conflitos são intraespecificos, nas outras espécies só esporadicamente a agressividade se dirige a membros da mesma espécie. Não se aniquilam em batalhas nem subjugam os seus semelhantes. As lutas extremas só ocorrem, como mostrou Konrad Lorenz, em situações muito graves, como a população é excessiva face aos recursos disponíveis. Todas as guerra tem como objectivo a destruição. A guerra, nas palavras de Carl von Clausewitz, militar prussiano, "nada mais é que uma recíproca destruição", em que cada um dos oponentes procura através da meios violentos procura forçar o outro a submeter-se à sua vontade, ainda que isso implique o seu extermínio (Da Guerra, 1832-34). I. Da Guerra 1. Argumentação Cosmica (religiosa e filosófica) A destruição na natureza e a guerra entre seres humanos em sido encarada algo inerente ao funcionamento do Cosmos, como algo natural, virtuoso, necessário à renovação do cosmos e das sociedades humanas. Esta ideia está presente em muitas religiões. As guerras começam por ter uma dimensão divina (entre deuses), tornando-se depois terrenas. As forças destruidoras são também personificadas, como a deusa Shiva no Hinduísmo. Heraclito foi o primeiro filósofo a teorizar o processo destrutivo como intrinseco à renovação do Cosmos. Hegel, no seu tempo, considerava a guerra como uma necessidade biológica, social: "Só a guerra pode abalar uma sociedade e fazê-la tomar consciência de si própria." 2. Argumentação sobre a Natureza Humana A guerra é extensão natural da agressividade e maldade inerente à natureza humana. Thomas Hobbes, no século XVII, popularizou e retirou as consequências polticas da maldade humana. Se os homens fossem deixados a agir livremente comiam-se uns aos outros. Os regimes absolutos eram fundamentais para conterem esta auto-aniquilação colectiva. No século XIX, a questão passa para o domínio da ciência. Começam a surgir teorias biológicas sobre da guerra e exterminio, como processos naturais do aprimoramento dos seres humanos. Charles Darwin, sem nunca expor diretamente esta tese (Darwinismo Social), afirmou com os atuais seres humanos eram o produto de uma seleção natural, no qual os mais fortes anquilaram os menos fracos. Herbert Spencer, numa concepção evolucionista própria estabeleceu o princípio da luta pela vida como o motor da história, onde a luta de uns contra os outros está sempre presente, assim como um sucessão "natural" de massacres. Pouco depois da Iª. Guerra Mundial (1914-1918), Freud sustenta que os seres humanos são governados por duas pulsões opostas, a do prazer e a da morte (Tanatos). Tanto uma como a outra têm que ser contidas pela cultura e a sociedade, caso contrário a destruição será total. Uma das forças de conterem a pulsão destrutiva é transferi-la para ações socialmente aceitáveis. Uma ideia que irá ser explorada até aos nossos dias, por Heinz Kohut e Melamie Klein entre muitos outros (Cfr. Willy Pasini - Bem Me Quer Mal Me Quer). As raizes biológicas da violência recebe um forte contributo quando Henri Laborit, sustenta que possuimos três cérebros, produto da nossa evolulção, o mais primitivo de todos - o cérebro reptiliano - é responsável pela agressividade, o território, a reprodução, estando naturalmente mais desenvolvido entre os militares... Há um monstro que existe dentro de nós e que aspira à violência e maldade. 3. Argumentação sobre a Cultura O espirito guerreiro cultiva-se, a violência exercita-se. Muitos são os factores que levam os Estados a promoveram a agressividade e o ódio dos seus membros em relação a outros povos: alívio de tensões politicas internas, falta de recursos, potenciais ameaças externas, conflitos religiosos, manifestações de poder, interesses diversos, etc. - Cultura de Guerra nas potências dominantes - Cultura da Guerra na Expansão Portuguesa (exemplos: Gil Vicente, Camões, etc). 4. Argumentação Demográfica Thomas Malthus, pastor anglicano e demografo, no final do século XVIII, começa a publicar as suas reflexões sobre o "crescimento exponencial" da população mundial, e imagina um futuro sombrio, marcado por guerras, devido à escassez de recursos. Crente na "ordem natural" das coisas, encara as guerras e as doenças como um regulador social. O excesso populacional seria corrrigido com matanças colectivas e as pestes. 5. Argumentação sobre o Progresso No princípio do século XX, o holandês Sebald Rudolf Steinmetz, afirma a necessidade social da guerra para eliminar os povos mais fracos, os degenerados e marginais (Filosofia da Guerra, 1907). Se não existisse, era necessário inventá-la. Werner Sombart, sociólogo e economista alemão, em 1913, pouco antes do mundo entrar numa guerra que provocou cerca de 20 milhões de mortes, sustentou a importância da guerra para o progresso humano. A produção de armas não apenas havia contribuido para o desenvolvimento do capitalismo na Europa nos século XV-XVIII, mas também contribuira para o "bem estar" da população ao estimular a economia, as inovações tecnológicas e descobertas científicas. O poder destruidor da guerra seduziu os futuristas. “Nós glorificamos a guerra – a única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutivo de quem nos traz liberdade, as ideias belas pelas quais vale a pena morrer, e o desprezo pelas mulheres.”, Marineti A guerra tem sido proclada como um poderoso instrumento de união dos povos, sobretudo quando o inimigo é externo. As divisões são esquecidas ou silenciadas e todos os sacrificios são aceites, o problema é que as guerras não são eternas. Se a guerra termina em vitória ( extermínio ou submissão do opositor) o país sente-se mais forte e unido, mas se acaba em derrota degenera em revoltas, divisões internas, generaliza-se o sentimento de humilhação e de vingança... 6. Ciência da Guerra Depois da IIª. Guerra Mundial (1939-1945), na qual morreram cerca de 60 milhões de pessoas, surgiram inúmeros investigadores sobre o fenómeno da guerra, analisando-o segundo princípios ditos "científicos", alegamente neutrais, imparciais, amorais... Gaston Bouthoul, criador da Polemologia (ciência da Guerra), parte do pressuposto que a guerra nunca irá desaparecer, apenas se pode procurar formas de transferir os seus "benefícios" para áreas menos destrutivas, como o desporto. Uma das vantagens da guerra é a eliminação de excendentes demográficos, mas muitas outras são apontadas como o desenvolvimento tecnológico, difusão de modas, etc. Os motivos que podem desencadear uma guerra são multiplos, mas quase sempre estão assentes no medo ao Outro, e a qualquer tipo de sujeição ou subalternidade que essa relação possa implicar. Tanto se pode desencadear uma guerra por uma situação de penúria económica como por riqueza excessiva. As grandes potências, perante a sua população, têm necessidade de manifestarem periódicamente o seu poder perante Outros, ostentarem de forma violenta a sua força, fazendo uso armas que possuem, justificando assim os investimentos que fizeram, e simultaneamente adquirirem ganhos suplementares em termos económicos, psicológicos, territoriais, prestígio, etc. ... Quanto maior o país maior é a necessidade da guerra, enquanto manifestação de poder. Inan Morris, em "Guerra! Para que Serve?. O papel do conflito na civilização, dos primatas aos robôs", baseado em inúmeros relatos e estatísticas sobre a guerra, defende que estas permitem melhorar a organização das sociedades, expandirem o seu crescimento, conterem a violência quotidiana, melhorar a esperança de vida, etc. Entre os ínúmeros exemplos, afirma que hoje uma pessoa tem 20 vezes menos hipótese de ter uma morte violenta do que na "Idade da Pedra". Graças à guerra estamos melhores e menos violentos. II. Guerras Justas Num mundo que não dispensa a destruição provocada pelas guerras, naturalmente que importava saber quais as que são justas, toleráveis e aquelas devem ser condenadas. Durante a Idade Média, S. Agostinho, mas sobretudo S. Tomás de Aquino, procurou fundamentar a guerra justa numa base moral, cuja decisão última caberia à Igreja. Era legitima a guerra cuja intenção fosse "justa" segundo os critérios da Igreja, nomeadamente se os meios envolvidos fossem proporcionais aos fins a atingir, os oponentes salvaguardassem a vida dos não combatentes ... Na prática, a guerra era um instrumento considerado legitimo para um Estado resolver os seus problemas políticos internos e externos. Esta situação só começou a ser questionada com a criação da Liga das Nações (1920), quando se impôs o conceito de crimes de guerra internacionais. Em 1928 deu-se mais um passo, com o Pacto de Briand Kellog, ao condenar a guerra como instrumento político, salvaguardando-se as situações de legitima defesa. A barbárie da IIª. Guerra Mundial, com os seus 60 milhões de mortes, permitiu a criação da ONU, as guerras continuaram, mas a questão da "guerra justa" veio para ficar. Quem a define? As potências com assento no Conselho de Segurança das ONU.... Em todas as guerras há um problema que se coloca: O que fazer com os vencidos ? Matá-los ou submete-los à condição de escravos ? Esta era a receita do passado, e hoje qual deve ser ? III. Da Paz A paz tem sido definida por oposição à guerra. Haverá, como na agressividade, um impulso natural para a paz? O que se diz sobre a natureza humana a este respeito? Três religiões do mundo (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) defendem que os primeiros seres criados por Deus eram bons, inocentes, ingénuos enquando viveram junto a Deus. Ao afastarem-se da Deus levados por influências externas (tensões, desejos proibidos ...) assumiram uma nova natureza, marcada pela conflitualidade, o ódio, inveja que os tem conduzido a guerras intermináveis. O próprio Deus os tem castigado envolve-os em guerras. Numa perspetiva cristã, por exemplo, a paz começa-se por ser definida como uma possibilidade só alcançável no reino de Deus e na sua amizade (João, 14, 27). Santo Agostinho, influenciado pela "Paz Romana" falou da paz como a tranquilidade da ordem das coisas (Cidade de Deus, XIX, 12-13), algo possivel de atingir através da ordenação interna e externa associada ao direito e à justiça. Um princípio de seguido por Tomás de Aquino quando descreveu a paz como a concórdia do homem consigo mesmo e dos homens entre si (Suma Teológica, II.II q.29). Os papas, como intermediários entre Deus e os homens, reclamaram durante a Idade Média do direito julgarem e punirem os vários soberanos cristãos, afirmando que só a Igreja podia estabelecer uma "paz universal". Na antiga Grécia Platão sustenta que a paz é uma aspiração à completude, perfeição, que está inscrita na ordem das coisas, alcançável na harmonia, quietude... Os seres humanos nascem imperfeitos, mas está na sua natureza a possibilidade de buscarem a perfeição através de um infinito processo de reencarnações. A condição fundamental para a paz numa sociedade é que cada um aceite a posição social em nasceu. O conflito surge quando cada um procura ir além daquilo que lhe foi estabelecido na ordem hierarquica do cosmos. O escravo deve aceitar a sua condição de escravo, e não querer ocupar o lugar do senhor. A outra forma de manter a paz é o isolamento, evitando a entrada de novas ideias, influências que possam perturbar a paz interna. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), combatendo a ideia tradicional da maldade intrinseca do ser humano, afirma que os homens são bons por natureza, o que os torna agressivos é a sociedade, os Estados dirão mais tarde os anarquistas. IV. Paz Perpétua A paz perpétua é possivel ou trata-se de um ideal inalcançável ? 1. Equilibrio de Forças. A ideia mais difundida é que a garantia da paz assenta num sistema de segurança interno, poderoso e tecnologicamente atualizado, capaz de resistir a qualquer ameaça externa, de modo a assegurar que haja um equilibrio de forças internacional. Nenhuma potência deve acumular um poder tal que facilmente possa anular todos os outros. Trata-se de uma doutrina que favorece apenas as grandes potências, rementendo para um papel secundário os pequenos países, obrigando-os a integrarem "blocos", "alianças", "pactos" tutelados por uma grande potência. 2. Intercâmbios. O isolamento dos povos promove atitudes de hostilidade em relação a outros, os quais são vistos como uma ameaça à ordem e paz interna. Nestes sentido, muitios tem sido os que advogam que a melhor forma de promover a paz é o comércio, o intercâmbio cultural entre os povos, a circulação de pessoas. "O efeito natural do comércio é promover a paz", Montesquieu, O Espírito das Leis (1748, XX, cap.II). 3. Governo Mundial. No século XVIII dois filósofos sustentarem também que a paz perpétua era possivel, desde que se constitui-se acima dos Estados uma entidade reguladora dos conflitos mundiais. Abbé de Saint-Pierre - Project de paix perpetuelle (1729), propoe que se constitua entre os diferentes estados europeus uma aliança geral e perpétua, com um tribunal para arbitrar os conflitos, garantir a paz entre eles. A paz assentaria na coexistência de entidades independentes e soberanas, dependente fa vontade das mesmas. Advoga-se desde Kant, na sua obra - A Paz Perpétua. Um Projecto Filosófico (1795) - a criação de uma federação de nações, mas coloca desde logo algumas duas condições: a) "Só os povos governados democraticamente podem edificar entre eles uma paz perpétua.", isto é, é necessário que os Estados tenham uma constituição republicana com separação de poderes e representação popular. Nenhuma organização supranacional resistiria se entre os seus membros houvessem ditaduras... b) Os Estados integrantes devem reconhecer a igualdade de direitos a todos os cidadãos do mundo, permitindo desta forma sua liberdade de circulação. 4. Cultura da Paz. Se persistir a cultura da guerra, de domínio de outros povos, a continuará a ser inalcançável, mas se devolvermos uma cultura da paz, da partilha pacifica dos espaço e dos recursos disponíveis do planeta, da preservação da natureza e do respeito pela dignidade humana é um ideal concretizável. O primeiro problema que temos que resolver é o dos valores que queremos promover. 5. Ciência da Paz. Os estudos sistemáticos sobre a paz surgiram nos anos 50 do século XX, com contributos de Kenneth Boulding, Herbert Kelman, Anatol Rapoport no "Journal of Conflict Resolution (1955), tendo sido organizado um centro de estudos na Universidade de Michigan (1959). Na Europa, em Oslo foi criado um Journal of Peace Research (1964) e um importante centro de investigação PRIO (1959), onde se destacou John Galtung. Os estudos académicos sobre a paz tem-se difundido por todos os países democráticos. Entre a multiplicidade de contributos para a promoção da paz, destacamos um pela sua simplicidade. O defesa da paz assenta num argumento muito simples: Se os conflitos entre os seres humanos são uma inevitabitabilidade, as opções que se colocam são múltiplas para os resolver: a "paz" e a "guerra" são duas delas. Qual a razão por que não devemos seguir o caminho da paz, do amor em vez do ódio, da faternidade em vez da violência? A escolha da "guerra" ou da "paz" é uma questão moral, ética, de valores é neste plano que a questão se deve colocar. Se queres a paz, prepara-te para a paz. V. Teóricos - Piotr Kropótkin (1842-1921) . Foi um teórico anarquista que lutou contra as teorias darwinistas que sustentavam que no mundo animal ou humano, o que predominava era uma luta sem tréguas, na qual os mais fracos iam sendo eliminados. O progresso dos povos povos assentava na guerra. Kropotkin mostrou como, pelo contrário, o que predomina é a cooperação, o apoio mútuo. Entre os animais, as lutas entre membros da mesma espécie são raras, e mais raras ainda as que provocam a morte. Mostrou que os períodos em que ocorreram as mais notáveis realizações da humanidade as mesmas só foram possiveis graças cooperação entre os individuos, organizações e povos. O progresso está na cooperação e não na guerra. Principal obra: "Apoio Mútuo" (1902). - Luc Ferry (1951). Este filósofo sustenta que estamos a viver uma época de profunda mudança, que domina por " Revolução do Amor "(2010). A globalização esta a destruir tudo aquilo que no passado opunha os seres humanos entre si e que os levava à guerra, a valores sacrificiais. "Quem desejaria ainda, pelo menos na Europa, morrer por Deus, pela Pátria, pela Revolução? Ninguém ou quase ninguém; mas, por aqueles que amamos, estariamos dispostos a tudo". A época em que vivemos está a criar uma nova sensibilidade, espiritualidade global, que faz com que os preconceitos, nacionalismo, xenofobia, racismo, machismo, depredação da natureza, violência contra os animais e muitos outras virtudes do passado, sejam rejeitados em favor da solidariedade, faternidade, comunhão, amor... Sinais de um tempo de mudança. VI. Conclusões Provisórias ...................... ? Chegada dos Alemães (1918), pintura de George Bellows Paz Perpétua: Uma Perigosa Ilusão ? Já não esperamos da ciência o progresso e a paz perpétua. O século XX tratou de enterrar esta perigosa ilusão. Muitos cientistas encarregaram-se de demonstrar, com as suas experiências, em muitos casos em nada se distinguem dos assassinatos em "massa" das SS. É pois com alguma indiferença que se assiste hoje ao regresso do velho combate entre "místicos " e "cépticos", "ateus" e "deístas", "cientificos" e "esotéricos" . | ||||||||||||||
Projecto do humanista Leonardo de Vinci para uma arma de vários canos. |
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